Marco Aurelio Carone
O Golpe militar beneficiou os empresários de ônibus de Belo Horizonte, e posteriormente da RMBH, viabilizando seus interesses, sem que a população tivesse qualquer instrumento para defender-se. Dentro da nova realidade política os prefeitos das capitais eram indicados pelo regime militar e não eleitos pelo voto popular.
“Em janeiro de 1970, a prefeitura iniciou a transferência de suas linhas de trólebus e ônibus para serem exploradas pelos concessionários, inclusive os 15 veículos da Mercedes-Benz, adquiridos em 1967”.
“Em novembro de 1976, foi assinado um convênio, de 80 milhões de cruzeiros, (quando dólar tinha praticamente o mesmo valor do cruzeiro), entre a EBTU, BNDES, BDMG, e a Prefeitura de Belo Horizonte, para através do então Sindicato das Empresas de Transporte de Transportes de Passageiros (Setransp), hoje Setra-BH fosse renovada a frota de ônibus. Os pagamentos de ambas operações jamais foram pagas pelos empresários, e sim pelas tarifas cobradas dos usuários”.
Acesse: Convenio Resolução nº 487 de abril de 1982
Linha do Tempo
Década de 1960 após o Golpe militar
A cumplicidade do Poder Público
Em fevereiro de 1965, o DMTC (Departamento Municipal de Transporte Coletivo). foi alvo de sindicância por parte de comissão nomeada pela prefeitura, tendo como objetivo apurar;
– Carros paralisados por falta de peças,
– A pressão dos concessionários de ônibus pelo aumento das tarifas,
-A insatisfação da população,
-As denúncias de corrupção e prevaricação de agentes públicos,
– O serviço de qualidade questionável prestado pelas empresas de ônibus.
Alegando ter sido a comissão impedida de realizar a investigação, o prefeito nomeou um interventor para o Departamento que constatou:
“- o déficit acumulado pela prefeitura, os carros paralisados por falta de peças, a pressão dos concessionários de ônibus pelo aumento das tarifas, a insatisfação da população, as denúncias de corrupção e prevaricação de agentes públicos, o serviço de qualidade questionável prestado pelas empresas de ônibus”.
Por este motivo:
“- o interventor anunciou uma série de mudanças, sobretudo no que diz respeito à fiscalização dos concessionários de transporte por ônibus, entre elas o aumento da fiscalização, o aumento dos veículos nas linhas com poucos carros, a exigência da saída dos veículos do ponto final com um máximo de seis passageiros em pé, proibição dos veículos estacionarem no ponto final e trajeto circular, criação do livro de Reclamações e Denúncias para registro de irregularidades das empresas e de seus funcionários”.
Nenhuma das mudanças foram implementadas.
A população tentava reagir contra a péssima situação dos transportes, a exemplo do ocorrido em fevereiro de 1965, quando dois episódios poderiam ter consequências graves se não fosse a intervenção da polícia.
1 – No bairro São Bernardo devido atraso nos horários dos ônibus,
2 – Na linha Barreiro onde a empresa havia monopolizado os transportes na região, ao adquirir as diversas linhas de lotações que ali operavam, aumentou os preços das passagens e os itinerários
A lei número 1.745, de 03 de dezembro de 1969, transformou o DMTC em SMT (Superintendência Municipal de Transporte).
“Em janeiro do ano seguinte, a prefeitura iniciou a transferência de suas linhas de trólebus e ônibus para particulares”.
Com exceção da linha Dom Cabral, adquirida por um grupo de Uberaba, todas as demais foram transferidas para empresas concessionárias de Belo Horizonte.
A opção do poder público ao se tornar concedente e fiscalizador do sistema de transporte coletivo urbano não evitou os problemas.
“A prefeitura abriu o mercado de transporte coletivo urbano à iniciativa privada e restringiu a atuação da municipalidade a fiscalização”.
