Apenas 53,1% do cerrado se mantêm intactos. A constatação é do Mapbiomas, que denuncia o feroz avanço das atividades agrícolas — expandiram-se 508%, passando de quatro milhões de hectares para quase 25 milhões de hectares. Especialistas afirmam que a degradação se deu ao longo de 37 anos, um espaço de tempo considerado curto e que torna ainda mais grave a situação do bioma.
Segundo Laerte Guimarães, professor da Universidade Federal de Goiás (UFG) e coordenador do Atlas das Pastagens, o desmatamento do cerrado deu um grande salto nos últimos três anos. Um novo padrão tem sido observado no monitoramento, com frentes de expansão no norte de Goiás e no oeste do Tocantins.
“É uma terceira frente. Infelizmente, vimos o desmatamento retomar em todos os biomas do Brasil. No caso do Cerrado, (o desmatamento) ficou como se fosse um preço justo em troca da preservação da Amazônia”, acusou.
As derrubadas, porém, cobram um preço que prejudica até mesmo quem as pratica para poder aumentar a área de produção. “Importante ressaltar que os impactos estão comprometendo o agronegócio. A capacidade das terras do cerrado de servirem como grandes áreas geradoras de alimentos nos leva à insegurança alimentar. Existem dados irrefutáveis de que o bioma está se tornando mais seco e mais quente”, alerta Laerte.
Um estudo publicado pela revista Science, do qual o Mapbiomas participou, aponta que o desmatamento em todo o planeta está de 90% a 99% associado à agropecuária. No Brasil, essa porcentagem é de 98%.
No cerrado, a monocultura da soja é uma das principais responsáveis pelo desmatamento, de acordo com levantamento do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN). Entre agosto de 2020 e julho de 2021, o bioma perdeu uma área de vegetação nativa equivalente a seis cidades como a capital do estado de São Paulo — um aumento de 8% em relação ao mesmo período de 2019.
Ainda assim, a produção no cerrado é menor do que poderia ser. Laerte explica que ocupar áreas de forma inteligente e sustentável favorece o agronegócio, pois o bioma foi convertido, em sua maioria, em áreas cultiváveis. “Poderia solucionar dois problemas ao mesmo tempo: aumentar a produção sem causar novos desmatamentos e ocupar regiões degradadas. Trechos que não têm aptidão agrícola poderiam servir para a regeneração do Cerrado”, argumenta.
Terena Castro, assessora técnica do ISPN, ressalta a possibilidade de a devastação vista atualmente trazer a insegurança alimentar. “A ameaça real é um risco para a nossa segurança alimentar, para nossas fontes de água e para o equilíbrio climático global”, salienta.
Desperdício
A principal descoberta dessa análise publicada na Science é que a maior parte da área derrubada em todo o planeta — entre 40 a 45%, variando de país e de bioma — não se torna produtiva. Constatou-se que houve lugares em que se retirou a vegetação, mas os desmatadores, depois de terem feito o estrago, perceberam que ali não havia condições de produção. O resultado é que essas áreas são abandonadas ou mal utilizadas.
“Há um grande desperdício de vegetação natural. A questão principal é que não precisa desmatar mais para produzir a pecuária. Tem é que saber como fazer o bom uso do solo. Grande parte da produção brasileira acontece com baixa qualidade”, aponta Tasso Azevedo, coordenador-geral do Mapbiomas.
Ele salienta que se o produtor adotar práticas de agricultura de baixo carbono, por exemplo, é possível ter um solo mais bem manejado. “A chave é aumentar a produtividade e as práticas para aumentar a conservação dos solos nos pastos, o que leva a melhorar a produtividade, usar menos área. Isso leva a sobrar mais áreas para os cultivos agrícolas e para a recuperação de florestas em áreas agrícolas”, ensina.