Por Marco Aurélio Carone
Em uma ação de grande impacto, a Associação Nacional dos Atingidos por Barragens (ANAB) apresentou uma petição ao Supremo Tribunal Federal (STF) exigindo mais transparência e participação das comunidades afetadas na repactuação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, Minas Gerais. O novojornal obteve acesso exclusivo a essa ação, que denuncia a ausência de representatividade no processo e propõe ajustes essenciais para que a reparação seja justa e realmente alcance todos os atingidos.
A ANAB destaca, na petição, que desde o rompimento da barragem, em 2015, milhares de pessoas seguem excluídas das decisões de reparação. Entre os afetados estão comunidades inteiras, trabalhadores informais e populações tradicionais que ainda sofrem com perdas ambientais, econômicas e psicológicas profundas. A ANAB aponta que o atual modelo de repactuação, conduzido sem a devida consulta aos atingidos, não só contraria as diretrizes da Política Nacional dos Atingidos por Barragens (PNAB) e da Política Estadual de Atingidos por Barragens de Minas Gerais (PEAB), como também desrespeita a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante o direito à consulta para comunidades impactadas.
De acordo com a associação, a falta de participação viola um dos princípios fundamentais dessas políticas: o de assegurar que os atingidos tenham uma voz ativa nos processos que envolvem suas próprias vidas. A petição expressa a frustração da ANAB e das comunidades com a falta de abertura para diálogo e decisão, e pede que o STF atue para corrigir o que consideram ser um erro sistêmico no processo atual.
A ANAB chama atenção para a exclusão de trabalhadores informais, como pescadores e agricultores familiares, principalmente em cidades do Espírito Santo e no extremo sul da Bahia, regiões que dependem do Rio Doce e que foram gravemente afetadas pela poluição após o desastre. O texto destaca que, embora essas populações vivam diretamente do rio, elas foram deixadas de fora do processo de indenização por não possuírem documentação formal de suas atividades, algo comum em setores informais da economia.
A associação argumenta que essa exigência de formalização desconsidera a realidade socioeconômica desses trabalhadores, que dependem da pesca e da agricultura para sua subsistência. A ANAB propõe, assim, a flexibilização das exigências documentais para permitir que trabalhadores informais sejam incluídos nas compensações e não sofram ainda mais prejuízos com a exclusão.
Para assegurar que a repactuação seja realmente justa, a ANAB sugere a criação de um comitê local composto por representantes dos atingidos, especialistas e observadores independentes, que poderiam acompanhar as decisões de indenização e garantir que sejam justas e fundamentadas. Esse comitê teria poder de supervisão e de intervenção em casos onde pedidos de compensação fossem negados sem justificativa adequada, promovendo um controle público mais efetivo.
A proposta surge como resposta a críticas recorrentes de que o atual processo de indenização é feito pela Samarco e pela Fundação Renova, ambas apontadas como negligentes com as demandas das comunidades. Segundo a ANAB, a criação desse comitê traria mais transparência e permitiria que os próprios atingidos fiscalizassem o andamento do acordo de repactuação, evitando injustiças e exclusões.
Outro ponto de destaque na petição é a inclusão de comunidades tradicionais, como quilombolas e indígenas. A ANAB denuncia que o acordo atual reconhece um número muito restrito de comunidades tradicionais como afetadas, deixando de fora grupos que sofreram impactos significativos no desastre. A associação defende que todas as comunidades tradicionais impactadas sejam incluídas no processo de repactuação, sem a exigência de certificação formal, considerando o autorreconhecimento dessas comunidades como um critério suficiente, conforme estipulado na Convenção nº 169 da OIT.
A ANAB argumenta que a inclusão dessas comunidades é crucial para garantir que o processo seja justo e respeite a diversidade e as especificidades culturais dos afetados. Sem essa inclusão, muitas dessas comunidades estariam privadas de seus direitos de reparação, o que agrava ainda mais a situação já precária em que se encontram.
A petição também questiona a cláusula de “quitação ampla e irrestrita” exigida dos beneficiários de indenizações, que impede os atingidos de reivindicarem compensações futuras caso novos danos sejam identificados. A ANAB considera essa cláusula injusta, uma vez que os impactos do desastre ainda não foram completamente mensurados e podem surgir danos adicionais a longo prazo.
A associação solicita ao STF que revise essa cláusula, permitindo que os beneficiários mantenham o direito de solicitar compensações adicionais caso venham a precisar. Segundo a ANAB, essa é uma medida de proteção fundamental, pois os danos do rompimento da barragem podem ter consequências que se prolongam por décadas.
O controle público é um dos pilares defendidos pela ANAB para assegurar que o processo de indenização atenda a todos os atingidos de forma justa e transparente. A associação recomenda que todas as decisões de indenização sejam acompanhadas por representantes das comunidades e por observadores independentes, de modo a prevenir abusos e omissões. Essa fiscalização tornaria o processo mais claro e confiável para as populações atingidas, que, segundo a ANAB, têm enfrentado dificuldades em acessar os recursos prometidos.
Ao final, a ANAB reforça seu apelo para que o Supremo Tribunal Federal garanta a participação ativa dos atingidos e implemente medidas de fiscalização e controle público no processo de repactuação. Segundo a associação, a repactuação deve ser um processo de inclusão e reparação, não de exclusão e desigualdade. A petição conclui solicitando que o STF exija o cumprimento das diretrizes da PNAB e da Convenção nº 169 da OIT, garantindo uma reparação completa e justa para todas as comunidades atingidas.
A ANAB espera que o STF, ao julgar a ação, adote medidas que promovam a transparência e a inclusão, tornando o processo de repactuação mais acessível e justo para todos os envolvidos.
Ação Associação Nacional dos Atingidos por Barragens (ANAB)
Foto: Rogério Alves TV Senado