Os coronéis conhecem a coxilha, mas não desvendam histórias por detrás do alambrado. São, eles, os senhores da terra, negociados e vendidos, desde sempre, pelos seus mais próximos coadjuvantes, inclusive parentes. Às vezes por módicas permutas, trocas, favores de ocasião e outras tantas moedas, cunhadas mediante demandas de oportunidade. E a oportunidade aconteceu na visita feita pelo Senhor Diretas, o venerável deputado Ulysses Guimarães e a esposa, respeitabilíssima Dona Mora, na fazenda de inimitável governador, no semiárido do norte do Estado.

O capataz da Fazenda Veredão fez contato por volta das seis horas, numa manhã nublada. Telefonou de Berizal, cidade próxima à propriedade, expressando-se ofegante, em meio aos tropeços do linguajar peculiar à região. Alegava falar em nome do doutor Newton e dizia precisar, com urgência, de uma paca para servir assada, em almoço oferecido ao casal Ulysses e dona Mora Guimarães. A solicitação pareceu-me estranha, vinda por recado e pertinente a algo que não fazia parte de cardápio que, muito seletivo, orientava o meu relacionamento com o governador. Contudo, face à dificuldade de comunicação à época, com telefonia precária em todo o norte do Estado, aquiesci ao pedido, sem confirmação da autoria, e fui à luta.

Ora, eu só conhecia paca por fotografia, e do roedor, que se parece com capivara, jamais experimentara o sabor, fosse assada, ou frita, bem, ou mal-passada, e pedi socorro. Telefonei para o Antônio Caixeta, diretor do Jardim Zoológico de Belo Horizonte. Caixeta prontificou-se a comprar o animal, em criadouro particular, próximo à cidade de Vespasiano, cujo estabelecimento, segundo ele, detinha as devidas autorizações dos órgãos ambientais, inclusive do IBAMA. Respirei, aliviado, um problema a menos, no tocante à questão ambiental e os seus desdobramentos, sempre perversos.

No dia seguinte, mal amanhecera e lá estava eu, com a camionete estacionada à beira da Lagoa da Pampulha, em local indicado pelo Caixeta. A paca chegou dentro de um saco de linhagem, feito de fibras de ráfia, um tipo de palmeira enorme e comum em várias regiões do país. A paca, segundo o Caixeta, fora inoculada com um tranquilizante leve, para o transporte, e não criaria problemas e sequer faria qualquer ruído. O animal parecia pesar uns dez quilos e tinha próximo de cinquenta centímetros de comprimento. Com a paca foi-me entregue recibo em papel sem timbre, datado, mas com assinatura ilegível. Muito suspeito, mas aceitei sem questionar.

No hangar da empresa, no Aeroporto da Pampulha, um jato Learjet encontrava-se pronto para decolar, a meu pedido. Liberdade de ação era uma das minhas prerrogativas, como executivo ligado diretamente a um dos sócios da empresa, mas o valor das despesas ficava registrado num centro de custo, no meu nome e, eventualmente, poderia ser questionado a respeito, o que seria normal. Contudo, não teria como explicar, sem alguma costura, o porquê de deslocar jato executivo para transportar uma paca, em atendimento a pedido inusitado e não confirmado. Assim, encareci reserva ao coordenador do hangar e escrevi, na requisição do avião, o nome fictício da passageira, como sendo Noralisse, com dois “esses”, um detalhe para estimular a memória do ocorrido.

O avião pousou na pista da fazenda, antes do meio-dia. Noralisse estava calma e foi entregue ao capataz. Este, acostumado à lida com todo tipo de animal, segurou o saco na mão esquerda e, com a direita, desferiu de pronto uma forte paulada na paca, que sentiu o golpe e emitiu um som forte e rouco. O saco rompeu-se e a paca, ensanguentada, correu pelo terreiro da fazenda, passando próximo à Dona Mora, que caminhava descontraída junto com outra senhora, também convidada e integrante da comitiva. Mediante a cena, as senhoras abraçaram-se e de olhos fechados, exclamaram: “o que é isto, meu Deus!!”

Horas depois, recebi novo telefonema do capataz. Sem entrar em detalhes, alegou problema com a paca, disse que o doutor Newton teria se aborrecido com a história, se exaltado aos gritos e mandado trocar o cardápio por minúsculas e pálidas asinhas de frango. Determinou, ainda, o governador, à criadagem, fazer sumir da fazenda aquele bicho lazarento, devolvendo-o à origem. Mas, reteve as garrafas de poire, importadas da França, bebida destilada da pera e de sabor peculiar, que eu havia enviado junto com o animal, em face de ser a preferida do doutor Uslysses. A paca foi-me devolvida machucada e imediatamente atendida, em clínica particular, mediante a ajuda discretíssima do renomado veterinário Manfredo Werkhauser e foi, posteriormente, levada de volta ao criadouro, mercê dos obséquios do Antônio Caixeta. Moral da história: um desastre.

Mediante o ocorrido, o jato retornou à fazenda e, mais uma vez, recorri ao silêncio do coordenador do hangar, antigo e fidelíssimo funcionário da empresa, além de experiente no trato com os problemas da diretoria comercial. No dia seguinte, Roberto perguntou-me quem era a tal de Noralisse, que eu havia mandado levar à fazenda do governador. Pego de surpresa, inventei de pronto uma história totalmente fantasiosa, e disse que se tratava de uma senhorita pela qual o austero constituinte teria uma queda romântica. Roberto, perguntou-me: “ele comeu?”. Respondi, que não, mas que o deputado havia apenas lhe dado uns amassos no interior da estrebaria. “Que velho tarado, hein?” “E, por que ela foi levada de volta, tão de repente?” Expliquei que dona Mora havia suspeitado de algo diferente, no ar, e que o capataz achou melhor retirar a criatura da fazenda. “Há, bom”, disse o Roberto, “foi melhor assim”, completou.

Tendo sobrevivido ao primeiro roud da história, resolvi passar a limpo o pedido feito pelo capataz, em nome do governador. Dias após, estando o mesmo em palácio, na capital, telefonei para o Newton e perguntei -lhe sobre a paca, mediante breve relato acerca do pedido feito no seu nome. Newton não esticou a conversa, e apenas disse: “PACA, QUE PACA?” E desligou o telefone, sem se despedir.
Enfim, são coisas da política, coisas das Minas Gerais.