Alex M. S. Aguiar

Uma das observações que têm sido exaustivamente argumentada acerca do projeto de entrega dos serviços públicos de saneamento do governo de Bolsonaro, projeto esse abraçado por Zema desde sua primeira campanha ao governo de Minas Gerais, é a possível escalada das tarifas e a consequente exclusão do acesso aos serviços das pessoas com pouca capacidade de pagamento.

A exploração midiática das bilionárias outorgas pagas nos leilões de Alagoas e do Rio de Janeiro despertaram, sem dúvidas, a cobiça de prefeitos em lançar mão de recursos tão vultosos. Entretanto, e também isso tem sido repetido à exaustão, esse dinheiro não é gratuito: será recuperado pelas empresas através das tarifas cobradas pelos serviços. Ou seja: quem paga a conta é a população.

Em Minas Gerais seis municípios concederam seus serviços de abastecimento de água e de esgotos sanitários a empresas privadas. São eles: Araújos, Bom Sucesso, Ouro Preto, Pará de Minas, Paraguaçu, e Santo Antônio do Amparo. Pará de Minas e Santo Antônio do Amparo eram atendidas pela Copasa e em 2015 e 2019, respectivamente, optaram por licitar os serviços, então assumidos por empresas privadas.

Em Pará de Minas, a licitação dos serviços de abastecimento de água e de esgotos sanitários ocorreu em 2015, tendo como vencedora a empresa Águas de Pará de Minas, do Grupo Águas do Brasil. A licitação foi vencida com a oferta de um desconto de 3% na tarifa então praticada pela Copasa . A comparação dos valores atualmente praticados pela concessionária na cidade com os cobrados pela Copasa mostra que essa condição de desconto ofertada na licitação já é inexistente. Apenas sete anos passados da licitação, as tarifas praticadas na cidade já superam bastante as da Copasa.

Uma vez que a Copasa não pratica mais a diferenciação entre as tarifas para os serviços de coleta e de tratamento dos esgotos, a comparação com as tarifas cobradas pela concessionária em Pará de Minas foi feita considerando aqueles usuários que desfrutam da coleta e do tratamento dos seus esgotos. Foram consideradas três situações:

 Famílias com baixo consumo: considerado famílias com 3 (três), 4 (quatro) e 5 (cinco) pessoas com consumo per capita de 120 L/pessoa/dia;
 Famílias com consumo regular: considerado famílias com 3 (três), 4 (quatro) e 5 (cinco) pessoas com consumo per capita de 150 L/pessoa/dia; e
 Famílias com alto consumo: considerado famílias com 3 (três), 4 (quatro) e 5 (cinco) pessoas com consumo per capita de 175 L/pessoa/dia.

Os valores das contas para pagamento consideraram as categorias Residencial e Residencial Social, essa com direito ao usufruto da tarifa social.

Tabela 1: Comparativo dos Valores Cobrados (R$) pelos serviços de Água e Esgotos
Nº de PessoasPer Capita (L/pessoa.dia)Volume Mensal (m³)Valores, em R$
Águas de Pará de Minas(1)Copasa(2)
SocialResidencialSocialResidencial
31201168,2695,3443,8890,78
15014110,22141,9559,59122,22
17516139,78173,0671,98147,01
412014110,22141,9559,59122,22
15018170,92204,2186,29175,62
17521217,72251,00118,79222,42
512018170,92204,2186,29175,62
15023249,01282,30155,19258,82
17526295,96329,24209,78313,41
(1) Disponível em https://www.grupoaguasdobrasil.com.br/aguas-parademinas/agencia-virtual/estrutura-tarifaria/
(2) Disponível em https://view.officeapps.live.com/op/view.aspx?src=http%3A%2F%2Fwww.arsae.mg.gov.br%2Fwp-content%2Fuploads%2F2021%2F06%2FSimuladorFaturasCopasa2021.xlsm&wdOrigin=BROWSELINK

Observa-se que em todas as situações os valores cobrados pela concessionária em Pará de Minas superam os valores que seriam cobrados caso a prestação dos serviços fosse realizada pela Copasa. Para as famílias com 3 (três) pessoas na categoria Residencial, as contas se mostram entre 5% e 18% mais caras do que as cobradas pela Copasa, enquanto na categoria Residencial Social os valores se encontram entre 56% e 94% mais caros do que os cobrados pela Copasa.

As mesmas condições são observadas para as famílias com 4 (quatro) e 5 (cinco) pessoas. Para a categoria Residencial as contas se mostram de 13% a 16% e de 5% a 16%, respectivamente, mais caras do que as da Copasa, e para a categoria Residencial Social se mostram de 83% a 98% e de 41% a 98%, respectivamente, mais caras do que as da Copasa.

Além de pagar mais caro, Pará de Minas passou a ter maior dificuldade em ter garantido o acesso aos serviços daquela parcela de sua população em vulnerabilidade financeira, uma vez que os valores cobrados passaram a ser quase o dobro do que seriam tendo a Copasa como prestadora dos serviços.

