Por Marisol Argueta

No início de 2022, a Covid-19 e suas consequências econômicas e sociais continuam a representar uma ameaça em todo o mundo. A pandemia deixou um legado de mortes, desemprego, maior desigualdade e pobreza. Os governos enfrentam o desafio de manter um equilíbrio entre sua obrigação primária de preservar vidas e a necessidade de salvaguardar suas economias.

Também foi um teste de resiliência, pois muitos tiveram que ajustar diligentemente suas estratégias e medidas para responder à dinâmica de circunstâncias mutáveis e incertas.

No caso da América Latina e da pandemia, é importante destacar as diferenças entre os países: a diversidade das condições econômicas e sociais; as diferentes abordagens e políticas com que cada um enfrentou a crise, incluindo a capacidade e a eficiência de seus programas de vacinação.

Em termos gerais, a pandemia atingiu a América Latina em um contexto regional complexo, no qual as deficiências estruturais econômicas e sociais não foram resolvidas. Alguns países da região já mantinham baixos níveis de confiança nas instituições públicas, insatisfação dos cidadãos com a qualidade e cobertura dos serviços públicos, altos níveis de desigualdade e de empregos informais, protestos sociais e polarização aguda agravada ainda mais pelas redes sociais.

Além disso, embora houvesse sinais de recuperação econômica no final de 2021, a inflação, a desvalorização de moedas locais e os déficits fiscais tornarão a recuperação mais complexa. Segundo dados do Fundo Monetário Internacional, o PIB teve uma recuperação de 6,3%, em média, em 2021. Estima-se um crescimento mais moderado de 3% em 2022, não atingindo os níveis anteriores à pandemia.

O Relatório de Riscos Globais 2022 do Fórum Econômico Mundial indica que 16% dos especialistas e líderes globais pesquisados estão otimistas sobre as perspectivas para o mundo e que apenas 11% acreditam que haverá uma recuperação acelerada da pandemia. A grande maioria acredita que um grau de incerteza, volatilidade e divergência persistirá.

No que diz respeito à América Latina, de acordo com a pesquisa de opinião executiva realizada em 18 países da região, os maiores efeitos da Covid-19 em questões sociais são representados por desemprego, crises de subsistência e uma evidente erosão da coesão social.

Quando se trata de questões ambientais, o clima extremo e a reversão da ação climática, juntamente com a perda de biodiversidade, são classificados entre os riscos potencialmente mais graves para a região na próxima década.

Na frente econômica, há preocupações entre os inquiridos sobre uma prolongada paralisia, crises de dívida, inflação, volatilidade dos preços das commodities e o colapso dos sistemas de previdência social. Os pacotes de estímulo dos governos foram vitais para proteger a renda das pessoas, garantir seus meios de subsistência, preservar empregos e manter as empresas à tona, mas o fardo da dívida pública aumentou. Os orçamentos públicos permanecerão apertados após a pandemia, deixando claro que uma maior colaboração público-privada é fundamental.

Em relação à conectividade, a desigualdade digital é vista como uma ameaça iminente ao mundo, já que mais de 3 bilhões de pessoas permanecem offline. Se não for abordada, a lacuna pode aumentar seriamente não apenas entre as economias desenvolvidas e em desenvolvimento, mas também dentro dos países.

No entanto, também deve ser reconhecido que alguns países e indústrias foram capazes de acessar rapidamente e se adaptar perfeitamente a novas formas de interação digital e trabalho remoto, que provavelmente permanecerão. Esse salto digital e a maior dependência de sistemas digitais também levam a uma maior vulnerabilidade, portanto planos rigorosos de segurança cibernética devem ser previstos.

Por fim, o “colapso do Estado”, a proliferação de atividades econômicas ilícitas, os confrontos geoeconômicos e a geopolitização de recursos estratégicos também surgem como preocupações críticas na pesquisa, a alta preocupação regional com a deterioração das democracias e o sério fenômeno das migrações.

Embora os desafios internos prementes exijam atenção imediata, a pandemia e suas consequências socioeconômicas demonstraram mais uma vez que os riscos globais não respeitam fronteiras ou divergências políticas e que as ameaças compartilhadas exigem uma resposta global coordenada. A América Latina não pode ser pensada isoladamente dos fatos e tendências que prevalecem no resto do mundo. Ao contrário, é evidente a necessidade de nos inserirmos mais no contexto global, onde a região vem perdendo proeminência.

Certamente existem alguns aspectos positivos, e oportunidades importantes também surgiram. Assim como o crescente reconhecimento de startups e unicórnios inovadores da América Latina atraiu recentemente fluxos de investimento significativos, nossa região —dotada de vastos recursos naturais e valioso capital humano— deve estar na vanguarda das oportunidades emergentes em termos de transição energética, mercados e empregos verdes, infraestrutura moderna e o preparo das novas gerações com capacidades e competências tecnológicas alinhadas às oportunidades de emprego do futuro.

Ignorar os riscos potenciais delineados não impedirá sua ocorrência, mas devemos respondê-los com responsabilidade e impulsionar a integração de nossa região, deixando de lado as divisões ideológicas e coordenando melhor para avançar soluções inovadoras que atendam aos problemas estruturais.

Devemos promover uma maior produtividade com uma visão de longo prazo para dar certeza, em nível nacional e, esperamos, também regional, com uma fórmula que integre indicadores socioeconômicos tradicionais com soluções em termos de resiliência e inclusão, bem como respostas aos desafios ambientais.

Em grande medida, o potencial para uma melhor recuperação da América Latina depende de saber como aplicar as lições aprendidas e do engajamento coordenado de líderes de todos os setores. Que as feridas e cicatrizes sociais e econômicas deixadas pela pandemia sirvam de lembrete para deixar de lado divisões internas, diferenças ideológicas ou atritos e rivalidades históricas, e nos permita traçar uma agenda pragmática que garanta que a próxima década não seja mais uma década perdida.

Fonte: Folha de São Paulo