Inteligência artificial (IA) vem sendo usada rotineiramente em operações de combate na Ucrânia e na Faixa de Gaza. A Sputnik Brasil conversou com especialistas em defesa para saber quais os impactos da IA no campo de batalha moderno e quais países estão na vanguarda.

Nesta terça-feira (9), o Departamento de Defesa dos EUA decidiu substituir a chefia do seu departamento de inteligência artificial. A nomeação da nova diretora no Pentágono tem como objetivo garantir que os EUA não ficarão para trás na corrida pelo uso de IA no setor de defesa.

“É uma honra servir nesta função num momento crítico para a nossa nação. A IA e a inovação digital fornecem novas tecnologias e capacidades cruciais para os nossos combatentes“, disse a nova responsável pelo departamento, Radha Plumb, de acordo com o Pentágono.

Recrutada após trabalhar em empresas como Google e Facebook (plataforma proibida na Rússia por extremismo), Plumb chefiará o departamento criado em junho de 2022, quando aliados dos EUA, como Israel, já utilizavam sistemas de IA cotidianamente.

Apesar de ambicioso, o principal programa norte-americano de IA, chamado de Comando e Controle Conjunto de Todos os Domínios 2 (JADC-2, na sigla em inglês), encontra-se em estágios iniciais de desenvolvimento.

Na semana passada, os EUA implantaram pela primeira vez o sistema JADC-2 no Oriente Médio, reportou o Defense Scoop. A mobilização, no entanto, tem o objetivo inicial de coletar dados que alimentarão o sistema para uso futuro.

De acordo com o professor doutor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército Sandro Teixeira Moita, os países que estão na vanguarda da aplicação da inteligência artificial no campo de batalha são Israel, Rússia e EUA.

“O país pioneiro no uso de IA no campo militar é Israel”, disse Teixeira Moita à Sputnik Brasil. “Desde a Operação Guardião das Muralhas, realizada na Faixa de Gaza em 2021, Israel aplica pelo menos três sistemas de IA para apoiar a tomada de decisão, elaborar pacotes de ataque e direcionar tropas: os sistemas Alquimista, Fantasma e Poço da Sabedoria.”

O sistema Alquimista recebe informações enviadas pelos soldados das Forças de Defesa de Israel para a cadeia de comando, enquanto o sistema Fantasma apura informações captadas por drones e aeronaves de reconhecimento. Já o sistema Poço da Sabedoria integra todas essas informações e sugere possíveis alvos para ataques, explicou Teixeira Moita.

“No atual conflito em Gaza, novos sistemas como o Lavanda estão em uso, para elaborar missões aéreas”, disse o professor doutor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército. “O sistema é alvo de polêmicas, porque elaboraria alvos baseados em informações sobre a localização de militantes do Hamas, sem considerar a presença de civis.”

No entanto, o sistema Lavanda se limita a indicar os alvos e não ordena os ataques, lembrou Teixeira Moita. A decisão sobre proceder com o ataque é feita por seres humanos, que podem incluir considerações de caráter humanitário no seu processo decisório.

“É importante frisar que a decisão sobre o ataque é controlada pelo ser humano, e não pela inteligência artificial”, declarou Teixeira Moita. “Existe uma mitificação de que essa tecnologia realizará todas as atividades e resolverá tudo. Mas não, ela deve ser encarada somente como uma ferramenta de apoio.”

O mestre em Ciências Militares pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército Pedro Mendes Martins concorda. Para ele, a IA será integrada ao meio militar somente como ferramenta complementar, que amplia a velocidade de operações.

O impacto é menor do que muitos imaginam, uma vez que as atividades no campo de batalha continuam conceitualmente as mesmas”, disse Martins à Sputnik Brasil. “O que muda é que a IA permite que elas sejam executadas de maneira muito mais rápida e eficiente.”

Essa ferramenta será indispensável para que os comandantes militares processem um número elevado de informações advindas do campo de batalha. Nesse sentido, o uso de computação quântica, microprocessadores e Internet de alta velocidade serão fundamentais.