Vale ressaltar que, de acordo com os dados do CECAD – Consulta, Seleção e Extração de Informações do CadÚnico– a população em vulnerabilidade financeira em Pará de Minas chega a 20.066 habitantes, o que corresponde a 21% dos mais de 95 mil moradores da cidade. Essa população em vulnerabilidade financeira se distribui nas categorias de Extrema Pobreza (renda per capita mensal de até R$105); Pobreza (renda per capita mensal de R$105 até R$210); e Baixa Renda (renda per capita mensal de R$210 até R$606). Para as situações de consumo estudadas (famílias de 3,4 e 5 pessoas e consumos per capita de 120, 150 e 175 L/pessoa.dia), as contas para os usuários beneficiários das tarifas sociais cobradas em Pará de Minas representam os seguintes comprometimentos da renda mensal das famílias:

Tabela 2: Comprometimento da Renda Mensal Familiar dos Beneficiários da Tarifa Social
Nº de PessoasPer Capita (L/pessoa.dia)Volume Mensal (m³)Valores Cobrados (R$)Comprometimento da Renda Mensal
Extrema PobrezaPobrezaBaixa Renda
31201168,2621,7%10,8%3,8%
15014110,2235,0%17,5%6,1%
17516139,7844,4%22,2%7,7%
412014110,2226,2%13,1%4,5%
15018170,9240,7%20,3%7,1%
17521217,7251,8%25,9%9,0%
512018170,9232,6%16,3%5,6%
15023249,0147,4%23,7%8,2%
17526295,9656,4%28,2%9,8%

Os valores da Tabela 2 indicam que para as famílias em Extrema Pobreza os descontos ofertados para as tarifas sociais implicam em um comprometimento entre 21,7% e 56,4% da renda familiar. Para as famílias em situação de Pobreza e de Baixa Renda os comprometimentos da renda familiar se encontram de 10,8% a 28,2% e de 3,8% a 9,8%, respectivamente.

Vale aqui observar que os percentuais de comprometimento da renda em todas as situações estão muito acima da referência de 3% adotada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), órgão da Organização das Nações Unidas (ONU) que objetiva promover o desenvolvimento e eliminar a pobreza no mundo. É inaceitável, portanto, que uma família em situação de Extrema Pobreza precise comprometer até mais de 50% de sua renda para garantir seu acesso a serviços essenciais como o abastecimento de água e o esgotamento sanitário.

Verifica-se pelo exposto que a condição de descontos sobre a tarifa da Copasa ofertada na ocasião da licitação dos serviços, em 2015, hoje não mais existe em Pará de Minas. A população paga hoje significativamente mais do que pagaria tendo a Copasa como prestadora dos serviços. Mais grave, os descontos da tarifa social ofertados são absolutamente insuficientes para garantir ou para promover o acesso das famílias em vulnerabilidade financeira aos serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário.

A progressividade das tarifas praticadas em Pará de Minas dá mostra dos riscos envolvidos com a privatização de serviços essenciais à população, e de como esses riscos impactam de forma maisaguda as pessoas em situação de vulnerabilidade financeira. E, além disso, deixa evidente o quanto a Lei 14.026 de 2020 privilegiou os propósitos de ganhos financeiros de grupos privados em detrimento da universalização dos serviços de saneamento no país. Fica o alerta a todos, mas em especial a prefeitos, vereadores e demais responsáveis pela decisão de entregar os serviços de saneamento às prestadoras privadas: o risco de aumento das contas e de exclusão das pessoas do acesso aos serviços é real, apenas tem sido omitido em todo o processo de indução à privatização de Bolsonaro e Zema.


5 Comentários

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    CAIO HENRIQUE DE SOUZA BRITO, junho 9, 2022 13:30 @ 13:30

    Eu gostaria de sabe como ficou a questão da qualidade da água e do fornecimento.

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    John, junho 11, 2022 10:50 @ 10:50

    Na nossa cidade passamos por muitos problemas com a copasa é um descaso total. Uma cidade pequena onde bairros acabam ficando até uma semana sem abastecimento. É uma verdadeira loteria você nunca sabe se tem água ou não. Uma vez vi relatório sobre as instalações da copasa na cidade e eu realmente gostaria de desver aquilo.

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    WALLISON LEANDRO VENTURATO, junho 11, 2022 15:13 @ 15:13

    O redator ficou tão preocupado em informar, com parcialidade, seu ponto de vista e, até de fato as comprovações em comparação a Copasa, que esqueceu de mencionar quanto o serviço prestado pela atual empresa prestadora de serviço.
    Já que é para criticar, faça com imparcialidade e informe com amplitude.

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    C.Renato, junho 11, 2022 21:43 @ 21:43

    Vi também sobre a BRK Ambiental que se não for a maior e uma das.maiores concessionárias de água e esgoto que atua no Brasil na qual o prefeito de Maceió ameaçou romper a concessão por não cumprir o que estava no contrato além de deixar bairros por mais de 90 dias recebendo água em caminhões pipas. Isso e algo relativo empresa privada sempre será mais cara , e será cobrado tarifa de qualquer tipo de serviço, sem falar que visam sempre o lucro em primeiro lugar , e empresas públicas deixam a desejar por causa do desejo de políticos em sucatear para ter motivo em privatizar .

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    Fábio Bianchetti, junho 23, 2022 20:01 @ 20:01

    Mais um ótimo artigo, Alex! Parabéns! Se propôs a analisar o “preço” da privatização para a população (como explícito no próprio título, pena que nem todos entenderam tão clara intenção) e o fez de forma magistral, não apenas com argumentos, mas também com números. E de quebra, inclusive, colocando luz sobre o estelionato que fizeram com a população ao prometer na entrada um desconto que, não só já não existe mais, como já foi recuperado há tempos com o ágio que está sendo praticado agora. Obrigado por sua atuação!

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