Por Geraldo Elísio (Repórter, radialista e escritor)

Origem do futebol

Jogos de bola com o pé antecederam o futebol atual – período de séculos. Cabeças decepadas dos inimigos certamente foram as primeiras bolas. As guerras e seus inventos. Achados arqueológicos dizem de um jogo de bola – praticado com os pés – era conhecido no Egito e Babilônia – modelos do sol e da lua – até mesmo para afastar maus espíritos, golpeando bexigas de bois infladas.

Criança eu e outros meninos da minha idade, séculos depois, nos dedicamos a ir aos matadouros buscar bexigas de boi para jogar futebol, devendo ser registrado primeiro um tempo de ensaio com “muchas” de laranjas e bolas de meia. Até a chegada das bolas de borracha e as primitivas bolas de “capotão”, de couro, costuradas por fora e sem válvulas a permitir o enchimento de ar.

Mas voltemos ao passado remoto mesmo. Tao-tse e Yang-tse, escritores chineses fazem referência a outros “clássicos” realizados na China 26 séculos antes de nossa era. Chamava-se Tsu-chu – golpear a bola com o pé, tendo começado como parte do treinamento militar da guarda do imperador.

Era um processo simples. Oito jogadores, sem poderem deixar a bola tocar no solo, tentavam passá-la além dos limites demarcados, por duas estacas fincadas no chão e ligadas por um fio de seda. A bola de couro, o campo era quadrado com 14 metros de lado.

Historiadores lembram ainda os chutes às cabeças decepadas de inimigos mortos em batalhas. Já tive a oportunidade de ler quanto ao jogo chinês, inclusive com um dignitário adaptando um estádio para uma prática mais avançada em termos esportivos.

A própria majestade se incluindo entre os craques. Um esporte então destinado à nobreza antes de se transformar em um jogo das multidões como hoje ocorre. No Japão o nome de Kemari, inspirado nos jogos chineses, ganha características próprias. Não se contavam pontos, o único objetivo era apurar a técnica de domínio da bola com os pés. Era um passatempo da realeza. Consta que os imperadores En-ji e Ten-ji estavam entre os seus praticantes.

Achados arqueológicos atestam, em vários pontos da América pré-colombiana, à mesma época que chineses e japoneses se entregavam ao futebol deles, nativos se dedicavam às bolas. O espanhol Herrera y Tordesilhas menciona “bola de borracha extraída das árvores”.

Índios jogavam no Haiti, aochegar Colombo. Lógico, sem a presença do general Heleno (do EB) para aprontar tudo o que ele aprontou ali.

O historiador Jean Le Floc’hmoan argumenta tenham sido “ossul-americanos os primeiros a fabricar bolas de resina com fins lucrativos”.

Cronistas mencionam “meninos maias e astecas, impulsionando com os pés, esferasde látex”. Jogos basicamente com mãos, semelhanças com o oriente, precursores do futebol. Na antiguidade europeia são encontrados nos grupos de jogos de bola que os gregos deram o nome genérico Sphairomakhia.

Em 12 séculos de existência dos antigos jogos olímpicos, esportes com bola jamais foram incluídos em programas oficiais. Mas era popular, especialmente o epyskiros, jogado com o pé. Pouco se sabe das regras ou mesmo do número de componentes de cada equipe.

Mas Júlio Pólux cita uma linha de meta localizada no fundo de cada lado do campo, através da qual a bola deveria ser arremessada, contando-se com isso um ponto os romanos tenham copiado os gregos criando depois o harsparum.

Os romanos seguiram conquistando terras rumo ao norte, certamente levaram a outros povos o seu jogo de bola. Muito provavelmente tenham sido os introdutores do futebol na Gália e Bretanha. Historiadores dizem que, ao chegarem à Bretanha, encontraram lá um futebol nativo, meio lendário, meio cívico.

Futebol na Idade Média e Renascença

Durante toda a Idade Média, por muitos séculos, realizou-se em Ashbourne, Inglaterra, um jogo de bola que pode ser considerado o mais importante precursor do futebol moderno. Tal jogo era disputado anualmente, nas Shrove Tuesdays, (espécie de terças-feiras gordas), entre os habitantes da cidade.

