A mineradora BHP firmou um acordo, no âmbito da Justiça do Reino Unido, com escritório de advocacia que defende vítimas do acidente de Mariana/MG, se comprometendo a não apoiar uma ação no STF que questiona se municípios podem ingressar com ações no exterior. A informação é do jornal Valor Econômico.

A empresa BHP controla, junto com a Vale, a mineradora Samarco, responsável pela exploração da barragem, e enfrenta um processo na Europa no qual 46 municípios atingidos pelo acidente e 700 mil vítimas solicitam indenização de R$ 230 bilhões pelo rompimento da barragem do Fundão em 2015. A ação internacional é patrocinada pelo escritório Pogust Goodhead.

Paralelamente a isto, no Brasil, o Ibram – Instituto Brasileiro de Mineração acionou o STF para questionar se municípios poderiam mover ações em Cortes internacionais.

O acordo prevê multa, apreensão de bens e até prisão caso a mineradora incentive o Ibram na ação no Supremo.

Briga de interesses

Em junho, o Ibram acionou o STF para questionar se municípios poderiam ingressar com processos no exterior, por ofensa à soberania nacional, ao pacto federativo, à organização do Judiciário brasileiro e aos princípios da Administração Pública, como a transparência dos atos. O instituto pede também que as ações já ajuizadas sejam interrompidas.

Em uma ata de reunião juntada ao processo no Reino Unido, diz-se que o Ibram teria ingressado com essa ação a pedido da BHP. Já a defesa do Instituto disse ao Valor que a decisão de ingressar com a ação foi do conselho da associação, visto que outras mineradoras são impactadas.

Do outro lado, organizações como o Coridoce, a CNM, a CUT e a Anab tentam ingresso como amicus curiae no processo e afirmam que a ação visa a atender interesses privados, blindando empresas transnacionais. Para esse grupo, não se pode proibir os municípios de ingressarem com ações fora do país, uma vez que são empresas transnacionais que causaram danos.

A ação foi distribuída inicialmente ao ministro Cristiano Zanin, que declarou suspeição. O novo relator sorteado é Flávio Dino, que já se posicionou contra a liminar ao adotar o rito abreviado. Dino também pediu informações aos municípios para entender como têm sido firmados os acordos entre as prefeituras e os escritórios estrangeiros.

Ainda não se sabe se Dino aceitará o Ibram como parte legítima do processo, por se tratar de uma ação de controle concentrado de constitucionalidade.Por enquanto, há, nos autos, uma guerra de pareceres nos autos, com nomes de peso como o da ministra Ellen Gracie e do ex-AGU José Cardozo.Enquanto isso, na Justiça brasileira, tenta-se um acordo entre as empresas, a AGU e entes federados atingidos, como os Estados de MG e ES. A União pede R$ 109 bilhões em indenização e as empresas já ofertaram R$ 103 bilhões, sem contar R$ 37 bilhões já usados em outras ações de compensação.

Relembre o caso

A tragédia de Mariana ocorreu em 5 de novembro de 2015, quando a barragem de rejeitos de minério do Fundão entrou em colapso, despejando 40 milhões de metros cúbicos de resíduos tóxicos.

Dezenove pessoas foram mortas por uma avalanche de lama, que destruiu comunidades inteiras no distrito de Bento Rodrigues e impactou dezenas de municípios ao longo da bacia do Rio Doce.

O líquido, composto de minério de ferro e água, acabou contaminando mananciais, danificando paisagens, infraestruturas e a vida selvagem, sendo considerado o maior desastre socioambiental do Brasil.

Processo inglês

A briga entre a gigante australiana e os atingidos pela tragédia já se arrasta há mais de sete anos. Diante da demora em estabelecer um acordo entre o governo brasileiro e as empresas responsáveis, em 2018, o escritório internacional Pogust Goodhead – especializado em litígios coletivos de grande porte relacionados a causas sociais e ambientais – decidiu entrar no caso.

