Ângela Carrato – Jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG
Engana-se quem acredita que guerras estão acontecendo apenas longe daqui, em países como Rússia e Ucrânia ou em regiões como a Faixa de Gaza.
Há uma guerra permanente contra o Brasil, cujos contornos ficaram mais nítidos nos últimos dias, com os ataques do bilionário estadunidense Elon Musk ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao próprio governo Lula. Ataques apoiados pela direita e extrema direita nacional e pela mídia corporativa dita nacional, cuja sede parece ser em Washington.
A divulgação por uma comissão do Congresso dos Estados Unidos de uma suposta “lista secreta” contendo os nomes de pessoas que a rede social X (ex-Twitter), de Elon Musk, foi obrigada, por determinação do ministro Alexandre de Moraes, a bloquear, transformou-se no motivo para que os extremistas de direita, lá e aqui, intensificassem seus ataques a Moraes e “denunciassem” a “censura” e a “ditadura” existentes no Brasil.
O que esta comissão não disse é que os bloqueados são pessoas que estavam espalhando discursos de ódio, mentiras e ataques contra a democracia em nosso país. A maioria deles, inclusive, está condenada ou sendo processada por participar da tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023.
A divulgação desta lista, que de secreta não tem nada, não passa de uma tremenda fake news para tentar queimar internacionalmente o filme do Brasil e, claro, o do presidente Lula. Razão pela qual deveria ter sido energicamente refutada pelo STF e pela mídia brasileira. Coisa que não aconteceu.
O presidente do STF, Luis Roberto Barroso, não viu problema algum na divulgação, argumentando que “isso é um problema interno dos Estados Unidos”. Será mesmo? Será que a Suprema Corte dos Estados Unidos consideraria um problema interno do Brasil se fosse o contrário?
Já jornais como O Globo, Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, a trinca da velha mídia, publicaram editoriais criticando o ministro Alexandre de Morais e, mesmo que indiretamente, apoiando seus adversários, logo esses jornais que deveriam ter vergonha por aceitarem, com rabo entre as pernas, todos os ataques e acintes de Bolsonaro e sua turma contra a liberdade de imprensa. No governo Bolsonaro a liberdade de imprensa esteve em risco. Agora, não.
Dois dias antes, o próprio Barroso protagonizava um dos episódios mais lamentáveis ao defender, com unhas e dentes, que a juíza Gabriela Hardt, a Moro de saias, ex-titular da 13ª Vara de Justiça de Curitiba, não fosse afastada do cargo enquanto acontece o julgamento do relatório da correição feita naquela Vara pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Barroso não poupou elogios à juíza, definindo-a como “moça de reputação ilibada”, quando se sabe de suas ações no mínimo antiéticas (copiar e colar decisões) e da aprovação que deu para que a fundação que Deltan Dallagnol queria criar recebesse R$ 2,5 bilhões do dinheiro pago pela Petrobras por multas aplicadas pela Operação Lava Jato. Um juiz não tem competência para definir o destino de recursos que pertencem à União.
Ao agir assim, Barroso confirmou que continua lavajatista, apesar de todas as provas de que esta operação foi armada para destruir as principais empresas e a economia brasileira. Foi a partir dessas provas que o próprio STF, cinco anos atrás, classificou Moro como “juiz parcial” e anulou inúmeras sentenças dele.
A posição de Barroso é grave, porque atropela a da própria Corte que preside e serve para abrir divergência interna, num momento em que o STF está sendo atacado e que o lavajatismo, que tanto mal fez ao Brasil, mostra que está vivo.
A crise forjada contra a Petrobras nas últimas semanas tem as digitais dos lavajatistas, inclusive os da mídia como os comentaristas do Grupo Globo, Carlos Alberto Sardenberg, Merval Pereira e Míriam Leitão. Para o público mais atento, não deve ter passado despercebido os editoriais e manchetes dos veículos da família Marinho. Eles tentavam fazer intriga entre a direção da Petrobras e o governo Lula, com alguns chegando a sugerir que a redução de multas a serem pagas por empresas denunciadas pela Lava Jato poderia envolver corrupção.
Dito de outra forma, é a família Marinho, que nunca pediu desculpas pelo mal que fez ao Brasil ao transformar Moro e Dallagnol em heróis, retomando a velha cantilena, em versão repaginada e com novos personagens.
Vale destacar ainda a cobertura pífia que o Grupo Globo e praticamente toda a mídia corporativa brasileira fez do início do julgamento das ações da 13ª Vara de Justiça em Curitiba. O julgamento vai prosseguir, pois está em pauta o relatório elaborado pela correição naquela Vara. Para quem não tem familiaridade com termos jurídicos, correição é a ação exercida por juízes corregedores que tem por finalidade corrigir erros e abusos de autoridades judiciárias. E o que não faltam ali são erros e abusos.
Ao descontextualizar o julgamento, ao não se referir às acusações que pesam contra a juíza Hardt e os juízes do TRF-4, de Porto Alegre, aqueles que aumentaram a pena do então ex-presidente Lula e leram mais de mil páginas de processo por dia para acelerar a sua condenação, a mídia corporativa brasileira produz fake news. A mentira, é bom que se diga, tem várias faces. Descontextualizar e informar pela metade são aspectos de que se vale o jornalismo dito “profissional” para mentir.
