Ao contrário do que sugere o nome, às vezes é muito difícil conseguir transferência de pacientes por meio do sistema SUS Fácil. Horas de espera, que podem chegar a dias, deficiência nas informações disponibilizadas e falta de transparência nos procedimentos podem agravar a situação ou mesmo custar a vida de pacientes à espera por um leito hospitalar em todo o Estado.
O Executivo acena com uma nova ferramenta para solucionar o problema, ainda sem prazo para ser lançada. Mas os participantes da audiência pública realizada na tarde desta quinta-feira (4/4/24), pela Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), cobraram ajustes imediatos no SUS Fácil e em alguns pontos da rotina de regulação de leitos do Sistema Único de Saúde (SUS) em Minas Gerais. A reunião foi solicitada pelo deputado Lucas Lasmar (Rede).
O SUS Fácil é um software desenvolvido pela Companhia de Tecnologia da Informação do Estado de Minas Gerais (Prodemge) para agilizar o atendimento hospitalar público no Estado, abrangendo serviços ambulatoriais de média e alta complexidade, bem como urgência, emergência e procedimentos eletivos credenciados ao SUS.
A troca rápida de informações entre as unidades da rede do SUS, 24 horas, sete dias por semana, torna possível a regulação assistencial, com pacientes tendo acesso a leitos e procedimentos onde quer que eles estejam disponíveis.
Para isso, o programa promove a integração entre 13 centrais de regulação regionais, quatro centrais municipais (Belo Horizonte, Uberlândia, Uberaba e Juiz de Fora), as 853 secretarias municipais de saúde e 1.470 estabelecimentos de saúde. Atualmente conta com 114,5 mil usuários ativos.
Os chamados médicos reguladores, que agora trabalham remotamente, desempenham um papel crucial nessa engrenagem ao avaliar a gravidade dos casos e encaminhá-los para o atendimento rápido e adequado. No ano passado, segundo dados da Secretaria de Estado da Saúde (SES), foram mais de um milhão de solicitações no sistema. Foi na pandemia de Covid-19 que o sistema e seus operadores foram mais exigidos.
“Mas, na prática, o SUS Fácil é muito ruim. É um sistema com problemas sistêmicos”, aponta Lucas Lasmar. Em uma apresentação, o parlamentar relatou os principais problemas e questionou os representantes da SES e da Prodemge o porquê deles ainda não terem sido solucionados apesar de já terem sido relatados em outras oportunidades na ALMG e em contatos com o Executivo.
Comissão cobra transparência e agilidade na transferência de pacientes
Conforme relatado na audiência, um dos mais graves é a impossibilidade de anexar imagens no sistema, como laudos e fotografias. Isso leva, por exemplo, a questionamentos desnecessários via o chat do SUS Fácil, repetição de exames, telefonemas de madrugada e troca de documentos em aplicativos de mensagens entre os profissionais de saúde, em meio à corrida contra o tempo por uma transferência que pode salvar a vida dos pacientes mais graves.
O parlamentar lembrou que inclusive já apresentou projetos de lei (PL) para tentar corrigir, na visão dele, algumas falhas mais graves, como o 1.368/23 (modernização do sistema), 1.709/23 (fila de espera) e 1.797/23 (reconhecimento facial dos médicos reguladores em teletrabalho), que ainda tramitam no ALMG.
“Como provar que o médico regulador está mesmo na frente do computador em um sábado à noite? Recebemos a denúncia de um médico que estava de plantão em um hospital e, ao mesmo tempo, atuava remotamente na regulação de vagas. Como é que ela vai regular leitos assim?”, disse o deputado Lucas Lasmar.
Doutor Jean Freire (PT) também disse já ter enfrentado diversas dificuldades na transferência de pacientes em sua atuação como médico, sobretudo no contato com os colegas reguladores.
“Falta humanização na regulação. No desespero de tentar salvar um paciente, liguei e o profissional disse que só conversava comigo pelo chat. Mesmo assim, o SUS é um sistema fantástico, o mais importante é saber exatamente o que não está funcionando”, pontuou.
Mesmo com acesso ao sistema, MP não consegue informações
A promotora Josely Ramos Pontes, da 2ª Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde, reforçou as críticas ao funcionamento do SUS Fácil. Com o objetivo justamente de fiscalizar seu funcionamento, o Ministério Público (MP) é um dos entes com acesso ao sistema.