Década de 1970
No governo de Israel Pinheiro foi formado um grupo de estudos na Fundação João Pinheiro para tratar da caracterização e definição da RMBH. Neste ano também foi realizada a primeira pesquisa de Origem e Destino.
O primeiro plano estadual para a constituição do “Plano preliminar de desenvolvimento integrado da Região Metropolitana de Belo Horizonte”, instituiu o Plambel.
“Solenidade de assinatura do Convênio Metropolitano em 30 de junho de 1971, no Palácio dos Despachos, entre o Estado de Minas Gerais os Municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte, o governador de Minas, Rondon Pacheco, o prefeito de Belo Horizonte, Oswaldo Pieruccetti e prefeitos da Região Metropolitana de Belo Horizonte”
Em oito de junho de 1973, por força da lei complementar nº 14, foram criadas as primeiras oito regiões metropolitanas brasileiras, incluindo a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Tal ação apontava para a sincronia do planejamento de trânsito e transportes, a partir da área das metrópoles brasileiras, em diversos níveis de organização estatal.
“Quando da sua criação. Em 1973, a Região Metropolitana de Belo Horizonte contava, com 14 municípios: Belo Horizonte, Betim, Caeté, Contagem, Ibirité, Lagoa Santa, Nova Lima, Pedro Leopoldo, Raposos, Ribeirão das Neves, Rio Acima, Sabará, Santa Luzia e Vespasiano. Abrangia uma área de 3.757 Km² e abrigava uma população de 1.628.859 habitantes, segundo estimativa do IBGE”.
No final do ano de 1973, um documento elaborado pelo GEIPOT – Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes, criado em 1965, serviu de base para a inclusão do transporte urbano no Plano Nacional de Viação (PNV), aprovado em 1973. Em seu conteúdo havia a proposta da criação de um órgão específico para a gestão dos transportes urbanos, o que viria a ser, dois anos depois, em 1975, a Empresa Brasileira de Transportes Urbanos (EBTU).
Embora pouco divulgado, a Região Metropolitana de Belo Horizonte na época era servida por três ramais dos denominados “trens de subúrbios” que ligavam o centro da capital ao Barreiro, Betim e Rio Acima. Em 1975 foi feito um estudo para tornar as composições mais confortáveis e velozes com a utilização de energia, a exemplo do metrô.
Estação de Betim
Estação do Barreiro
Estação de Rio Acima
Passagem para Rio Acima
Porém, em função da intervenção direta dos concessionários do transporte de passageiros, junto aos governantes do regime militar, estes ramais foram sucessivamente desativados.
Em 1975, o Plambel, grupo técnico da Fundação João Pinheiro, ligado ao Conselho Estadual de Desenvolvimento e à Agência Central de Planejamento Metropolitano, passou a se chamar Superintendência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte.
“Essa Superintendência foi criada para atender aos dispositivos da lei de criação das primeiras regiões metropolitanas brasileiras de 1973”.
Esses técnicos definiram as principais linhas de atuação para o desenvolvimento da RMBH no Plano de Desenvolvimento Integrado Econômico e Social (PDIES). No interior do PDIES, haviam três níveis diferentes de atuação que, por conseguinte, resultaram em três planos distintos. Haviam o “Esquema Metropolitano de Estruturas (EME), plano para atuação na região metropolitana; o Plano de Ocupação do Solo (POS), para a aglomeração metropolitana; e o Plano para Área Central (Pace), que tratava do centro de Belo Horizonte”.
Acesse: Plano para Área Central (Pace)
O PDIES estabeleceu diretrizes para a organização e execução de políticas públicas estruturais de transportes, de médio e longo prazos, na RMBH. Para tanto, entre os anos de 1974 e 1975, a Plambel elaborou o Modelo Metropolitano de Transporte Integrado (Monti), levando em consideração aspectos intermodais de transportes e a hierarquia viária. Ainda dentro do escopo proposto pelo Monti, foi concebido um modelo de empresa capaz de gerir todo o sistema de transporte da RMBH.
Em 28 de junho de 1978, pela Lei estadual nº 7.275, foi autorizada a instituição a Companhia de Transportes Urbanos da Região Metropolitana de Belo Horizonte (MetrobeI), com a finalidade de implantar e operar o serviço de transporte e o sistema viário de interesse comum dos municípios da Grande BH.
Autorizada a constituir-se em 1978, no final do governo Aureliano Chaves, a Metrobel só foi realmente implantada no governo Francelino Pereira, porque os diversos órgãos do Estado, responsáveis, em parte, pelo funcionamento do transporte na Região Metropolitana (Batalhão de Trânsito, DER e especialmente o Detran) apresentaram forte resistência à proposta, que restringia suas áreas de atuação.
Década de 1980
A Metrobel – 1980 a 1987
Foi enorme a reação contrária dos empresários do transporte coletivo às mudanças realizadas com a criação da Metrobel. A transformação das empresas, de concessionárias em permissionárias, gerou uma perda de autonomia, na medida em que a Metrobel centralizou o gerenciamento de todo o transporte coletivo da região metropolitana.
“Os empresários não queriam perder o poder que antes detinham de especificar o serviço a ser prestado”.
A Metrobel assumiu a gerência do transporte público e do tráfego, a administração dos estacionamentos e do terminal rodoviário. Implantando, nos dois primeiros anos de funcionamento, projetos como o Pace e o Probus, que mudariam a própria estrutura do sistema de transporte e de tráfego na região.
“A instauração da companhia não fugiu, no entanto, aos padrões centralizadores do período em que foi constituída……. a Metrobel foi claramente submetida ao controle do governo estadual”.
A população questionou o caráter autoritário da empresa por não ter suas reivindicações incluídas nas políticas públicas implementadas pela Metrobel.
Na época a inexistência de um sistema tarifário único levava a enormes distorções entre as empresas, terminando por se refletir no nível do serviço.
“….. constatou-se, num mesmo corredor de circulação, diferenças tarifárias de até 200% entre linhas concorrentes que possuíam um trajeto diferente em cerca de 2 km somente”.
“…….não havia critérios claros de definição da tarifa, sendo esta discutida para cada linha pela Superintendência Municipal de Transportes (SMT) em contato direto com cada empresário. O lobby empresarial sobre a SMT era muito forte”.
Definiu-se que, para a operação da nova estrutura proposta, seriam necessários somente 2.740 veículos coletivos em lugar dos 3.473 que na época compunham a frota da região metropolitana e ainda que o preço da passagem a ser cobrado nas novas linhas, que fossem fusão de duas anteriores receberiam do passageiro, em princípio, o correspondente ao valor anterior mais baixo.
Por outro lado, dever-se-ia padronizar, o mais possível, os preços para os mesmos tipos de linhas, de modo a evitar as distorções antes existentes.
As linhas de menores percursos e maior demanda que, em sua maioria, serviriam aos bairros nobres e área central, teriam seus preços relativos mais altos para compensar o déficit decorrente dos valores mais baixos das passagens da periferia. Para que esta proposta fosse viável concebeu-se e, posteriormente, implantou-se a Câmara de Compensação Tarifária (CCT).
Implantou-se o Probus com novos padrões operacionais para o transporte coletivo da região metropolitana de Belo Horizonte. O Programa definiu uma nova rede de itinerários à época, criou as linhas “bairro a bairro”, redimensionou as frotas de ônibus das empresas, criou novos quadros de horários, executou uma revisão nas planilhas tarifárias e implementou um parâmetro visual para facilitar a identificação dos ônibus e de seus itinerários por parte dos usuários.
“…….à comunidade técnica mineira, na época, costumava dizer que o Probus tinha gerado a maior intervenção física realizada, em um único dia, no sistema de transporte público de uma cidade de grande porte do mundo ocidental”.
“…….à redução, do número de transbordos na área central de Belo Horizonte foi da ordem de 300 mil passageiros por dia, que passaram a ser atendidos pelas linhas ‘bairro a bairro’.
“……deslocamento médio a pé realizado pelos passageiros que continuaram utilizando duas linhas de ônibus para cumprir suas viagens, fazendo transbordo no centro, foi reduzido de 800 para 300 metros, devido à estrutura de ‘laços de recobrimento’ então implantada”
Ronaldo Guimarães Gouvêa
Os malefícios
Toda expectativa depositada na criação da Metrobel não se concretizou, pois, ao utilizar o Método EBTU/GEIPOT, para o cálculo tarifário, permitiu que as empresas inflassem seus custos.
“Se o valor recebido é diretamente proporcional ao custo acordado através da planilha, quanto maiores forem os itens de custo, maiores serão as parcelas da empresa na repartição da receita.”
Fazendo surgir os atuais monopólio e oligopólio, que comandam até hoje o transporte de passageiros na capital e na RMBH. Assunto que será objeto de outra matéria.
O retorno dos trólebus
Em 1984, assim como ocorrera em 1963, a Metrobel iniciou a implantação do sistema de trólebus entre o centro da capital e Venda Nova. Esta iniciativa significaria além da melhoria no deslocamento dos passageiros em Belo Horizonte, a independência definitiva em relação aos concessionários das empresas de ônibus.
Em fevereiro de 1986, 55 trólebus foram adquiridos por 81 milhões de cruzados por um consórcio formado pelas empresas Tectronic-Avibras e Marcopolo. Com financiamento do Banco Mundial o primeiro trólebus tinha previsão de ser testado em janeiro de 1987.
Do lote de 55, apenas 42 trólebus foram entregues, junto com as subestações, postes e parte da rede elétrica instaladas, ao longo da avenida Cristiano Machado, mas o projeto foi abandonado pelo governo.
Segundo noticiado pela imprensa na época; o deputado Hélio Costa iria denunciar, perante o Banco Mundial, que os recursos para conclusão do projeto tinham sido desviados e gastos na campanha do candidato a governador Newton Cardoso.
Após seis anos armazenados, os trólebus foram vendidos para a cidade de Rosário na Argentina (1993) e para o sistema de trólebus de São Paulo (1996). O lote de 22 veículos rodou pela Eletrobus em linhas da capital paulista, na época em que a empresa estava renovando sua frota. Depois foram repassados para a Metra, no corredor São Mateus – Jabaquara, onde rodam até hoje.
O paradoxo
Na campanha de 1986 de Newton Cardoso ao governo do estado sua principal proposta:
“resolver o problema representado pelo “péssimo serviço” de transporte metropolitano prestado pela Metrobel”.
Notas da redação:
– O Novojornal publicará uma série de seis matérias sobre o sistema de transporte de passageiros em Belo Horizonte e RMBH.
A primeira matéria da série foi: Belo Horizonte, cidade refém do grupo que comanda o transporte de passageiros há 70 anos.
– Esta matéria teve como fonte o Livro OMINIBUS da Fundação João Pinheiro, a Dissertação apresentada ao Centro de Pós-Graduação e Pesquisas em Administração da Universidade Federal de Minas Gerais por Francisco Amorim Gontijo Foureaux, A gestão do transporte na Região Metropolitana de Belo Horizonte, por Sérgio de Azevedo, Virgínia Rennó dos Mares Guia. Da Inclusão à Exclusão Social: A trajetória dos trens de subúrbio da Região Metropolitana de Belo Horizonte (1976 – 1996). Mestrado em Ciências Sociais – Gestão de Cidades- PUC-MG, por Helena Guimaraes Campos. Política de Transporte na Região Metropolitana de Belo Horizonte: O papel da Metrobel, por Sérgio de Azevedo, Monica Mata Machado de Castro. A questão metropolitana no Brasil, por Ronaldo Guimarães Gouvêa, Biblioteca Fundação João Pinheiro.
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