O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública, com pedido de liminar, contra a empresa a Prospecção Participações Eireli, que pretende implantar empreendimento imobiliário que causa severas cicatrizes na paisagem local das montanhas tombadas a nível federal que emolduram Ouro Preto (MG). A área degradada pela instalação do loteamento Residencial Vila Rica pode causar danos irreparáveis à unidade do conjunto arquitetônico da cidade mineira, tombada como Patrimônio Nacional, em 1938, e eleita como Patrimônio Cultural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em 1980, pela harmonia entre o construído e o natural.

Na ação, o MPF pede à Justiça Federal que determine a suspensão de todas as autorizações e licenças concedidas ao empreendimento, bem como a recuperação, pela Prospecção Participações, da área degradada de aproximadamente 160 mil metros quadrados, na região da Jacuba, no entroncamento entre a BR-356 (Rodovia dos Inconfidentes) e a rodovia AMG-1725. Além da empresa, também foram acionados o Município de Ouro Preto e o Estado de Minas Gerais, pela emissão de licenças ambientais e outras autorizações, e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), por ter autorizado a construção do empreendimento em área tombada.

No documento, o MPF destaca que a construção dos loteamentos altera a paisagem tombada e ameaça a unidade do conjunto urbanístico, que abriga um extenso e preservado conjunto de edificações e monumentos erguidos ao longo dos séculos XVIII e XIX, emoldurados por duas grandes cadeias de montanhas, o que torna sua paisagem urbana de valor inestimável.

De acordo com o estudo de impacto ambiental apresentado pelo próprio empreendedor, o adensamento induzido, a especulação imobiliária e o aumento do tráfego na região podem causar efeitos permanentes de médio e longo prazo, como a perda das características do conjunto urbanístico pela união da cidade histórica com os loteamentos, além de terem sido constatados danos ao patrimônio arqueológico e imaterial.

Na visão da procuradora da República Silmara Cristina Goulart, responsável pela ação, a cidade de Ouro Preto é considerada “um verdadeiro exemplo de como a arquitetura e a natureza podem se combinar para criar um espaço único e inspirador”. Contudo, a autenticidade desta paisagem única vem sendo ameaçada pela onda de loteamentos autorizados pelo poder público.

São imensas as cicatrizes que estão sendo infligidas, não só às montanhas que emolduram o centro histórico de Ouro Preto, mas aos sítios arqueológicos ali encontrados”, afirmou a representante do MPF. A ação aponta que o art. 17 do DL 35 impede a mutilação ou destruição dos bens tombados em qualquer hipótese, podendo os envolvidos serem responsabilizados por suas ações. A procuradora alerta que “a autorização desenfreada de loteamentos em Ouro Preto, além de ilegal, coloca o mundo em risco de perder mais um patrimônio, eleito por e para manter sua essência única ao longo dos séculos”.

Silmara Goulart ressalta, ainda, que “Ouro Preto foi a primeira cidade eleita no Brasil como Patrimônio Mundial, por ter um valor universal excepcional do ponto de vista da conservação e da beleza natural, por isso a preservação de suas montanhas é um direito dessa geração e das gerações futuras, não só do Brasil, mas do mundo”.

Pedidos – O MPF pede à Justiça Federal que determine, em regime de urgência, a suspensão dos efeitos das licenças ambientais municipais e estaduais, bem como dos documentos autorizativos de intervenção ambiental expedidos pelo Iphan e demais réus para o empreendimento. Além disso, que o Iphan, Município, Estado e União sejam proibidos de conceder quaisquer aprovações ou autorizações de projetos de loteamentos ou outros semelhantes que promovam a destruição das áreas verdes e montanhas situadas no perímetro de tombamento federal de Ouro Preto.

Também foi pedido que seja determinado à Prospecção Participações que não realize qualquer intervenção para a instalação do loteamento Residencial Vila Rica, executando medidas emergenciais eventualmente necessárias à garantia da segurança e estabilidade da área, e não realize mais anúncios, promessa de venda, a venda, propaganda ou qualquer outro ato semelhante, de lotes do empreendimento.

Ainda foi pedido que a Prospecção Participações seja obrigada apresentar, em 30 dias, o Projeto de Reparação de Área Degradada (PRAD), elaborado em outra ação civil pública movida pelo Ministério Público de Minas Gerais contra a empresa, para que seja avaliada a necessidade de ajuste. Após a análise, que a empresa recupere os danos e impactos causados pelo início da instalação do empreendimento por meio da execução do PRAD, devendo seguir todas as diretrizes técnicas e normativas do órgão ambiental competente e o cronograma de execução, a ser concluído no prazo máximo de um ano.

Além dos pedidos em regime de urgência, foi solicitado que seja determinado ao Iphan que retifique a sua Portaria nº 312/10, adequando-a a regra do art. 17 do Decreto-Lei n° 25/1937, para que se proíba, em definitivo, a instalação de loteamentos ou outros empreendimentos que promovam a destruição das áreas verdes e montanhas que compõem o perímetro de tombamento federal do conjunto arquitetônico e urbanístico de Ouro Preto. Ainda, que a Justiça Federal determine à empresa que restitua os valores pagos pelos consumidores lesados adquirentes de lotes.

A ação também pede que todos os réus sejam condenados ao pagamento de valor de compensação pelos danos ambientais e dano moral coletivo causados, em valor a ser fixado pelo Juízo, não inferior a R$ 2 milhões.

Ação anterior – A obra em questão já havia sido objeto de contestação perante a Justiça Estadual de Minas Gerais, em ação civil pública de autoria do Ministério Público Estadual pedindo a nulidade da licença ambiental e do documento autorizativo de intervenção ambiental que possibilitavam o empreendimento.

O próprio Tribunal de Justiça de Minas Gerais reconheceu que a instalação do Residencial Vila Rica fere o sentimento coletivo de pertença, memória e preservação do conjunto arquitetônico, violando os princípios da fruição coletiva e da equidade intergeracional, sendo temerária a execução do loteamento imobiliário, ao julgar um agravo de instrumento naquele processo.


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