Por Marco Aurelio Carone
Todos países democráticos estão observando atentamente o comportamento da área militar brasileira – em especial os Estados Unidos da América – em relação a campanha, e a apuração dos votos.
Prova deste fato é a emenda apresentada ao Orçamento de Defesa dos EUA, que condiciona o apoio ao Brasil, à área militar não “interferir, parar ou obstruir contagem de urnas”.
A emenda ao Orçamento de Defesa dos Estados Unidos, em debate no Congresso do país, quer limitar a ajuda do país ao Brasil à ação dos militares brasileiros nas eleições deste ano. O texto, ainda não apreciado, condiciona regras de manutenção à democracia para que o dinheiro seja enviado para Brasília.
A emenda 893 proposta pelo deputado democrata Tom Malinowski, de Nova Jersey, junto com os também democratas AlbioSires (Nova Jersey), Joaquín Castro (Texas), Susan Wild (Pensilvânia), Ilhan Omar (Minnesota) e Hank Johnson (Geórgia), foi descoberta pelo site Brasil Wire e o documento contendo a emenda repassada com exclusividade para o Novojornal.
A emenda diz o seguinte:
“No prazo de até 30 dias após a entrada de efeitos desta Lei, o Secretário de Estado deve submeter ao Congresso um relatório com todas as ações tomadas pelas Forças Armadas do Brasil, com respeito às eleições presidenciais de outubro de 2022, para:
– Interferir, parar, ou obstruir a contagem de urnas ou procedimentos eleitorais por autoridades eleitorais competentes;
– Manipular, buscar manipular, ou reverter resultados de eleições;
– Se envolver em informação coordenada ou esforços de comunicação para minar a fé pública e a confiança em autoridades eleitorais independentes ou questionar a validade dos resultados eleitorais;
– Usar redes sociais ou outros meios de comunicação de massa, incluindo aplicativos de mensagens, para influenciar opiniões em massa sobre a validade dos resultados eleitorais ou com respeito a qualquer resultado desejado em particular;
– Encorajar, incitar ou facilitar manifestações presenciais ou contestações com respeito aos processos eleitorais, contagem de votos ou resultado das eleições, tanto antes quanto depois das eleições “
O texto garante que a ação das Forças Armadas brasileiras nestes quesitos pode representar o que Washington entende como “papel decisivo” e “golpe de Estado ou decreto”. Se tais condições forem aceitas, o país pode limitar os valores destinados pelo Orçamento de Defesa ao Brasil.
Militares brasileiros passaram a questionar o sistema eleitoral em 2021. Em agosto, Luís Roberto Barroso, então presidente do TSE, convidou as Forças Armadas a participarem da Comissão de Transparência das Eleições, que também reúne representantes do Congresso, da Polícia Federal e de outras entidades.
Nesta comissão, os militares fizeram 88 questionamentos ao sistema de votação, além de sugestões de mudanças nas regras do pleito. Quase todas as propostas foram rejeitadas pelo TSE. Em alguns casos, técnicos do tribunal apontaram erros de cálculos e confusões de conceitos na análise dos militares.
Em nota, o Ministério da Defesa disse não haver interferência dos militares nas eleições brasileiras. “O ministério reitera que as Forças Armadas participam, a convite do TSE, da Comissão de Transparência das Eleições (CTE). Nesse trabalho, as Forças Armadas apresentaram propostas técnicas para atender ao propósito do TSE de aperfeiçoar a segurança e a transparência do processo eleitoral. A participação dos militares na CTE se dá de maneira colaborativa e segue as resoluções do TSE”, afirma o comunicado.
Os questionamentos feitos pelos militares são usados pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) para reforçar dúvidas sobre o sistema eleitoral brasileiro, algo que ele fez diversas vezes ao longo do mandato. Bolsonaro disputa a reeleição, e esses questionamentos podem ser usados como razão para não aceitar uma derrota nas urnas, repetindo uma tática usada pelo ex-presidente Donald Trump nos EUA, em 2020.
