Angela Carrato – jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG

“Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil como ela mesma”. A frase, dita pelo célebre jornalista e editor estadunidense Joseph Pulitzer, há mais de 100 anos, serve como uma luva para a mídia corporativa brasileira dos diais atuais.

Pulitzer (1847-1911) nasceu na Hungria e emigrou ainda jovem para os Estados Unidos. Fez uma rápida e bem sucedida carreira em jornais, se tornando, ele próprio um dos principais donos de publicações de sua época.

Diferentemente da maioria de seus contemporâneos empresários, ele se pautava pela ética e pelo compromisso com os fatos. Não por acaso, dá nome ao principal prêmio de jornalismo nos Estados Unidos, criado em 1917. Desde então, o prêmio Pulitzer, administrado pela Universidade de Columbia, agracia pessoas que realizam trabalhos de excelência na área do jornalismo e da literatura.

Além do compromisso com a ética, Pulitzer foi um inovador, introduzindo em seus jornais coberturas que inexistiam entre os concorrentes, a exemplo de assuntos envolvendo a situação da classe operária diante da prepotência dos magnatas monopolistas e seções de lazer e divertimento, com tirinhas e cartoons.

No Brasil, onde o viralatismo grassa, o nome de Pulitzer e seu trabalho são cuidadosamente omitidos pela mídia corporativa. Até porque Pulitzer é o oposto de tudo o que ela fez e continua fazendo.

Nos últimos dias, a mídia corporativa brasileira voltou a dar exemplos gritantes de seu cinismo e mercenarismo. Um dos alvos foi a Petrobras, maior empresa estatal brasileira, que o governo Bolsonaro tentou destruir, com mentiras e o silêncio cúmplice e criminoso desta mesma mídia.

As manchetes dos jornais O Globo, Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo deste sábado (9/3) são praticamente as mesmas, dando conta de perdas bilionárias da Petrobras. De todas as manchetes, a mais canalha é, sem dúvida, a da publicação da família Marinho: “Ações caem, e Petrobras perde R$55 bi em valor de mercado”. O noticiário das TVs, rádios e principais portais de notícias da internet seguiu a mesma linha.

Diante desse bombardeio de desinformação, o cidadão comum, aquele que só lê as manchetes e entende quase nada de economia, com razão ficou preocupado. Sem outras explicações, facilmente pode ter chegado à conclusão errada, de que se a maior empresa estatal brasileira vai mal, o país também vai mal e a culpa é do governo Lula.

Mesmo sendo uma mentira deslavada que a Petrobras vai mal, que o Brasil vai mal e que a culpa é do governo, a mídia corporativa brasileira pretende exatamente isso. Ela não tem medido esforços para tentar implantar o caos e inviabilizar o sucesso do terceiro governo Lula.

Os expedientes utilizados não são novos, mas lamentavelmente funcionaram no passado recente e podem funcionar outra vez se não forem devidamente desmascarados e combatidos. Mostrar como esta mídia mente sobre a Petrobras e como essas mentiras podem formar um público tão vil quanto ela própria é o eu pretendo fazer.

Ao contrário do que diz a mídia, a Petrobras não perdeu para sempre R$ 55 bilhões de seu valor. O que aconteceu foi uma reação momentânea do mercado (leia-se grandes grupos monopolistas entre os quais se inclui a própria mídia), que diante da decisão da empresa de não pagar dividendos extra aos acionistas, levou a uma desvalorização de suas ações da ordem de 10,37%. Como se sabe, a coisa mais comum no mercado de ações é elas descerem e subirem com enorme rapidez.

O que fez as ações da Petrobras caírem foi a decisão acertada do Conselho de Administração da empresa de não pagar dividendos extraordinários da ordem de R$ 43,9 bilhões a seus acionistas privados, no quarto trimestre de 2023. Dito de outra forma, a maioria dos integrantes deste conselho, os indicados pelo governo Lula e os representantes dos trabalhadores, entenderam que já passou da hora de frear a sangria que a petroleira vem sendo vítima desde a vitória do golpe de 2016.

Nenhuma grande empresa no mundo, privada ou estatal, distribui todos os seus dividendos. Nem o buteco da esquina, se não tiver uma reserva para renovar seu estoque de bebidas, acabará quebrando. Mas o mercado financeiro, que só pensa no próprio interesse, quer que a Petrobras distribua todo o seu lucro.

A mídia corporativa brasileira foge desse assunto como o diabo da cruz, mas é preciso sempre lembrar que o golpe que derrubou a presidenta Dilma teve como principal motivo o interesse da classe dominante brasileira associada a grupos multinacionais de se apossar do pré-sal. Para tanto era preciso desacreditar a Petrobras e colocá-la a serviço dos interesses estrangeiros. E foi exatamente isso o que fez a Operação Lava Jato ao tentar transformar a maior empresa e orgulho nacional em antro de corrupção.

