Por João Werneck

Embora se saiba que diferentes atores e circunstâncias influenciam no rumo da economia brasileira, o mundo emergente está de olho no governo de Joe Biden e no FED. Em entrevista à Sputnik Brasil, economista avaliou o papel dos EUA na crise econômica brasileira.

O mundo emergente olha com atenção para as recentes determinações do Federal Reserve (FED, na sigla em inglês), o sistema de bancos centrais dos Estados Unidos. A maior economia do mundo, dona de um PIB de U$S 22 trilhões (R$ 119,2 trilhões), pode arrastar a América Latina para uma crise histórica, que bate à porta da economia brasileira, cuja inflação encontra-se na casa dos dois dígitos (10,8%).

Embora a defasagem nas cadeias de produção global seja apontada como uma das principais razões para o colapso inflacionário no mundo, o papel da economia norte-americana não deve ser negligenciado, sobretudo tratando-se de sua influencia nas economias emergentes. Em dezembro, os EUA tiveram a sua maior inflação em 40 anos. Nas últimas semanas, a pressão interna sobre Joe Biden para reverter este cenário chegou a níveis alarmantes.

O presidente norte-americano, inclusive, foi flagrado nesta semana xingando um jornalista da Fox News. O repórter queria saber se a inflação no país poderia ser uma desvantagem política para o Partido Democrata diante das eleições legislativas de novembro. Biden, sarcasticamente, respondeu: “Não, isso é um grande trunfo. Mais inflação”. Logo depois murmurou no microfone, que aparentemente deveria estar desligado: “Que filho da p*** estúpido!”.

Além da inconveniência da resposta, a anedota revela um problema econômico que atinge o resto do mundo, em especial o mundo dos países emergentes, como o Brasil. E enquanto os governos da América Latina respondem aos impactos das ações do FED, a grande questão é: para onde a política econômica dos EUA está empurrando o nosso país?

Para o professor economista e diretor do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica da Unicamp, Lucas Teixeira, as ações do FED deixam o governo brasileiro praticamente de “mãos atadas”, sobretudo com relação às políticas macroeconômicas que o país poderia adotar para reverter o cenário de perda do poder de compra pela população, a desvalorização do real, e a queda acentuada do PIB.

Teixeira explicou que “a perspectiva no ar é de que haverá um [novo] aumento dos juros por parte do Banco Central norte-americano, o FED” [em março], o que não é bom para as economias emergentes. Isso acontece porque, com o aumento dos juros, aumentará também a rentabilidade dos ativos dos EUA, e então “existe uma tendência do capital financeiro internacional de migrar para os Estados Unidos”.

Quando os juros sobem nos EUA…

Ao subir os juros, os investimentos internacionais são “deslocados”. Esse processo atinge o mundo todo, que passa a olhar para o preço do dinheiro pago pelo BC dos EUA, e o considera mais atrativo do que investimentos em produção. Como o dólar é moeda mundial, quando os EUA aumentam os juros, o mercado começa a “correr atrás” dos dólares.

Deste modo, acontece uma pressão no câmbio (desvalorização), o que pressiona a inflação e também a taxa de juros aqui no Brasil. O economista explica que a “saída de capital do Brasil, alinhada à pressão para desvalorização cambial, pode gerar mais inflação e redução da renda e dos salários, com um efeito contracionista para a economia brasileira”.

O Brasil de mãos atadas

Como a economia do Brasil é muito integrada com a internacional, o economista disse que o governo brasileiro, no âmbito monetário, está praticamente sem ter para onde correr. “Se não faz nada, há desvalorização cambial e inflação, e, se aumenta os juros, há potencial recessivo”, explicou.

Embora o cenário apresente uma “escolha de Sofia” para o Brasil, “há outras medidas que poderiam ser consideradas”, porém, elas esbarram nos discursos protagonizados pelo governo. Teixeira avalia, por exemplo, a possibilidade de uma revisão na política fiscal, “que pode contrabalancear esse impacto recessivo”.

O problema, entretanto, é o ano eleitoral. Lucas Teixeira disse que, nesse cenário de eleição, “é difícil saber se haverá uma expansão de gastos [política que ele defende como solução]”, sobretudo no lado social, embora o governo tenha rompido o teto de gastos.

O aumento dos preços da energia e dos alimentos levou à alta da inflação em muitos países. Esses fatores globais podem continuar a aumentar a inflação em 2022, especialmente os altos preços dos alimentos e de commodities. Isso tem consequências particularmente negativas para as famílias em países de baixa renda, onde cerca de 40% dos gastos de consumo são em alimentos.

Os problemas do Brasil

O aperto monetário nos EUA pode gerar outro problema para o Brasil: o atraso na recuperação econômica dos países emergentes da Ásia. Quando falamos em mercado asiático, estamos falando de 46% das exportações brasileiras. O economista relembra que, historicamente, o aumento na taxa de juros dos EUA contribui para colocar a economia mundial em recessão.

Teixeira pontuou que a China está tomando medidas para que a sua economia não seja afetada. “A China tem capacidade de se descolar e crescer de forma mais autônoma”, avaliou. Ainda assim, as expectativas para o PIB da China em 2022 não são animadoras. Os impactos para o Brasil, com a desaceleração econômica da China, afetarão vários setores da economia, inclusive gerando efeito negativo sobre as taxas de emprego.

Na versão atualizada do relatório Perspectiva Econômica Mundial divulgada nesta terça-feira (25), o FMI reduziu a projeção de crescimento da Ásia emergente em 2022 para 5,9%, ante 6,3% do prognóstico de outubro. O rebaixamento deveu-se em grande parte a um forte corte de 0,8% na estimativa de crescimento para a China em 2022, a 4,8%, o que refletiu impacto dos problemas do setor imobiliário e desdobramentos sobre o consumo.

Os EUA estão catalisando uma crise?

O maior medo nos EUA, segundo o economista da Unicamp, é que a inflação norte-americana se estabilize nesse patamar, o mais alto dos últimos 40 anos. Além disso, “a questão dos estrangulamentos na cadeia global de produção tem uma relação forte com o aumento de preços nos EUA”.

O especialista avalia que o maior desafio de Biden é que ele prometeu crescimento e expansão dos gastos. Porém, o cenário norte-americano é inflacionário, e embora seja possível adotar medidas recessivas (como o aumento de juros e a redução de gastos públicos), as medidas impossibilitariam que ele cumprisse sua promessa de crescimento econômico, geração de emprego e renda.

É importante, neste sentido, relembrar a pesquisa YouGov/CBS, realizada entre 12 e 14 de janeiro de 2022, que mostra que 50% da população norte-americana se diz “frustrada” com o governo de Joe Biden. Um ano depois de tomar posse como presidente, Biden enfrenta o pior momento em sua popularidade.

O levantamento perguntou aos entrevistados como eles se sentiam em relação à administração do democrata. Depois de frustração, as principais respostas também foram negativas, como “desapontados” e “nervosos”. Além disso, tópicos ligados à economia foram cruciais para derrubar as taxas de aprovação do presidente. A alta da inflação é criticada por 70% da população.

A avaliação é que Joe Biden está em apuros ao buscar medidas alternativas para o controle da inflação. Nos EUA, há um grande debate sobre quais medidas devem ser adotadas, e até o controle de preços é avaliado pelos economistas. Para Lucas Teixeira, no entanto, é “improvável que os EUA estimulem o controle de preços”.

Fonte: Sputnik News Brasil