O republicano se recusou a reconhecer o resultado, pressionou autoridades a mudar números e incitou uma turba a defendê-lo. Seus apoiadores invadiram o Congresso em janeiro de 2021 para tentar impedir a confirmação da vitória do presidente Joe Biden. A ação é investigada pelo FBI e por uma comissão do Congresso.
“A atenção dos democratas, inclusive daqueles mais conservadores, vem de uma preocupação real que o que passou nos Estados Unidos se repita no Brasil com uma tentativa de golpe. Eles entendem que o risco existe e não querem que os EUA estejam por trás disso”, avalia Juliana Moraes, conselheira de relações institucionais do Washington Brazil Office, entidade que pesquisa a relação entre os dois países.
As relações entre Brasil e Estados Unidos tiveram dois movimentos importantes em junho deste ano. No começo do mês, os presidentes Biden e Bolsonaro se encontraram pela primeira vez, em Los Angeles. Após a reunião, o governo americano reafirmou ter confiança no sistema eleitoral brasileiro.
Também em junho, a indicação de Elizabeth Bagley para ser embaixadora dos EUA no Brasil não obteve aprovação na Comissão de Relações Exteriores do Senado. Com isso, Biden terá de fazer mais negociações para obter a confirmação dela ou indicar um novo nome para o posto.
Em março de 2020, Brasil e Estados Unidos assinaram, no estado americano da Flórida, um acordo na área militar para desenvolvimento de projetos futuros. O Acordo de Pesquisa, Desenvolvimento, Teste e Avaliação (RDT&E, sigla em inglês) vai, segundo o Ministério da Defesa (MD), abrir caminho para aperfeiçoar ou prover novas capacidades militares. É, segundo o ministério, um acordo que balizar os acordos posteriores entre os dois países.
“O RDT&E é um passo inicial para que Brasil e EUA desenvolvam projetos conjuntos na área de Defesa. […] Cada acordo de projeto que venha a ser desenvolvido pelas partes deverá ser executado em consonância com os termos do RDT&E, assim como os respectivos leis e regulamentos nacionais de cada parte”, afirmou o MD, em nota.
O governo brasileiro buscava facilitar seu acesso ao mercado norte-americano na área de defesa, bem como facilitar a entrada de produtos brasileiros em outros 28 países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). A OTAN é uma aliança militar intragovernamental da qual o Brasil não faz parte, mas em agosto de 2019, os Estados Unidos designaram o Brasil como aliado militar preferencial do país fora dessa aliança.
“É uma afirmação dos fortes laços existentes entre as nossas Forças Armadas, laços que continuam crescendo. Assinamos um acordo histórico esta manhã, que abre caminho para um compartilhamento e desenvolvimento ainda maior. Hoje discutimos sobre oportunidades e ameaças que minam a democracia e a estabilidade nos Estados Unidos e no Brasil”, disse o Almirante de Esquadra da Marinha americana, Craig Feller, após a assinatura do acordo.
Em seu discurso, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, seguiu na mesma linha e exaltou a parceria com o país norte-americano.
“Temos os Estados Unidos como um parceiro importante. Estivemos juntos pela democracia e liberdade na Segunda Grande Guerra e hoje estamos discutindo aspectos do ambiente regional. […] Hoje mais um acordo inédito que assinamos com os Estados Unidos, e que poucos países têm, para o desenvolvimento na área de defesa, pesquisa, tecnologia, testes, avaliação e desenvolvimento nos aspectos que concernem a defesa”.
A assinatura do acordo ocorreu durante a visita do presidente Jair Bolsonaro ao Comando Militar do Sul, responsável por coordenar as operações militares dos Estados Unidos no Caribe, Centro e América do Sul.
Integravam a comitiva brasileira, além do presidente e assessores próximos, os ministros Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Fernando Azevedo e Silva (Defesa) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional).