Por: Marco Aurélio Carone.

A recriação do seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores, agora chamado SPVAT, suscita discussões e descontentamento em todo o país. Aprovado em maio pelo Congresso e sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o novo DPVAT impõe um ônus adicional aos proprietários de veículos. Contudo, pelo menos cinco estados – entre eles São Paulo, Goiás, Santa Catarina, Paraná, Minas Gerais – e o Distrito Federal já afirmaram que não irão cobrar o tributo.

A postura dos governadores não anula a obrigatoriedade do pagamento, mas transfere aos cidadãos a tarefa de resolver a pendência junto à Caixa Econômica Federal, que ficou incumbida de operacionalizar o seguro. Em vez de facilitar, esta medida parece apenas complicar a vida dos motoristas, que agora terão de lidar com um processo burocrático extra para licenciar seus veículos e cumprir a lei.

Embora governadores afirmem que não vão repassar o custo ao cidadão, essa atitude traz implicações práticas. Primeiro, a ausência de um convênio com os estados implica que o pagamento do SPVAT não poderá ser realizado no ato do licenciamento estadual, como acontece com o IPVA, o que cria uma camada adicional de responsabilidade ao condutor. Na prática, mesmo que os estados se recusem a realizar a cobrança, o motorista deverá pagar o seguro diretamente à União.

A obrigatoriedade de pagar o SPVAT não é negociável: segundo a lei, o pagamento do tributo é um requisito indispensável para obter o licenciamento do veículo. Caso não seja quitado, o motorista corre o risco de circular irregularmente, sujeitando-se a multas de R$ 293,47, perda de sete pontos na carteira e até apreensão do veículo em caso de fiscalização. No entanto, com a recusa dos estados em operacionalizar a cobrança, os motoristas enfrentam um processo que, ao invés de simplificar o licenciamento, o torna mais complexo e potencialmente confuso.

Ao invés de zelar pela proteção dos cidadãos e assegurar o funcionamento do sistema, os governadores parecem ter optado por uma abordagem política, resistindo ao SPVAT com argumentos que, em sua maioria, apelam para a suposta preservação dos interesses dos contribuintes. O governador de Goiás, Ronaldo Caiado, chegou a chamar o novo DPVAT de “pouca vergonha” e declarou que “não vai cobrar DPVAT de ninguém”. A retórica dos governadores de oposição, embora soe popular e alinhada aos eleitores, cria uma confusão em que o cidadão é, mais uma vez, o maior prejudicado.

A maioria dos governadores se baseia em argumentos que visam a aliviar a carga tributária do cidadão, mas a realidade é que essa posição acaba gerando mais obstáculos aos proprietários de veículos. Romeu Zema, governador de Minas Gerais, classificou o seguro como “absurdo” e afirmou que não caberá ao estado realizar a cobrança. No entanto, Minas Gerais, assim como os outros estados mencionados, segue sem fornecer uma alternativa ou solução prática para o pagamento do SPVAT, limitando-se a transferir essa responsabilidade ao cidadão.

Em São Paulo, o governo estadual, liderado por Tarcísio de Freitas, rejeitou a proposta de convênio com a Caixa, alegando que a contrapartida financeira oferecida ao estado era insuficiente para cobrir os custos da operação. Enquanto isso, Santa Catarina argumenta que o cronograma federal para o SPVAT, que prevê o pagamento em janeiro, conflita com o calendário estadual do IPVA, complicando ainda mais o processo de cobrança e licenciamento.

Alegando buscar o bem-estar da população, os governadores afirmam que estão poupando o contribuinte de um novo tributo, mas isso esconde o fato de que a isenção do estado não anula a obrigatoriedade do pagamento. Pelo contrário, cria uma situação em que o motorista, para manter o veículo em situação regular, precisa arcar com a taxa em um processo separado, mais trabalhoso e sem um sistema de fácil integração entre o pagamento do SPVAT e o IPVA.

Historicamente, o DPVAT sempre desempenhou um papel fundamental ao indenizar vítimas de acidentes de trânsito, garantindo assistência a quem mais necessita. Extinto em 2020 pelo então presidente Jair Bolsonaro, sob justificativas de ineficiência e irregularidades, o seguro teve seu retorno aprovado em 2023, com a promessa de um novo modelo mais eficiente. Entretanto, para que essa promessa se cumpra, é necessário que todos os estados cooperem, o que não está acontecendo.

A Caixa Econômica Federal, operadora do SPVAT, afirma que a recusa dos estados não isenta o proprietário da obrigação de pagar o tributo e que, caso o estado não estabeleça um convênio, o próprio motorista deverá buscar os canais da Caixa para realizar o pagamento. Ou seja, embora os governadores de oposição tentem se posicionar como defensores dos interesses do contribuinte, eles deixam o cidadão desamparado frente a uma obrigação inescapável.

Os estados que optaram por não implementar a cobrança do SPVAT argumentam que isso preserva o orçamento do contribuinte, especialmente no início do ano, período em que muitos enfrentam despesas altas. No entanto, essa decisão não anula o custo: o motorista, que já lida com despesas como IPVA, manutenção e combustível, terá de se adequar a um procedimento adicional.

O SPVAT, estimado em R$ 50 a R$ 60 anuais, não é exorbitante em termos absolutos, mas o problema surge na execução e na dificuldade de adequação ao sistema estadual de licenciamento. A falta de coordenação entre União e estados se reflete na falta de orientação clara para os condutores, aumentando as chances de irregularidades no licenciamento e prejudicando aqueles que dependem do veículo para trabalho e outras atividades essenciais.

A postura dos governadores em não realizar a cobrança do SPVAT aparenta, a princípio, proteger o contribuinte. No entanto, ao se recusarem a operacionalizar o sistema, criam um cenário confuso e ineficiente para os proprietários de veículos, que terão de lidar com um processo fragmentado.

O DPVAT foi recriado com o objetivo de proporcionar mais segurança e proteção a todos os brasileiros no trânsito. O impasse entre estados e governo federal, no entanto, ameaça não apenas o funcionamento do sistema, mas também a tranquilidade dos motoristas. Para evitar que o SPVAT se transforme em uma fonte de complicações, é essencial que os governos estaduais e federal busquem uma solução cooperativa que garanta a efetividade e a transparência desse seguro.