Durante a transição de governo no fim de 2022, o então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva ouviu do senador Davi Alcolumbre (União-AP) uma previsão audaciosa: ele, Alcolumbre, seria mais necessário ao novo governo do que o contrário, pois retomaria o comando político do Congresso. Quase dois anos e meio depois, a previsão tornou-se realidade. Diante de uma ofensiva da oposição no Legislativo, o presidente do Senado passou a ser um dos principais articuladores do governo Lula, com influência crescente sobre ministérios, cargos estratégicos e decisões relevantes do Executivo.

A aliança entre Lula e Alcolumbre é classificada por aliados como uma relação de “colaboração com ganhos mútuos”. Para o presidente da República, o apoio do senador garante estabilidade em meio a um Congresso volátil. Já Alcolumbre amplia seu capital político ao indicar aliados para postos importantes da administração pública e fortalecer sua imagem como figura de prestígio no cenário nacional e internacional.

A atuação de Alcolumbre tem sido decisiva para neutralizar frentes que poderiam gerar desgaste ao governo. Na semana passada, antes de embarcar com Lula para a Rússia, o senador sinalizou à oposição que a instalação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para investigar fraudes no INSS não prosperaria naquele momento. A mensagem fez efeito: embora já tivesse o número necessário de assinaturas, a bancada do PL recuou da entrega do pedido.

Outro ponto de tensão que Alcolumbre ajudou a desarmar foi a articulação de uma proposta de anistia ampla aos envolvidos nos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023. A oposição, sob influência do ex-presidente Jair Bolsonaro, buscava transformar o projeto em um instrumento para beneficiar o próprio Bolsonaro e seus aliados mais próximos, o que incomodava tanto o Planalto quanto o Supremo Tribunal Federal (STF). Percebendo a resistência do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), em avançar com a proposta, Alcolumbre assumiu a liderança das negociações com o STF para construir uma alternativa: um projeto que reduza penas apenas dos executores dos atos golpistas, sem perdoar mentores e financiadores. O novo texto, ainda em formulação, deve ser apresentado pelo próprio presidente do Senado.

Esse protagonismo tem garantido ao senador uma crescente influência no núcleo de decisões do Executivo. Um exemplo foi a saída de Juscelino Filho do Ministério das Comunicações. Lula confiou a Alcolumbre a escolha do substituto. O primeiro nome sugerido, o deputado Pedro Lucas Fernandes (União-MA), recusou o convite, mas o senador manteve a prerrogativa e indicou Frederico de Siqueira, então presidente da Telebras.

Além da escolha para a Esplanada, Alcolumbre tem colocado aliados em postos-chave. Sua fatura ao governo inclui indicações para estatais como Banco do Brasil, Correios e a própria Telebras, além de manter familiares em cargos no Sebrae, na Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e na Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh).

A influência também se estende à área econômica e de segurança. O senador foi responsável por barrar a nomeação do delegado da Polícia Federal Ricardo Saadi para o comando do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão vinculado ao Banco Central responsável por monitorar operações financeiras suspeitas. A escolha já estava alinhada entre a Polícia Federal e o presidente do BC, Gabriel Galípolo, mas Alcolumbre contestou a presença de um policial federal à frente do órgão. O tema foi discutido diretamente entre ele e Lula, pouco antes da viagem à Rússia.

Outro ponto de atrito envolve o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD-MG). Alcolumbre exige a saída do ministro, que considera pouco receptivo às demandas de senadores. O Planalto, por sua vez, tenta reverter o desgaste com convites a agendas conjuntas e viagens internacionais, mas até agora a reconciliação não surtiu efeito. Em resposta ao impasse, Alcolumbre travou as sabatinas de indicados a agências reguladoras até que o governo atenda às indicações de parlamentares de seu grupo. Nem o presidente do Senado nem o ministro comentaram publicamente sobre o tema.

A atuação do senador também influencia debates estratégicos na área ambiental e de infraestrutura. Alcolumbre está entre os que pressionam o governo para liberar pesquisas de exploração de petróleo na Margem Equatorial, área ambientalmente sensível, mas vista por ele como crucial para o desenvolvimento do Amapá. Lula já demonstrou simpatia à causa e, em fevereiro, chegou a reclamar publicamente da demora do Ibama na concessão da licença, contrariando sua ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.