Número ilimitado de participantes, às vezes de 400 a 500 de cada lado, corria atrás de uma bola de couro fabricada pelo sapateiro local. Objetivo: alcançá-la, dominá-la e levá-la até a meta adversária, no caso as portas norte e sul da cidade, uma para cada equipe.

As origens do jogo de Ashbourne – mais tarde praticado em outros pontos do condado de Derbvshire também são discutidas. Um cronista da época, afirma que se tratava de uma comemoração anual da vitória dos bretões sobre os romanos, numa partida de harspatum, realizada no ano de 217. O futebol conhecido em Derbvshire, durante a idade média, era um jogo primitivo, violento, semibárbaro. E mal visto. A não ser pelas partidas de caráter cívico.

Como tragédias nada devessem ao jogo de bola, desde que elas se registraram, o ludospila e começou a ter ataques a pelo menos três direções. Do rei, da igreja e da municipalidade. Em13 de abril de1314, os cidadãos de Londres já liam o edito real que determinava: …”das quais muitos males podem advir sem a aprovação de Deus, determinamos e proibimos, em nome do rei, sob pena de prisão, tal jogo de bola na cidade”.

Eduardo II notara, o interesse dos soldados pelo futebol era tanto que temia que viessem eles a se descuidar dos esportes mais adequados para o treinamento para guerra: arco e flecha, esgrima, arremesso de lanças. Na Idade Média até a Igreja condenou o futebol. Fora da Inglaterra, tanto na Idade Média quanto na Renascença, o futebol teve apoiadores nobres.

Entre franceses – denominados oule ou choule, provavelmente variante do harpastum romano, sendo praticado pelo homem do povo como por nobres, como Henrique II, e poetas, como Pierre de Ronsard. Menos violento do que o futebol dos ingleses, esse jogo francês quase não encontrou opositores.

Na Itália, além de não ter opositores, o futebol medieval foi entusiasmadamente apoiado pela nobreza.

Eu, em tempos presentes, pessoalmente escolho o texto do itabirano Carlos Drummond de Andrade quando homenageou o atleticano Dario “Peito de Aço”, do Galo, quando o mesmo em tempos dos poetas envolvidos com o futebol em práticas pessoais pronunciou a célebre frase “não venha com a problemática que eu tenho a solucionática”. Mas sigamos.

O séc. XVIII foi todo ele de transição. Os tipos de jogos de bola foram mudando de passatempo primitivo ou violento para prática comum nas escolas. No início do séc. XIX, quando Thomas Arnold reformou o ensino superior inglês, dando aos esportes em geral um lugar de destaque o futebol não foi esquecido e dos primeiros a serem introduzidos nas escolas públicas, em caráter oficial.

Os historiadores fixam 26 de outubro de 1863 como o nascimento do futebol moderno. Era necessário uniformizar regras. Veteranos de Cambridge, apoiados pelo jornalista John D. Cartwright – autor de artigos – iniciaram campanha para reuniões e debates visando à criação do novo organismo, ocorrida a 26 de outubro. “Os próprios ingleses se encarregam de universalizar o futebol”.

Em 1865 emigrantes ingleses já haviam fundado em Buenos Aires o Footbal Club, na Argentina, sendo este um dos primeiros países a conhecer o esporte fora do Reino Unido. No início da década de 1870, foram ainda os ingleses que introduziram o futebol na Alemanha e em Portugal. E não houve mais parada, afora tempos de guerra.

A 13 de janeiro de 1904 foi fundada a Fédération Internationale de Football Association (FIFA). Os sete fundadores foram França, Espanha, Bélgica, Países Baixos, Suíça, Dinamarca e Suécia. Porém o ideal de uma disputa internacional só foi atingido em 1930 com Jules Rimet. A primeira Copa do Mundo foi realizada em Montevideo, no Uruguai. O futebol tornou-se então o mais universal dos esportes.

O futebol brasileiro

Embora 1894 seja o ano que os historiadores assinalam como o da introdução oficial do futebol no Brasil, é certo que muito antes disso o jogo tenha sido praticado no país, ainda que de forma improvisada”. Em1872 ou 1873 uns dos padres do colégio São Luís, em Itu SP, organizou partidas entre os seus alunos, segundo as regras então adotadas em Eton Inglaterra. Em 1874, marinheiros ingleses teriam jogado bola na praia de Glória, Rio de janeiro, o mesmo acontecendo com tripulantes do navio Crimeia, que o fizeram num capinzal próximo a Rua Paissandu diante da residência da Princesa Isabel, já por volta de 1878.

