A assembleia geral da Petrobras aprovou, nesta quarta-feira (13), o nome de José Mauro Ferreira Coelho para o colegiado da companhia, abrindo caminho para que ele assuma a presidência da estatal e, com isso, encerrar um conturbado processo de troca de comando que, mais uma vez, levantou dúvidas sobre a vulnerabilidade da estatal a influências políticas.

A confusão começou após a demissão do general Joaquim Silva e Luna, que se desgastou com o presidente Jair Bolsonaro (PL) em razão do mega-aumento dos combustíveis. A decisão do governo foi interpretada como uma tentativa de pressionar pela revisão da política de preços.

Em seguida, foi a vez da nomeação de Adriano Pires soar o alerta de interferência. O então indicado para a presidência da estatal era ligado a Carlos Suarez, empresário com interesses no setor de gás e próximo a políticos do centrão –entre eles o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Já Coelho é um nome considerado técnico e que deve manter a atual política de preços dos combustíveis. O resultado mostrou que a margem para manobras na estatal é limitada e um dos motivos para isso são as regras de governança e conformidade adotadas pela companhia.

Por ser acionista controlador, o governo federal consegue mudar a gestão da estatal com uma certa facilidade. Tanto que Coelho será o terceiro presidente em pouco mais de três anos de gestão Bolsonaro.

No entanto, a influência do governo é restrita –pelo menos no papel. Após a Operação Lava Jato, a Petrobras fez alterações em seu estatuto, implantando medidas para proteger o interesse dos acionistas.

Boa parte das novas regras internas foram no sentido de evitar casos de corrupção.

Além de criar comitês de controle de diretores, a estatal adotou um novo regime disciplinar, inaugurou um canal de denúncias operado por empresa especializada, e mudou o sistema de licitações para combater fraudes.

A Petrobras chegou até a proibir no código de conduta que seus empregados se encontrem com políticos sem a presença de testemunhas.

Novas mudanças no estatuto estavam previstas para serem discutidas na assembleia de quarta-feira, mas o governo conseguiu adiar a votação a pedido do MME (Ministério de Minas e Energia), sob a justificativa de que não teve oportunidade para avaliar as medidas.

O pedido do governo foi criticado por acionistas minoritários favoráveis às medidas, que chegaram a propor reclamação na CVM (Comissão de Valores Mobiliários) por abuso do poder de voto do governo durante a assembleia.

Entre outras mudanças, a Petrobras propõe transferir para o conselho de administração decisões sobre a política de responsabilidade social e estabelecer quórum qualificado para nomeação e destituição do diretor de Governança da estatal.

Em resposta, o diretor de Governança da Petrobras, Salvador Dahan, afirmou nesta quinta-feira (14) que a companhia apresentou a diversas instâncias do governo a proposta de reforma do estatuto social que reforça a estrutura de governança da empresa.

Entenda abaixo as regras em vigor que buscam blindar a estatal de ingerência externa.

Leis das estatais 

As principais travas são baseadas na Lei de Responsabilidade das Estatais (13.303/2016), sancionada em 2016 pelo então presidente interino Michel Temer (MDB).

A legislação estabeleceu regras para a nomeação de diretores e conselheiros, proibindo a indicação de dirigentes partidários ou de políticos que tivessem disputado eleições nos 36 meses anteriores.

Outra exigência é que o escolhido tenha experiência de dez anos em cargos de empresas do setor ou quatro anos em companhias similares.

Depois, a nomeação precisa passar por análises internas. Conhecida como “background check”, a avaliação inclui não só o currículo dos candidatos, mas também investiga se eles são alvos de processos, se possuem dívidas financeiras ou tiveram atuação em partidos políticos.

O estatuto ainda veda a indicação de pessoas que fizeram negócios com o governo ou com a própria Petrobras nos três anos anteriores. A existência de familiares nessas condições também configura um impeditivo.

Estrutura de governança

De 2016 para cá, a petroleira também fez alterações em seu modelo de governança para aprimorar o processo decisório.

A assembleia geral de acionistas é o órgão composto por todos os acionistas. O conselho fiscal tem a atribuição de fiscalizar se a administração está em conformidade com a lei e com o estatuto social, bem como opinar sobre as demonstrações financeiras.

Já o conselho de administração é o órgão responsável por aprovar estratégias e nomeações para a diretoria da estatal. Enquanto o presidente da Petrobras e os oito diretores executivos são responsáveis pela gestão da companhia.

É do conselho que podem sair mudanças na política de preços dos combustíveis. Atualmente, das 11 cadeiras, sete são ocupadas por indicados do governo, três pelos acionistas minoritários e uma reservada à representante dos funcionários.

Contudo, tanto a Lei das Estatais quanto o estatuto da Petrobras têm mecanismos para evitar operações com prejuízo —o que diminui as chances de represamento dos preços.

Regras do mercado financeiro

Por ser uma empresa de capital aberto, a petroleira é fiscalizada por órgãos de controle do mercado de capitais.

No Brasil, a companhia segue regras da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e da B3. Já no exterior, cumpre as determinações de órgãos semelhantes, como o SEC (Securities and Exchange Commission), nos Estados Unidos.

As travas para mudanças bruscas são tantas que o mercado financeiro pouco se estressou com o vaivém de indicações para a presidência da Petrobras. A confusão foi, inclusive, vista como um indicativo de que as regras de governança estavam funcionando bem.

No dia da demissão de Silva e Luna, as ações mais negociadas da petro caíram 2,17%. Mas, no dia seguinte, os papéis da companhia subiram 2,22%, levando a Bolsa a registrar o melhor resultado desde agosto de 2021.

Especialista veem espaços para melhora na governança

Para especialistas em governança corporativa, as mudanças internas feitas pela Petrobras nos últimos anos, assim como a Lei das Estatais, melhoraram a conformidade da companhia. No entanto, algumas decisões ainda causam estranhamento.

Fabio Lucato, sócio do escritório Chediak Advogados e especialista em compliance e investigações, diz que a petroleira se tornou uma empresa mais preparada após a Lava Jato. Por outro lado, ele ainda nota uma constante interferência política.

“Uma coisa é o que está nos códigos e outra é o que vemos na prática. Ainda percebemos que há uma influência que acaba contaminando a atuação. Isso é corriqueiro”, afirma.

Lucato lembra que a Petrobras é um player relevante na economia, impactando desde o preço da gasolina até o desempenho da Bolsa de Valores e a popularidade de candidatos.

“É claro que o presidente vai estar com o ministro da Economia ‘pari passu’ [no mesmo passo] para tentar tomar para si algum tipo de gestão. A empresa está suscetível a isso, embora o programa de integridade e prevenção à corrupção busque justamente trazer regras de governança e minimizar essas influências”, diz.

Para Jonathan Mazon, sócio do Junqueira Ie Advogados e especialista em governança corporativa, a governança da Petrobras parece ser robusta no papel e as tentativas mal-sucedidas de interferir na política de preços indicam um bom funcionamento.

No entanto, ele entende que o vaivém no comando da estatal é excessivo. “Dificilmente é possível continuar uma política consistente com tantas trocas de comando. Se fosse uma empresa privada, eu

diria que há alguma questão de governança, ou uma desgovernança”, afirma.
Tanto ele quanto Lucato concordam que nenhuma governança corporativa é infalível, pois os fatores humano e político não podem ser desconsiderados. “Sempre é possível haver um grau de interferência, ainda que seja simplesmente trocar as pessoas”, afirma Mazon.

Fonte: Folhapress


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