Outra frente de atuação de Alcolumbre envolve a BR-156, considerada a obra rodoviária mais antiga do país, iniciada ainda na década de 1930. O senador tem se mobilizado para destravar a pavimentação da rodovia, que liga o Amapá ao restante do país. Uma nova etapa da obra deve ser anunciada até o mês que vem, em consonância com os interesses políticos do senador.

A capacidade de articulação do presidente do Senado é reconhecida até por integrantes da base governista. O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), conterrâneo de Alcolumbre, afirma que Lula está impressionado com a desenvoltura e influência do aliado. “Não houve demanda dele que tenha sido demais até agora. É uma relação de mão dupla”, disse Randolfe.

Um episódio simbólico dessa sintonia ocorreu durante viagem presidencial ao Japão, em março. Lula se queixou da ausência de música no avião presidencial. Ao desembarcar, Alcolumbre comprou uma caixa de som portátil. No retorno, ele conectou seu celular e colocou para tocar músicas de arrocha — ritmo popular que mistura forró com seresta. Segundo relatos de assessores da comitiva, Lula caminhou pelo corredor da aeronave ao som das músicas, acordando os que dormiam. Alcolumbre o acompanhava logo atrás, cuidando para que a conexão Bluetooth entre o celular e a caixa de som não fosse perdida.

Esse estilo informal e bem-humorado agrada ao presidente. Diferentemente de Rodrigo Pacheco (PSD-MG), seu antecessor na presidência do Senado, conhecido pela postura mais sóbria e formal, Alcolumbre é considerado acessível e flexível — características que aproximam sua atuação da de Lula.

A relação próxima com o Planalto também tem servido para Alcolumbre eliminar obstáculos em seu caminho. Na eleição para a presidência do Senado, em fevereiro deste ano, ele consolidou o apoio do governo e removeu adversários. O mais notório foi o senador Otto Alencar (PSD-BA), que chegou a lançar candidatura, mas recuou após Alcolumbre endossar a indicação de um aliado para a diretoria da Agência Nacional do Petróleo (ANP).

“O Davi foi eleito com o apoio do governo. A relação sempre foi republicana e deve andar sempre calma. Ele assume compromissos e cumpre, e por isso, exige o mesmo”, declarou Otto, justificando sua desistência e reforçando a confiança no colega.

Com trajetória política iniciada como vereador em Macapá, Alcolumbre chegou à Câmara dos Deputados em 2003, primeiro ano do governo Lula. Durante anos, foi considerado parte do “baixo clero”, sem protagonismo no Congresso. Em 2014, surpreendeu ao vencer o candidato de José Sarney para o Senado no Amapá, encerrando décadas de domínio político da família Sarney no estado.

A habilidade de construir pontes com diferentes setores tem sido uma das marcas de sua ascensão. Um dos exemplos mais notórios é a aliança com o senador Renan Calheiros (MDB-AL). Mesmo tendo sido seu adversário na eleição pela presidência do Senado em 2019, Alcolumbre pressionou o então presidente Jair Bolsonaro a liberar verbas para Alagoas, base política da família Calheiros, o que estreitou sua relação com Renan. Essa movimentação foi fundamental para que o emedebista apoiasse o retorno de Alcolumbre à presidência do Senado em 2024.

Apesar da força nos bastidores, o senador enfrenta cobranças de opositores. O líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), critica a proximidade de Alcolumbre com o governo. Segundo Marinho, é necessário que o presidente do Congresso “separe as relações”:

“Desde que se elegeu, Davi é próximo do governo, inclusive com indicações de ministros. Só exigimos que ele saiba separar essa relação. Ele é presidente do Congresso”, afirmou o ex-ministro do Desenvolvimento Regional.

De fato, Alcolumbre foi responsável por importantes indicações ministeriais. Além de Frederico de Siqueira para o Ministério das Comunicações, também bancou a nomeação de Waldez Goés para a Integração e Desenvolvimento Regional. É ainda um dos principais nomes por trás da indicação de diretores de estatais e agências, como a Codevasf no Amapá.

A proximidade com o Executivo tem sido útil, mas também aumenta o escrutínio sobre sua atuação. A oposição quer ver pautada, com urgência, a proposta de anistia aos envolvidos no 8 de janeiro — medida que Alcolumbre insiste em moldar com apoio do Supremo. Enquanto isso, ele continua ampliando seu raio de ação dentro do governo, tornando-se um dos principais fiadores da governabilidade de Lula no Congresso.

 

 

Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

 


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