Há inúmeras outras referências à prática de futebol no Brasil antes de 1894. Marinheiros ingleses, ainda, realizaram jogos por quase todo o litoral, havendo pelo menos provas de que tais jogos tiveram lugar em Recife e Porto Alegre. Em 1875 ou 1876,“certo tal Mr. John, também inglês, foi juiz de uma partida amistosa entre funcionários da City companhia de navegação da Leopoldina Railway”.

Em 1882, Mr. Hugh, outro inglês, teria organizado um jogo entre funcionários da São Paulo Railway, em Jundiaí”. “Entretanto, o ano de 1894 é aceito pelos historiadores como o da introdução oficial do futebol no Brasil, quando Charles Miller chegou a São Paulo, depois de fazer cursos em Southampton, Inglaterra”.

E veio trazendo de lá “duas bolas de couro e uniforme completo de futebol, material utilizado nos primeiros jogos que ele mesmo organizou em Várzea do Carmo, São Paulo, entre ingleses e brasileiros da Companhia de Gás do London Bank e da São Paulo Railway, e mais tarde na chácara da família Dulley, também em São Paulo Atlethic Club agremiação que se dedicava ao críquete e a outros esportes introduzidos no país igualmente pelos ingleses”.

Charles Miller, introdutor oficial do futebol no Brasil, nasceu no bairro de São Brás, São Paulo, em 1874. De pai inglês e mãe brasileira, e morreu na mesma cidade em 1953. Em 1884, após concluir seu estudo preliminar, transferiu-se para Banister CourtSchool, Southampton, onde ficou conhecendo o futebol.

Na Inglaterra chegou a integrar como “center-fowad”, a seleção do condado de Hampshire, numa partida com o Corinthians londrino. De volta ao Brasil, Miller foi não apenas o responsável pelo início da prática regular e organizada do futebol no país, mas foi também o primeiro a se destacar como jogador e a ganhar popularidade.

A jogada de amortecer a bola coma face externa do pé era sua marca registrada, e por isso ficou conhecida como “charles”. Jogou futebol até 1910 e foi juiz até 1914. A partir de Miller a história do futebol brasileiro, pode ser dividida em seis fases principais, implantação, difusão, popularização, transição, afirmação e, finalmente a atual.

A primeira fase – implantação – vai até 1910, caracterizando-se pela fundação dos primeiros clubes. “Foram eles, São Paulo Atlethic Club (1888), Associação Atlética Mackenzie College (1898), Sport Club Internacional e Sport Club Germânia (1899), e Club Atlético Paulistano (1900)”.

Creio ser desnecessário dizer que o novo esporte se aclimatou bem no Brasil, um país mestiço onde a soma de várias etnias contribuiu para o encantamento do mundo no auge do futebol arte que levou os brasileiros à condição de penta campeão do mundo. Porém hoje vivemos momentos de profunda reflexão.

Épicos e depressões

Ao chegar ao Brasil o futebol era, em linhas gerais, um esporte para pessoas abastadas e, principalmente, para brancos. Não é sem razão que o Curitiba Esporte Clube, do Paraná, é chamado de “cocha-branca”. Bem como o Fluminense, do Rio de Janeiro é conhecido como Pó de Arroz. Devendo-se a primeira expressão ao fato de negros nãopoderem integrar inicialmente tais equipes e a reação dos torcedores espalhando que os negros, para atuarem no “Flu”, “eram obrigados a pintar os rostos com pó de arroz” quando tal prática ia sendo mudadas.

Razão igual para o Flamengo, do Rio de Janeiro e o Atlético Mineiro, de Belo Horizonte, em Minas Gerais, entre outros, com o passar do tempo ir acumulando um maior número de torcedores até a dissolução dos preconceitos. O certo é que o esporte veio para ficar e tornar-se glória do Brasil com a participação de todas as raças.

