As deputadas Beatriz Cerqueira e Bella Gonçalves visitaram o Biotério Central da UFMG acompanhadas da coordenadora da unidade, Adriana Abalen.

O que nós queremos? Assistir a carros correndo ou ter vacinas?”. A frase, da deputada Beatriz Cerqueira (PT), resume a ameaça representada pela realização de uma corrida da Stock Car, prevista para agosto, a cerca de 100 metros do Biotério Central da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), situado no campus da Pampulha, em Belo Horizonte.

Estratégico para a realização de pesquisas de dezenas de instituições públicas mineiras e de outros cinco estados, o biotério foi visitado na tarde de quinta-feira (21/3/24) pela Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, que é presidida pela parlamentar.

É de lá que saem anualmente mais de 23 mil unidades dos chamados roedores padronizados para pesquisas científicas, quatro espécies de camundongos que servem de cobaias para o teste de vacinas, remédios e tratamentos para uma infinidade de doenças, como a covid, dengue, malária, leishmaniose, hanseníase, Alzheimer e até mesmo diversos tipos de câncer, só para citar algumas das doenças pesquisadas pela UFMG e as instituições parceiras.

Os testes em cobaias são necessários até por serem uma exigência legal em todo o mundo antes dos testes em seres humanos. Rigorosos protocolos éticos também regulam o andamento das pesquisas e garantem a qualidade de vida desses camundongos.

Mas, bastante sensíveis a ruídos e vibrações, a sobrevivência dessas cobaias pode ficar comprometida caso sejam expostas ao ronco dos motores da Stock Car, que começam nos 110 decibéis.

São perguntas que jamais imaginei que pudessem ser feitas para a sociedade. Você quer uma corrida de Stock Car em Belo Horizonte ou quer avançar na detecção mais precoce e em tratamentos mais eficazes contra o câncer? Você acha importante ter uma vacina contra a covid, contra a dengue, que nós corremos o risco de não ter se esse evento acontecer?” , disse a deputada Beatriz Cerqueira.

Criados em ambientes altamente controlados, tanto de contaminação quanto de perturbações externas, esses pequenos animais que podem salvar milhões de vidas já se fragilizam quando expostos a ruídos acima de 70 decibéis, conforme explicou a coordenadora do Biotério Central, pesquisadora e professora do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), Adriana Abalen.

Nesses casos, eles morrem, deixam de se reproduzir e até mesmo se canibalizam. Como podem levar no mínimo seis meses para se recuperar desse tipo de estresse e têm um ciclo de vida de apenas dois anos em média, a avaliação dos pesquisadores é de que um evento extremo como esse inviabilize o funcionamento do Biotério Central e comprometa toda uma geração de produção científica.

Os ruídos e vibrações são nosso maior temor. Além de alterar os parâmetros comportamentais, qualquer perturbação leva a alterações fisiológicas nos animais, o que podem inviabilizar as pesquisas em andamento ou futuras”, afirmou Adriana Abalen, Coordenadora do Biotério da UFMG.

A pesquisadora se emocionou ao relatar a apreensão que tomou conta do ambiente acadêmico. “Quero agradecer a Assembleia por nos dar voz, nesse momento de ansiedade sobre nosso futuro. A gente achava que estava sozinho, que era apenas uma voz no meio da multidão”, disse, entre lágrimas. Segundo ela, de nada adianta a proposta de instalar uma barreira acústica, feita por representantes dos organizadores, já que a mesma não isolaria o Biotério Central das vibrações.

Pesquisas e investimentos poderiam ir para o lixo

Conforme avaliado pelas deputadas Beatriz Cerqueira e Bella Gonçalves (Psol), que também participou da visita, nem mesmo o suposto retorno financeiro da etapa BH do Campeonato Brasileiro de Stock Car, que se repetirá anualmente até 2028, se sustenta.

Além do valor das novas vacinas, remédios e tratamentos que as instituições de pesquisa podem desenvolver, grandes indústrias farmacêuticas já procuraram a UFMG em busca de acordo para o fornecimento de cobaias.

