Por Mauro Ferreira

Título: Claudette canta Chico

Artista: Claudette Soares

Edição: Kuarup

Primeiro tributo fonográfico aos 80 anos que Chico Buarque festejará em 19 de junho, o álbum em que Claudette Soares canta dez músicas do compositor carioca sai na sexta-feira 15 de março, e deve ser analisado sob o prisma do afeto.

Trata-se de homenagem afetiva dessa cantora carioca de 88 anos que, há sete décadas, debutou no mercado fonográfico com single de 78 rotações editado em 1954 e que, há 60 anos, lançou o primeiro álbum solo, Claudette é dona da bossa (1964).

Gravado sob direção artística do produtor Thiago Marques Luiz, o álbum Claudette canta Chico abre com o já conhecido dueto da cantora com o compositor na gravação de Cadê você (Leila XIV) (João Donato e Chico Buarque, 1987), faixa produzida por Marques Luiz com Renato Vieira.

Gravado em agosto e apresentado em single editado em setembro de 2023, o dueto teve o potencial brilho ofuscado pelo canto opaco dos intérpretes no fonograma emoldurado pelas cordas do quarteto formado por Igor Borges (viola), Letícia Andrade (violino), Ricardo Proiete (violino) e Thiago Faria (violoncelo). Há faixas melhores no disco.

Das dez faixas do álbum Claudette canta Chico, sete são de fato inéditas. São as músicas gravadas pela cantora em dezembro com piano, arranjos e direção musical de Alexandre Vianna, além do contrabaixo de João Benjamin e Vicente Pizzutiello.

Dessas sete músicas, a menos conhecida é Realejo (1967), valsa embebida na melancolia entranhada no cancioneiro de Chico Buarque na década de 1960.

Composição gravada em 1967 por Chico, Claudette e Hebe Camargo (1929 – 2012), Realejo já tinha sido revivida pela cantora em 2001 em álbum gravado com o pianista Leandro Braga. Nesse disco de Claudette com Braga, Realejo aparecia em medley com Carolina (1967) e a modinha Até pensei (1968), duas músicas igualmente tristonhas, ambas também abordadas por Claudette no atual álbum.

Já o samba Bom tempo (1968) – apresentado pela cantora na Bienal do samba (1968) – evoca a pulsação do samba-jazz, veículo para o disco oferecer lampejos da bossa áurea de Claudete Soares.

Novidade – na discografia da cantora – é Com açúcar, com afeto, canção de 1967, amplificada por Nara Leão (1942 – 1989) e hoje rejeitada pelo próprio compositor por retratar com precisão (e ponta de ironia nem sempre percebida) uma já intolerável submissão feminina ao comportamento machista do marido. A gravação de Claudette enquadra Com açúcar, com afeto na moldura clássica do samba-canção.

Fora do universo de Chico na década de 1960, a cantora mergulha pela primeira vez no lirismo da canção Todo o sentimento (Cristovão Bastos e Chico Buarque, 1987) em gravação que evidencia o toque virtuoso do piano de Alexandre Vianna. Também inédita na voz de Claudette Soares, Futuros amantes (1993) flui no tempo de delicadeza outonal da cantora.

Completam o álbum Claudette canta Chico as já lançadas gravações de Tatuagem (Chico Buarque e Ruy Guerra, 1973) e As caravanas (2017) – faixa produzida por Ayrton Montarroyos para o EP Gil, Chico e Velloso por Claudette Soares – Alguns anos depois (2022).

Enfim, Claudette Soares canta Chico Buarque com afeto. O mesmo afeto com que se deve ouvir o álbum enquanto se espera pelo disco com repertório inédito alinhavado por Marcus Preto para essa cantora revelada como a Princesinha do baião na década de 1950, mas aplaudida com mais entusiasmo nos anos 1960 quando era uma das donas da bossa.


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