O processo tramita na Inglaterra e no País de Gales, com a parte acusatória sendo representada pelo escritório. A ação chegou a ser suspensa em 2020, quando um juiz inglês entendeu que, mesmo a BHP tendo sede em Londres, caberia apenas à Justiça brasileira tratar do caso.

Em 2022, o Tribunal de Apelação (Court of Appeal) da Inglaterra decidiu que havia jurisprudência no país. A partir daí, foi aberto um novo prazo. O julgamento está marcado para outubro deste ano.

NOTA IBRAM SOBRE A ADPF 1178

O Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), preocupado com o ataque que mineradoras brasileiras, Vale e Samarco, têm sofrido no exterior, manifesta seu repúdio diante desta ação e informa que age de acordo com os interesses dos seus associados e com autorização do seu Conselho Diretor. E entende que este processo impacta o setor mineral e todo o setor produtivo brasileiro, pelos motivos abaixo:

  1. A ruptura da barragem da Samarco, em Mariana (MG), tem levado as empresas responsáveis a custear as devidas compensações ambientais e as das vítimas e suas famílias, que estão em curso, bem como aos municípios afetados, sancionadas pelo sistema de justiça brasileiro, que tem atuado com o rigor que o processo demanda.
  2. Ocorre que uma banca de advocacia estrangeira, sediada em Londres, Inglaterra, e um fundo abutre, ambos amplamente identificados como membros da indústria da tragédia, ou seja, como defensores de causas alheias em proveito e ganhos próprios, agiram para instaurar causa similar em corte de Londres e na Holanda, em flagrante desrespeito ao sistema de justiça brasileiro, à nossa Constituição e à soberania nacional.
  3. Isto porque, ao propor representar municípios brasileiros no exterior, o escritório atenta contra o princípio da soberania nacional, que atribui a representação no exterior da federação brasileira unicamente à União, e não aos entes subnacionais, isto é, estados e municípios.
  4. Do mesmo modo, tal processo fere gravemente a jurisdição da justiça nacional, ao peticionar em corte estrangeira, de forma concorrente, processo, fatos e seus impactos em julgamento em curso na justiça do Brasil.
  5. Adicionalmente, desrespeita a Constituição Federal, ao atribuir a municípios, detentores de autonomia, mas não independentes no sistema federativo, poderes derivados da soberania nacional, privativos da União, atacando a organização e a estrutura do Estado nacional.
  6. É uma agressão sem precedentes na nossa história recente, a pretensão de submeter a soberania brasileira à extraterritorialidade e à justiça inglesa, como nos tempos do Brasil Colônia, retrocesso que jamais será aceito pelas nossas instituições.
  7. ⁠Por fim, o fundo abutre e a banca associada, simulando desinteresse, e em defesa dos atingidos, ficariam, em caso de vitória, com a parte do leão das indenizações propostas a 60 municípios e mais de 700 mil pessoas, aos quais concederiam as sobras, nada mais do que migalhas, usando as vítimas como marionetes para objetivos inconfessáveis. Compensações e indenizações, sem dúvida, são justas e devidas, mas a serem determinadas pela justiça do Brasil.
  8. ⁠Agredir, com esse comportamento, a soberania nacional, faltar com o respeito ao nosso sistema de justiça e rasgar nossa Constituição equivale a reeditar um típico ato de neocolonialismo, o que trai o objetivo oculto de se apropriarem da Vale, maior empresa privada do Brasil, da qual cobram, em indenizações, 36 bilhões de libras, algo como 264 bilhões de reais, valor de mercado da empresa e da mina de Carajás, a maior de minério de ferro do mundo, cujo detentor soberano é o povo.
  9. Os brasileiros devem ser informados que esta mesma banca advocatícia mantém processos judiciais no exterior contra empresas que atuam no Brasil, caso da Vale, Samarco, Hydro e Braskem – a acionista controladora da Braskem é a Novonor (participação de 50,1%) e a Petrobrás detém 47% da empresa.