Uma promessa da IA é que o campo de batalha se tornará transparente, isto é, será mais difícil que o inimigo se esconda”, apontou Teixeira Moita. “Fazer observação do campo de batalha em tempo real sempre foi um desafio. Mas agora a IA traz um avanço nesta área.”

O sistema russo de IA Strelets tem justamente esse objetivo: monitorar o campo de batalha através do apuramento de imagens recebidas por drones. O lado ucraniano também faz uso de IA, mas não dispões de sistema integrado para o processamento de dados.

“Analistas sugerem que o campo de batalha na Ucrânia é bastante transparente. Isto é, os movimentos dos adversários são rapidamente captados”, disse Teixeira Moita. “Isso aumenta a relevância do uso de sistemas de interferência de guerra eletrônica e cibernética, que tentam garantir mais opacidade para a linha de combate.”

Missões perigosas

O alto custo do desenvolvimento de sistemas de IA pode ser compensado pela preservação da vida de militares no campo de batalha do futuro, considerou o mestre em ciências militares Pedro Martins.

“A IA vai entrar no campo de batalha para realizar as operações de maior risco para os seres humanos”, disse Martins. “Esse é o caso das operações de desminagem, de missões de reconhecimento e uso de drones terrestres para recolher feridos.”

No caso da Rússia, drones integrados a sistemas de IA realizam atividades de reconhecimento “que antes eram feitas por seres humanos em missões perigosíssimas, nas quais o soldado precisava ser colocado nas linhas inimigas”, notou Martins.

As Forças de Defesa de Israel utilizam essa tecnologia disruptiva para mapear túneis construídos pelo grupo Hamas na Faixa de Gaza, com o intuito de combater a rede de vigilância de Tel Aviv.

“Israel tem muita dificuldade para entrar no sistema de túneis, que é muito propício a emboscadas”, disse Martins. “Então ter a capacidade de mapear esses túneis usando a IA, sem colocar a vida dos seus soldados em perigo, é um grande avanço tecnológico.”

Por outro lado, o uso dessa tecnologia por forças armadas já bastante avançadas, como a israelense, russa ou norte-americana, tende a aumentar a assimetria na guerra contemporânea.

“A verdade é que poucos países terão desenvolvimento tecnológico e recursos para produzir esse tipo de inovação“, apontou Martins. “Ainda que a IA possa se tornar mais acessível no futuro, num primeiro momento ela tende a aumentar a assimetria de poder.”

Desenvolvimento no Brasil

A incorporação da inteligência artificial no Brasil dá os seus primeiros passos, com destaque para suas aplicações no setor agrícola, meio ambiente e segurança pública, afirmaram os especialistas.

“No campo da defesa, há uma parceira para criar um drone marítimo nacional, desenvolvido pela empresa estatal de projetos navais EGEPRON, em parceria com a companhia privada TideWise”, comemorou Martins. “Esse drone será usado para desminagem naval, guerra submarina, vigilância de águas jurisdicionais e outros usos.”

No entanto, a liderança brasileira não parece estar disposta a investir o volume de recursos necessários para o desenvolvimento autóctone desta tecnologia disruptiva, lamentou o professor doutor Teixeira Moita.

“Sem dúvida, é necessário que o Brasil desenvolva sistemas de IA. Mas a liderança brasileira precisa estar ciente desta necessidade e dos riscos para o país”, disse Teixeira Moita. “Se não houver investimento, o Brasil ficará para trás nesta corrida, que já está em curso e envolve diversas potências.”

Caso o Brasil não faça a lição de casa na área de IA, recorrer à importação de sistemas desenvolvidos por outras potências pode não ser uma opção razoável, alerta Teixeira Moita.

“Sistemas de IA dificilmente poderão ser importados. Receberíamos um sistema de gerenciamento do campo de batalha, de comando, controle e ordem, desenvolvido por uma potência estrangeira, que poderá ter acesso às nossas informações. Lamento informar, mas isso não me parece viável”, concluiu o especialista.

Inteligência artificial é um campo da ciência da computação que desenvolve programas a fim de emular o comportamento humano. De acordo com revista Foreign Affairs, pelo menos 30 países desenvolvem ou operam sistemas militares com uso de IA e funções autônomas.


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