Mas ela reclama, por exemplo, da impossibilidade de extrair relatórios para auditar as decisões já tomadas por meio dele, como o histórico de andamento da fila para exames e cirurgias. Um dos gargalos mais graves, segundo a promotora, seria a cirurgia ortopédica, na qual a espera pode chegar a vários anos.
“Do ponto de vista ético, a regulação em Minas Gerais precisa avançar. Temos notado pedidos de transferência omissos para alguns pacientes e turbinados para outros. Há uma transferência absurda de casos de neurocirurgia para BH sendo que temos 25 hospitais habilitados para isso em toda Minas Gerais. Também sou absolutamente contrária ao trabalho remoto dos médicos reguladores. Tudo isso revela muitas coisas e nos preocupa muito”, Josely Pontes Promotora.
Segundo a promotora, alguns médicos regulares têm ficado responsáveis por até 1.200 pacientes e até de duas centrais regionais diferentes, sem contar que alguns municípios estariam se negando a participar da regulação via SUS Fácil.
“É comum o paciente esperar 48 horas para ser transferido e o leito ficar parado em BH. Assim, o caso que era eletivo acaba virando uma urgência pelo tempo de espera”, lamenta a promotora.
Ela disse estranhar ainda que os dados do sistema não sejam utilizados na formulação de políticas públicas pelo Estado, citando, como exemplo, o grande número de queimaduras de causas duvidosas em crianças e adolescentes e de tentativas de suicídios.
Nova ferramenta já está sendo elaborada
Diante deste cenário desolador relatado na audiência, a solução pode ser a substituição do SUS Fácil por uma nova ferramenta, que já está nos planos do Executivo por meio do projeto estratégico “Regulação 4.0”, conforme revelou, em sua apresentação, a diretora de Regulação do Acesso de Urgência e Emergência da SEE, Amélia Augusta da Silva.
Segundo ela, embora ainda não tenha sido definido um prazo para sua implantação, a nova ferramenta deve ampliar, padronizar e organizar melhor as informações dos pacientes, inclusive com o upload de imagens, permitindo uma tomada mais rápida de decisões, até mesmo de forma automatizada com o auxílio de inteligência artificial.
E já em dezembro deve entrar em funcionamento uma nova estratégia para o desenvolvimento de painéis de monitoramento dos indicadores da demanda a partir dos dados do SUS Fácil. Embora reconheça dificuldades pontuais do sistema atual, ela lembrou que já existem dezenas de protocolos para orientar as decisões conforme critérios objetivos e que 78 tipos de relatórios podem ser gerados atualmente com os dados disponíveis.
Sobre o trabalho remoto dos médicos reguladores, ela justificou que o Executivo, por meio das áreas responsáveis, tem fiscalizado isso atualmente pelo horário de login no sistema. Mesmo assim, ela pediu que denúncias sejam encaminhadas à Secretaria de Estado de Governo para as providências cabíveis.
“A regulação é baseada em critérios clínicos e assistenciais objetivos, mas o SUS Fácil é um sistema antigo. Conforme nossa equipe técnica, ele não foi criado para enviar imagens pesadas, apenas para a regulação. E muitos problemas relatados são provenientes da má utilização, e a culpa é colocada sobre a ferramenta. Será por exemplo que todos os entes que a utilizam estão treinando nem suas equipes?”, afirmou Amélia Silva Diretora de Regulação da SEE.
Por fim, o diretor-presidente da Prodemge, Roberto Tostes Reis, alegou que a empresa, que já implementou cerca de 600 sistemas no Estado, não tem autonomia para promover qualquer atualização no SUS Fácil, que é gerido pela área da saúde.
Mas, segundo ele, as sugestões de aprimoramentos feitas na audiência são “facilmente implementáveis”, desde que a SEE considera isso realmente prioritário. E, segundo ele, até o momento, isso ainda não foi pedido.
“Se o problema é conseguir subir imagem ou vídeo, temos diversas ferramentas que já fazem isso. Mas já que um novo sistema será criado, será que isso é mesmo prioridade agora?”, avaliou. Ele lembrou que o SUS Fácil foi desenvolvido a partir do código-fonte um sistema cedido pelo Governo do Ceará e que realmente está ultrapassado para os padrões atuais.