Alex M. S. Aguiar

Em meio às inúmeras mudanças nas estruturas, programas e atuação de estados e da União – todas elas promovidas no sentido de se implantar as visões privatista e de estado mínimo coerentes com a ideologia de nossos governantes atuais – encontramos um quadro que impacta um dos serviços públicos mais importantes para assegurar a dignidade, o bem-estar, a saúde e a própria sobrevivência das pessoas: o saneamento básico.

Em 2020, após aprovação no Congresso, Bolsonaro promulgou a Lei 14.026 que praticamente impõe a privatização dos serviços de saneamento básico no país, abrangendo os quatro eixos dessa matéria: o abastecimento de água, o esgotamento sanitário, o manejo e a disposição dos resíduos sólidos, e a drenagem urbana. Isso foi feito com pouca ou nenhuma discussão com a sociedade –prática comum àqueles pouco afeitos à democracia – e resultando em decisões meramente conceituais, atendendo ao objetivo específico de assegurar o mercado da prestação dos serviços de saneamento aos empreendedores privados. Assim, nos vemos hoje em um cenário de absoluta escuridão, com regras não regulamentadas e regulamentações sendo produzidas sem conhecimento prévio da diversificada especificidade dos diferentes cenários do saneamento no país.Tudo isso gera um cenário de risco a todos: aos contratos vigentes, aos prestadores em atuação, aos investidores e, principalmente, aos usuários que pagam por estes serviços. Na corrida para que a iniciativa privada assuma os serviços, vão sendo criados instrumentos legais que a cada dia restringem a possibilidade da continuação da atuação das empresas públicas e daquelas de caráter público, como a Copasa.

A essencialidade dos serviços de saneamento à saúde e à sobrevivência humana desabona sua concessão à iniciativa privada. Em geral, no Brasil as concessões dos serviços de saneamento são integrais, ou seja, há a transferência pelo concedente ao concessionário de todo o conjunto de atividades necessárias para a prestação dos serviços, abrangendo os investimentos e os custos de operação e manutenção. Hoje, mediante a imposição da privatização, temos governos estaduais afoitos por se livrarem de suas estatais de saneamento para botarem a mão nos recursos oriundos do pagamento de outorgas pelo direito de explorar esses serviços. Já dissemos aqui, e repetimos: esses recursos não são gratuitos. Serão pagos e devidamente remunerados por meio das tarifas cobradas da população por esses serviços. Isso tem funcionado – e muito devido a falta de regulamentação adequada – como a captação de um empréstimo pelos estados, mas cujo pagamento não será feito pelos estados, e sim pela população, que nada tem a ver com isso, exceto a responsabilidade de ter votado naqueles que construíram essa bagunça.

Em Minas Gerais, temos a presença da Copasa em três de cada quatro municípios do estado, e hoje convivemos com, talvez, o período da pior atuação daquela empresa. Tendo iniciado sua gestão sob o governo de Zema praticando uma distribuição de dividendos sem precedentes em sua história (apenas no ano de 2020, a Copasa de Zema distribuiu mais dividendos do que nos quatro anos do governo de Pimentel), e com isso abrindo mão de investimentos essenciais para melhorar e expandir seus serviços à população do estado, agora vê-se em situação peculiar: o contingenciamento de recursos para arcar com custos de uma sentença judicial trabalhista represando o lucro da empresa. Com isso, reduziu-se a distribuição dos dividendos, caiu o valor das ações da empresa, e pairam na mídia especulações sobre a queda do presidente da empresa ante a insatisfação de Zema pelo impacto no valor da Companhia que quer tanto vender.

Aproximam-se as eleições, que esse ano se darão em um cenário bastante peculiar, e que independe da visão ideológica das pessoas para o reconhecimento de um fato: o país piorou, e muito, após os termos presidenciais de Temer e Bolsonaro. As pessoas empobreceram, o prato de milhões de pessoas esvaziou, e os preços escalaram como há tempos não se via. Notícia de ontem, 07 de abril, aponta uma inflação de março medida pelo IPCA de 1,62%, a maior desde 1994 – e lá se vão 28 anos!!As privatizações ocorridas, as reformas trabalhista e previdenciária em nada se aproximaram das melhoras prometidas, pelo contrário, apertaram ainda mais o cinto na magra cintura dos brasileiros – que o digam os milhões que a contragosto engrossaram as fileiras dos brasileiros em situação de insegurança alimentar, ou mesmo aqueles que se arriscam ao susto cotidiano de abastecerem o tanque de seus carros.

Se as eleições podem trazer a esperança de mudanças para melhor, as desse ano de 2022 serão significativas nesse âmbito: o risco da continuidade de nossos governos atuais – União e estado – e dos retrocessos que promoveram alcançarem áreas tão essenciais como a do saneamento básico, deixando que o discurso falacioso de universalização dos serviços encubra a ambição financeira que está por trásdesse processo de mudança que vivenciamos desde 2020.

Hoje, a garantia de realização do direito humano de acesso à água e ao saneamento depende, mais que nunca, da escolha de cada brasileiro na urna eleitoral.