Por Mauro Ferreira
Título: Nasci no Brasil
Artista: Pietá
Edição: Alá Comunicação e Cultura
“Filhos da grande diáspora, frutos do tronco Tupi”, como se apresenta em versos de Temquitê (Juliana Linhares, Pedro Indio Negro, Fred Demarca e Renato Frazão), expressiva música que abre o álbum Nasci no Brasil em gravação feita com a adesão vocal do cantor paraibano Pedro Índio Negro, os integrantes da banda Pietá geram disco embasado pelo baticum nacional e enraizado na árvore miscigenada que tem gerado a frutífera cultura da nação.
Terceiro álbum de estúdio do trio carioca formado em 2011 por Fred Demarca, Juliana Linhares (cantora do antológico disco solo Nordeste ficção) e Rafael Lorga, Nasci no Brasil tem forte acento percussivo e está encharcado da brasilidade sinalizada pelo título.
Mas inexistem no disco os clichês sonoros do país tropical no repertório que – entre músicas inéditas como o samba torto Espanta assombração (Juliana Linhares, Roberta Sá, Rafael Lorga e Elvis Marlon), gravado com a adesão da cantora Roberta Sá – apresenta regravação ousada do samba O ronco da cuíca (1975), petardo ainda atual da parceria de João Bosco com Aldir Blanc (1946 – 2020), bamba cronista do país que espuma de raiva e geme de fome desde antes do samba ser samba.
Sucessor dos álbuns Leve o que quiser (2015) e Santo sossego (2019) na discografia da Pietá, Nasci no Brasil é disco quente na primeira metade. Abrandada à medida em que avançam as nove faixas, a fervura é exemplificada pela Cantoria do Acará (Rafael Lorga e Thiago Thiago de Mello), faixa que ilustra a excelência da produção musical de Fred Demarca, da mixagem de Fernando Rischbieter e da masterização de Bruno Giorgi.
Já a regravação de Perfume de araçá (2021) – música lançada pela Pietá há três anos em gravação que ora ecoa na trilha sonora da novela No rancho fundo (Globo, 2024) – tem aroma mais suave na abordagem que entrelaça o canto de Juliana Linhares com a voz aveludada de Jota.Pê. A temperatura amena é mantida na faixa O tempo é uma pessoa (Rafael Lorga e Tomás Braune).
“O álbum Nasci no Brasil é uma afirmação das belezas que brotam das dúvidas, das sombras e das mazelas de um país”, sintetiza a banda Pietá a respeito do disco lançado em 18 de abril e encerrado com Chama da criança (Fred Demarca e Juliana Linhares), faixa menos imponente no conjunto da obra.
De fato, o trio faz no disco uma exaltação consciente da cultura nacional, com orgulho, mas sem o ufanismo retrógado e nefasto de tempos recentes. Ao contrário. A arrojada arquitetura nordestina da música-título Nasci no Brasil (Olivia Munhoz e Juliana Linhares) mostra que a banda Pietá se desvia do terreno do ufanismo fácil que também brota em partes menos férteis do grande tronco Tupi.