O Conselho de Segurança da ONU aprovou, nesta segunda-feira, uma proposta de resolução para o conflito entre Israel e Hamas na Faixa de Gaza que menciona explicitamente a exigência de um cessar-fogo imediato na região. A aprovação, possível apenas pela abstenção dos Estados Unidos, ocorre quase seis meses após o início do conflito, depois de uma série de tentativas anteriores serem barradas — a última delas há três dias, quando uma proposta dos americana foi vetada por Rússia e China por não exigir o cessar-fogo em termos decisivos, segundo os países.

A resolução desta segunda-feira foi adotada com 14 votos a favor, nenhum contra e a abstenção dos EUA. O texto “exige um cessar-fogo imediato para o mês do Ramadã”, período sagrado dentro do Islamismo iniciado há 15 dias, e que este período leve a uma trégua duradoura. Também “exige a libertação imediata e incondicional de todos os reféns”.

O Hamas saudou a resolução aprovada e disse que estava pronto para negociar a libertação de reféns em troca de prisioneiros palestinos. Em um comunicado, o grupo disse ter “disponibilidade” para se envolver “em um processo imediato de troca de prisioneiros que conduza à libertação de prisioneiros em ambos os lados”. A embaixadora dos EUA na ONU, Linda Thomas-Greenfield, disse que “o único caminho” para garanti o começo do cessar-fogo seria “a liberação do primeiro refém”.

O texto aprovado foi apresentado pelos 10 membros não permanentes do Conselho. A negociação para a redação final foi descrita como intensa “até ao último minuto”. Os EUA pediram uma mudança para trocar o termo “cessar-fogo permanente” por “cessar-fogo duradouro” — linguagem que, segundo diplomatas, deixaria espaço para Israel se defender — e apelou a ambos os lados para criarem condições onde a paralisação dos combates pudesse ser sustentada. Uma proposta de emenda russa, que dizia que o cessar-fogo imediato deveria levar a um cessar-fogo “permanente”, foi rejeitada.

“Certas edições importantes foram ignoradas, incluindo nosso pedido para adicionar uma condenação ao Hamas. Não concordamos sobre tudo o que consta da resolução. Por esse motivo, não pudemos votar “sim”. Mas apoiamos plenamente alguns dos objetivos críticos desta resolução não vinculativa e acreditamos que era importante que o conselho se manifestasse e deixasse claro que qualquer cessar-fogo deve vir acompanhado da libertação dos reféns”, afirmou Thomas-Greenfield, após a aprovação.

As resoluções do Conselho de Segurança são juridicamente vinculativas e são consideradas “direito internacional” e, embora o Conselho não tenha meios de fazer cumprir a resolução, pode impor medidas punitivas adicionais a Israel. O secretário-geral da ONU, António Guterres, que viajou no fim de semana ao Egito e esteve na fronteira com Gaza, afirmou que a resolução deveria ser implementada imediatamente.

O Conselho de Segurança acaba de aprovar uma resolução há muito esperada sobre Gaza, exigindo um cessar-fogo imediato e a libertação imediata e incondicional de todos os reféns. Esta resolução deve ser implementada. O fracasso seria imperdoável”, escreveu Guterres em sua conta no X (antigo Twitter).

A França pediu uma trégua permanente após o Ramadã.

“Esta crise não acabou. O Conselho terá que permanecer mobilizado e voltar ao trabalho imediatamente. Quando o Ramadã terminar, dentro de duas semanas, terá de ser estabelecido um cessar-fogo permanente”, disse o embaixador francês na ONU, Nicolas de Riviere.

A primeira medida a exigir abertamente o fim das hostilidades chega em um momento particularmente delicado da ofensiva israelense em Gaza. O premier de Israel, Benjamin Netanyahu, autorizou que a atividade militar se expandisse para Rafah — último reduto para quase 1,5 milhão de palestinos deslocados pelo conflito — provocando temor de uma catástrofe humanitária.

Enquanto a operação não se materializa, soldados israelenses lutam nos arredores de ao menos dois hospitais na Faixa de Gaza, incluindo o al-Shifa, o maior do enclave, onde operam desde a semana passada. O segundo cerco a uma unidade hospitalar está armado no hospital al-Amal, em Khan Yunis. Israel diz que homens do Hamas e da Jihad Islâmica se reagruparam nestes locais e que atuam com nível de “precisão“, mas as agências humanitárias alertaram sobre os riscos de civis encurralados e ao pessoal médico.

Mudança de posição?

A abstenção americana repercutiu mal entre a cúpula do governo israelense. O gabinete de Netanyahu cancelou a visita de uma delegação que seria chefiada pelo ministro dos Assuntos Estratégicos de Israel, Ron Dermer, e do conselheiro de Segurança Nacional, Tzachi Hanegbi, à Casa Branca, nesta segunda. Um comunicado do gabinete do premier, divulgado pela agência estatal israelense Kann, diz que “os EUA recuaram da sua posição consistente no Conselho de Segurança que ligava um cessar-fogo à libertação dos reféns” e que “prejudica o esforço de guerra, bem como o esforço para libertar os reféns”.

A Casa Branca se disse “muito decepcionada” com o cancelamento da visita, planejada previamente e que discutiria preocupações sobre uma possível ofensiva no sul de Gaza. O porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, John Kirby, disse que o encontro seria uma conversa longa sobre “alternativas viáveis” para a operação em Gaza.

Ao longo da guerra, os EUA vetaram quatro projetos de resolução que pretendiam alcançar um cessar-fogo imediato. Em dois dos últimos textos, que apresentavam entre as demandas o cessar-fogo e a liberação imediata dos reféns, o país foi o único a votar contra — pelas regras do Conselho de Segurança da ONU, os membros-permanentes têm poder de veto.

Por este motivo, o mundo reagiu com surpresa quando o secretário de Estado americano, Antony Blinken, anunciou, na semana passada, que o país iria propor um projeto de resolução que pedia o cessar-fogo imediato vinculado à soltura dos reféns. O texto foi à votação, mas derrubado por Rússia e China, que disseram que o texto não colocava de forma clara as exigências e daria margem à interpretações que poderiam justificar a invasão de Rafah por Israel.

Pouco depois da aprovação da proposta apresentada nesta segunda-feira, Kirby afirmou que a abstenção na votação não sinalizava uma mudança na política de Washington. De acordo com o porta-voz, os EUA apoiam um cessar-fogo, e se absteve porque a resolução não condena o Hamas — a medida repudia “toda a violência e hostilidades contra civis, e todos os atos de terrorismo”, bem como ressalta que “a tomada de reféns é proibida pelo direito internacional”, mas não cita nominalmente o grupo terrorista.


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