Voltando ao não pagamento de dividendos extra, esse valor, que uns poucos grupos e espertalhões nacionais e internacionais contavam que iriam embolsar, vai agora ser utilizado em investimentos na própria empresa. Vale dizer, no desenvolvimento do Brasil. Essa mídia sonegou de seu público, por exemplo, que consta do plano estratégico da Petrobras para o quinquênio 2024-2028, a criação de 1,4 milhão de empregos diretos, numa média de 280 mil empregos por ano.

Nada disso é explicado nessas manchetes e matérias, que, igualmente, não fazem qualquer referência ao fato de que durante os dois primeiros governos Lula (2003-2010), a Petrobras se tornou a quinta maior empresa de energia do mundo. Já nos dois anos do governo golpista Temer e nos quatro do neofascista Bolsonaro, ela foi esquartejada e quase desmontada. De uma empresa integrada, que atuava em toda a cadeia produtiva da energia, do chamado poço ao poste, foram privatizadas a BR Distribuidora, Liquigás, gasodutos, refinaria, campos de petróleo, polos petroquímicos e fábricas de fertilizantes.

Tudo esse patrimônio foi devastado, mercantilizado e entregue ao mercado financeiro, esse mesmo mercado que agora, através da mídia, tenta enganar a população e continuar embolsando bilhões às nossas custas.

Se a mídia corporativa brasileira tivesse um mínimo de compromisso com o país e com a maioria da população, era para estar aplaudindo a decisão da Petrobras. Mais ainda, era para estar elogiando a decisão do governo Lula de ir, na medida do possível, desmontando as maracutaias e bombas de efeito retardado que os golpistas e entreguistas Temer e Bolsonaro deixaram.

Quem compra combustíveis na rede de postos BR, por exemplo, precisa saber que essa rede não pertence mais à Petrobras. Ela, que era uma das subsidiárias da empresa, foi privatizada em duas etapas, em 2019 e 2021, e passou a se chamar Vibra Energia, mesmo que ainda utilize em seus postos a marca BR historicamente vinculada à Petrobras.

Desde então, a Vibra Energia passou a praticar preços mais altos que os concorrentes, com dois objetivos: atender à própria ganância e desgastar a marca BR. Não por acaso a atual direção da Petrobras já deu prazo para que a Vibra deixe de usar indevidamente a marca, ao mesmo tempo em que o governo Lula desenvolve esforços para retornar ao estratégico setor de distribuição de combustíveis.

Outro exemplo de que a privatização faz muito mal é o caso da refinaria Landulfo Alves, na Bahia. A previsão do governo Bolsonaro era de vender oito das 13 refinarias da Petrobras, mas só obteve sucesso com a da Bahia. Ela foi vendida para o fundo de investimentos Mubadala Capital, dos Emirados Árabes, que, hoje, vende, no Brasil, a gasolina, o diesel, o gás de cozinha, a nafta, o querosene de aviação e outros derivados do petróleo extraído do solo brasileiro mais caros do que todas as refinarias da Petrobrás.

Pude comprovar isso ao viajar em férias para a Bahia. Lá os consumidores, com razão, reclamam do preço da gasolina a quase R$ 7,00 o litro e o do etanol beirando os R$ 5,00. A mídia local registra as queixas, mas não explica que isso é fruto da privatização que ela aplaudiu e continua apoiando. Vale dizer que existem ainda os desinformados que, sem saber da privatização, continuam responsabilizando a Petrobras pela Bahia ter o combustível mais caro do Brasil.

Se dependesse de Bolsonaro e de seu governo subserviente aos interesses dos países imperialistas, a Petrobras teria sido reduzida à “petrosudeste”, uma empresa que iria operar no pré-sal brasileiro no eixo Rio–São Paulo e nas refinarias que estão nesses dois estados. O resto da população que se danasse com combustível caro ou mesmo a falta dele.

O que o terceiro governo Lula está fazendo é reverter esse jogo. Além de ter retirado todas as refinarias da Petrobras da lista de privatizações elaborada por Bolsonaro, vem anunciando investimentos e retomadas de obras. No final do ano passado, o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, por exemplo, anunciou investimento de R$ 15 bilhões no setor de energia em Minas Gerais, sendo desse total, R$ 10 bilhões na refinaria Gabriel Passos (REGAP), em Betim.

O objetivo é continuar reduzindo o preço do combustível, que graças à nova política adotada pela Petrobras, já teve uma queda média de 30% em relação ao governo anterior.