Mas a guerra contra o Brasil não termina aí. As páginas da mídia tradicional, os telejornais e os portais de notícias, na semana que passou, estavam repletos de “notícias” tratando os rumos da economia brasileira de forma negativa e alarmista. O motivo foi o governo ter alterado a meta do déficit fiscal em 2025, de 0,5% do PIB para um déficit zero. O mesmo de 2024.
A alteração é importante para que o terceiro governo Lula consiga cumprir seus compromissos e ainda tenha alguma folga para investir. A economia vai bem. O país voltou a crescer, o desemprego diminuiu e o comércio varejista saiu do vermelho, mas a mídia corporativa insiste em sua sabotagem contra o governo Lula e contra a maioria da população brasileira. A quem interessa falar em crise e desenhar crises no horizonte quando o governo está no caminho certo? A quem interessa calar sobre os juros altíssimos ainda em vigor no país por determinação do Banco Central bolsonarista, esses, sim, preocupantes?
Se extrema-direita e direita podem ter alguma divergência no plano político, elas estão unidas no que diz respeito à defesa do mais truculento neoliberalismo e do interesse dos que querem rapinar as riquezas brasileiras e esfolar a massa trabalhadora.
É o caso do já citado Musk. Além de extremista de direita e de apoiador de primeira hora de Donald Trump, ele está de olho no lítio brasileiro e inconformado com a perda do mercado local para montadoras chinesas. Sua “amizade” com Bolsonaro nada mais era do que interesse que o ex-capitão, um vassalo dos Estados Unidos, lhe entregasse de mãos beijadas esse recurso mineral e também lhe garantisse exclusividade do mercado brasileiro para os veículos de sua montadora, a Tesla. Essa conversa da extrema-direita de a China é comunista, que lá não existe liberdade, não passa de balela. Tanto que o agronegócio está vendendo cada dia mais para lá e não passa pela cabeça dos reacionários brasileiros interromperem suas exportações. O mesmo acontecendo com Musk, que tem negócios de vulto com a China.
Como as montadoras chinesas estão chegando aqui com veículos híbridos e elétricos muito mais modernos, Musk ficou indignado. Ele talvez seja o melhor exemplo da turma que se diz defensora do “livre mercado”, mas quer e vive de privilégios. Essa turma ainda acha que o Brasil é seu quintal.
Além de tentar reativar a memória do mentiroso combate à corrupção, a direita brasileira resolveu ressuscitar politicamente o ex-presidente tucano Fernando Henrique Cardoso. Como quem não quer nada, comentaristas do grupo Globo passaram a elogiar o Plano Real, Cardoso e os economistas que supostamente o elaboraram. É desnecessário dizer que aquele desfile de nomes neoliberais não se dá por acaso. Não seriam sugestões para Lula substituir o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que tem feito um bom trabalho por alguém da turma dos tucanos e, aí, sim, passar a receber elogios?
Por último, mas não menos importante, faz parte da guerra contra o Brasil o silêncio da mídia em torno das ações e atividades do ex-presidente Bolsonaro. Se essa mídia fosse minimamente séria (o que definitivamente não é) ela deveria estar acompanhando os passos dele e mostrando como age e conspira 24 horas por dia contra a democracia. O ato que convocou para este domingo, 21 de abril, na praia de Copacabana é mais um exemplo.
Como as pessoas estão sendo convocadas para este ato? Quem está financiando? Quais são os objetivos de Bolsonaro com mais esta provocação à Justiça? O que este ato tem a ver com a divulgação da tal “lista secreta”? A mídia não informa nada, diferentemente da mídia estadunidense que não perde Trump de vista um segundo.
Ao mostrar, aparentemente do nada, no domingo, que o ato teve comparecimento significativo, esta mídia, de cálculo pensado, estará reforçando, na visão dos ingênuos, que Bolsonaro tem muito apoio e que por ter muito apoio, deve estar sendo mesmo perseguido e, ser inocente.
Percebe, caro leitor/leitora, como ao não informar ou ao informar pela metade a velha mídia produz mentiras e se coloca ao lado dos golpistas locais e de seus aliados de fora?
Os inimigos do Brasil, portanto, são muitos: direita, extrema-direita, seus aliados externos, Bolsonaro e suas redes sociais, mas também a mídia corporativa que trabalha o tempo todo para manter o país submetido aos interesses imperialistas e a maioria da população desinformada e explorada.
Desinformação e exploração andam juntas.
P.S. 21 de abril é a data nacional dedicada a homenagear Tiradentes, o mártir da Inconfidência Mineira. A capital mineira é transferida simbolicamente para Outro Preto e lá tem lugar uma cerimônia, instituída por Juscelino Kubitschek, com o objetivo de distinguir pessoas que se destacaram, em diversos campos, na defesa de um Brasil livre, justo e soberano, como queria Tiradentes. Dá vergonha ver a lista dos homenageados esse ano, elaborada pelo governo Zema. O grande homenageado é o ex-presidente FHC. A homenagem deve fazer parte do kit para tentar ressuscitar os tucanos. Pior ainda é o resto da lista. Com honrosas exceções, não passa de um desfile de militares e policiais, bem ao gosto da extrema-direita da qual Zema é parte. Tiradentes deve estar se revirando no tumulo. Afinal, a solenidade é para homenageá-lo ou reverenciar o traidor Joaquim Silvério dos Reis?