Lamento muito que a Prefeitura de Belo Horizonte não mantenha nenhum diálogo com a UFMG. Eles simplesmente ignoraram toda a capacidade que a UFMG tem de produzir ativos econômicos muito mais valiosos do que teria uma corrida de Stock Car. Essa universidade é um dos maiores polos de produção de conhecimento da América Latina. Precisamos fortalecê-la, não ameaçá-la”, afirmou a deputada Bella Gonçalves.

O Biotério Central funciona em uma edificação com mais 2 mil metros quadrados divididos em dois pavimentos e atualmente atende a 100 pesquisadores diferentes. Só na UFMG contempla 27 programas de pós-graduação em áreas que vão muito além das ciências biológicas e incluem, por exemplo, vários campos da engenharia.

Inaugurado em 2009 após investimentos da ordem de R$ 10 milhões na época, o Biotério Central reúne equipamentos de ponta também avaliados em outros R$ 10 milhões, ao custo anual de manutenção em torno de R$ 1 milhão, o que dimensiona o prejuízo para os cofres públicos caso o funcionamento do Biotério Central for inviabilizado pela Stock Car.

São pesquisas que serão jogadas no lixo com o impacto da corrida da Stock Car aqui do lado do Biotério. E o impacto não é só para Belo Horizonte, é para Minas Gerais e para o País. Isso é muito grave”, definiu Beatriz Cerqueira. A parlamentar anunciou que novas visitas aos outros locais impactados na UFMG serão realizadas, além de nova audiência em breve na Comissão de Educação.

Terreno do Mineirão é da universidade, que não foi consultada

A ameaça ao funcionamento do Biotério Central seria apenas o mais grave dos reflexos negativos na rotina de ensino, pesquisa e extensão da UFMG, conforme relatou a reitora Sandra Goulart. Problemas que começaram no final de fevereiro com o início do corte surpresa de 67 árvores no entorno do Mineirão, vizinho do campus Pampulha, como na Avenida Abraão Caram, para viabilizar o circuito de rua da Stock Car.

Duas liminares que impediam o corte, uma delas de autoria de Beatriz Cerqueira, foram suspensas 24 horas depois de concedidas e o corte foi concluído.

Além das árvores, também estão removidos equipamentos públicos, como sinais de trânsito, placas, travessias elevadas de pedestres e quebra-molas e várias vias de acesso serão bloqueadas, ameaçando o funcionamento da UFMG nos quatro dias de evento, de 15 a 18 de agosto.

É o caso, por exemplo, do estacionamento do ICB, com 500 vagas, cujo único acesso de veículos é externo, pela Avenida Rei Pelé, e será bloqueado. O espaço fica justamente entre o entorno do Biotério Central e o Mineirão.

Outra que abriga animais sensíveis à poluição sonora, como cavalos e peixes, a Escola de Veterinária também será afetada, assim como a Escola de Odontologia, que atende a centenas de pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS).

Outros dois locais que ficarão isolados pela Stock Car são o Centro Esportivo Universitário (CEU), utilizado pela comunidade, e o Centro de Treinamento Esportivo (CTE), local de treinamento de atletas olímpicos e paraolímpicos.

Há ainda a Estação Ecológica, uma das maiores áreas verdes de BH e refúgio de macacos, raposas. “Com o barulho, esses animais podem fugir para a Avenida Catalão e provocar acidentes”, lamenta a reitora da UFMG.

A reitora lembrou ainda que o Mineirão está situado em um terreno que pertence à UFMG, mas foi cedido ao Estado, sob o compromisso legal de que para haver qualquer intervenção a universidade precisa ser consultada previamente e aprovar.

Segundo a reitora, a UFMG tomou conhecimento da assinatura do contrato entre PBH e organizadores da Stock Car somente em janeiro último, por meio de notícias na Imprensa, sendo que o contrato teria sido assinado em 1º de dezembro de 2023.

“Temos um documento que prova isso. Nos preparativos da Copa de 2014 isso foi feito, diferentemente de agora, em que fomos ignorados pela Prefeitura e pelos organizadores”, criticou Sandra Goulart.

Nessa linha, Bella Gonçalves lembrou ainda que a Stock Car foi licenciada pela PBH como um evento, mas, na verdade, será um megaempreendimento para o qual não foi feito nenhum estudo prévio de impacto ambiental.


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