Se o investimento na Regap praticamente não foi notícia na mídia corporativa, ela colocou toda a sua artilharia em campo, como agora, para criticar Lula e a Petrobras, em meados de janeiro, pelo “absurdo” de o governo estar retomando as obras da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco.

Os leitores mais atentos devem se recordar que a mídia corporativa brasileira fez de tudo para transformar esta refinaria e a compra de outra refinaria, Pasadena, nos Estados Unidos, em caos de corrupção dos governos Lula e Dilma.

Nada mais canalha e mentiroso. A campanha contra a refinaria Abreu e Lima, que paralisou seus investimentos por quase uma década, se deve aos interesses dos Estados Unidos de impedir uma parceria importante entre Brasil e Venezuela para o refino de tipos especiais de petróleo, que ficaria a cargo desta unidade da Petrobras. Além de esconder isso do público, a mídia brasileira fez e faz coro com os interesses estadunidenses no combate ao governo Maduro, cujo crime maior é o de defender a principal riqueza natural de seu país.

Daí a postura corajosa do presidente Lula que, durante a solenidade de retomada da refinaria Abreu e Lima, afirmou que a Operação Lava Jato paralisou por uma década os investimentos da Petrobras, e que ela agiu “mancomunada” com os Estados Unidos.

Quanto à Pasadena, o que houve foi um grande equivoco do Tribunal de Contas da União (TCU) na definição do valor desta refinaria, a partir do erro de uma consultoria do estado do Texas, nos Estados Unidos. No entanto, a mídia brasileira não teve o mínimo de seriedade para divulgar isso, preferindo manter a mentira de que teria havido superfaturamento na aquisição da refinaria por parte do governo Dilma, quando na realidade o governo brasileiro estava fazendo um ótimo negócio e preservando os interesses nacionais.

Se a manchete de o Globo é das mais canalhas em se tratando da temporária perda de valor da Petrobras, a da Folha de S. Paulo se supera no quesito entreguismo. Como se não bastasse a informação manipulada, para tentar dar-lhe credibilidade, cita que o valor da estatal caiu R$ 55 bi, que o veto extra para acionista foi de Lula, e atribui as informações a uma agência. A tal agência, cujo nome só é mencionado no texto, é a inglesa Reuters, notória por defender os interesses imperialistas, a começar pelos do seu próprio país.

Se a Folha de S. Paulo tivesse um mínimo de vergonha na cara, era para ter feito editorial elogiando Lula pela defesa do patrimônio brasileiro. Mas não. Como representante dos interesses da metrópole, critica quem luta pela efetiva emancipação nacional. Em outras palavras, é como se a Folha de S. Paulo condenasse de novo Tiradentes à forca e batesse palmas para o traidor Joaquim Silvério dos Reis.

Afora o fato das manchetes contra a Petrobras atribuírem a Lula “culpa” por defender o Brasil, é importante lembrar que também o Estado de S. Paulo, avança algumas casas neste jogo e fala em “natureza perdulária de Lula”. Será que o editor desta publicação que não para de encolher, mas insiste em se auto definir como “Estadão”, não sabe que o governo Bolsonaro deixou um rombo de R$ 800 bilhões? Quem é o perdulário?

Quanto ao O Globo, calculada e sincronizadamente, publicou ao lado da manchete sobre a Petrobras, uma notícia denominada de “Ocaso da Operação Lava Jato”.

Mesmo depois de totalmente desmoralizada e de ter seu submundo devastado pelas revelações da série de reportagem da edição brasileira do The Intercep, o Grupo Globo luta para tentar reerguer a Lava Jato. Tanto que nesta reportagem fala que réus da operação estão conseguindo reverter decisões judiciais em tribunais superiores como se isso fosse algo errado ou envolvesse algum tipo de corrupção.

Se alguém ainda tem dúvidas de quais são as intenções da família Marinho e dos demais veículos da mídia corporativa brasileira, com reportagens manipuladas e mentirosas sobre a Petrobras, é só dar uma olhada na coluna do Carlos Alberto Sardenberg, nesta mesma edição de O Globo. O escriba da família Marinho, que não acertou nenhuma previsão sobre a economia brasileira, adverte: “É preciso erguer de novo a bandeira da anti-corrupção”.

Não, Sardenberg. O que é preciso é que a mídia corporativa brasileira deixe de ser tão canalha e tão subserviente aos interesses da classe dominante e aos interesses internacionais.

O que é preciso é que essa mídia seja denunciada a cada dia, desmontando-se as mentiras que divulga para a população brasileira, sob pena desta população acabar se tornando tão vil quanto ela e com, cara de idiota, apoie o fim do próprio futuro e do futuro do Brasil como país que busca a inclusão social, a democracia e a efetiva soberania.