Uma malemolência muito nossa e mestiça. Escritor e pesquisador Ruy Castro conta no livro que escreveu sobre Garrinha que o maior dos dribladores da história do meu ponto de vista pessoal era descendente em suas origens mais primárias dos índios Fulniôs, da região de Alagoas.

Quanto aos negros logo se tornaram “os donos do pedaço”. Não é à toa que o Rei Mundial do Futebol é considerado o mineiro Edson Arantes do Nascimento, nascido em Três Corações no sul de Minas Gerais, Brasil, gostem ou não as pessoas. A minha infância e a de várias gerações de crianças do século masculino, no mundo, foi povoada pelo sonho de um dia ser Pelé.

Na minha terra natal, Curvelo, Minas Gerais, existiram três clubes considerados maiores, Clube Atlético Mineiro, Curvelo Esporte Clube e a Maria Amália, cujo nome foi uma homenagem ao pernambucano Othon Lins Teixeira de Melo que por lá fundou uma fábrica de tecidos antes da família se transformar em empresários do setor hoteleiro e depois diversificar as atividades deles. Maria Amália era o nome da esposa dele.

Porém cedo pressenti ser outra a minha praia e me transferi para a cidade de Sete Lagoas, onde dois clubes, com destaque ocupavam lugares na cena do futebol mineiro: o Democrata e o Bela Vista. A emissora a ZYU-4 – Rádio Cultura de Sete Lagoas onde aprofundei a carreira de locutor esportivo dando sequência ao trabalho iniciado na Rádio Clube de Curvelo. E foi na ZYU-4 – Rádio Cultura de Sete Lagoas que vivi os tempos mais intensos de toda a minha vida na locução esportiva. Incluindo aí a inauguração do Mineirão, um projeto de Jorge Carone Filho, ex-prefeito de Belo Horizonte e deputado estadual e federal.

E neste local o conhecimento com grandes craques nacionais e internacionais.

Pelé eu o entrevistei no mínimo 17 vezes, bem como Garrincha, Tostão, Marzuqievski, Ademir da Guia, o goleiro Lev Yachin, Voronin, Ratin, o goleiro Raul Guilherme Plassmann e verdadeiros elencos de atletas representantes do período áureo do futebol arte em várias nações do mundo.

E tenho ainda em meu curriculum a inauguração do Parque do Sabiá, na cidade de Uberlândia, no Triângulo Mineiro e do Estádio Beira Rio, na capital gaúcha de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. O célebre Maracanã, palco do “maracanaço”, em 50, onde chorei todas as lágrimas quentinhas disponíveis, por muitas razões, a partir de 64 tornou-se cena comum em minha vida.

Conheci de perto ídolos da minha infância, bem como célebres narradores esportivos, comentaristas e repórteres, num momento em que julguei que esta tarefa estava concentrada no meu destino. Não me esqueço de uma tarde de Mineirão lotado para ver jogar a seleção brasileira, as cabines de rádio e televisão todas ocupadas, a ZYU-4 – Rádio Cultura de Sete Lagoas dividiu a nossa cabine com o narrador Waldir Amaral e o ninguém nada menos que o craque Ademir Marques de Menezes como comentarista. Foi o meu maior ídolo de meninice.

Assisti a grandes transformações no futebol. Da mudança do futebol arte para os modelos que hoje desfilam nas chamadas arenas. Da arte ao profissionalismo em máxima expressão. Das briguinhas nas gerais que não existem mais às torcidas organizadas que se preciso matam com tranquilidade e horários até combinados. Tenho medo que possamos recuar ao tempo em que os guerreiros chutavam cabeças decepadas de outros soldados como eles próprios.

Entretanto a Copa do Mundo acabou e creio que não aconteceu nenhum tipo de selvageria. A Argentina de Messi foi a campeã e a França de Mbappé a vice, pois souberam tratar a bola com maiores cuidados. Uma linda competição de arte com peles de vários matizes. Lógico, disputando um jogo carregado de emoções e talentos. O esporte merece. E nós mais ainda.

E possa a bola, para sempre, substituir a guerra pela paz.

E nós brasileiros podemos nos orgulhar de em muitas vezes termos contribuído para a estabilização da paz mundial, porque querendo ou não, gostando ou não, toda a humanidade é formada por irmãos e irmãs.