Em depoimento prestado à Polícia Federal, o tenente-coronel Mauro Cid afirmou que o dinheiro entregue por Walter Braga Netto em uma caixa de vinho, para financiar um plano de assassinato de autoridades, foi obtido junto ao “pessoal do agronegócio”. A revelação do ex-ajudante de ordens embasou a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que ordenou a prisão do general no último sábado, dia 14.

De acordo com o depoimento de Cid, durante uma reunião no Palácio do Planalto ou na Alvorada, Braga Netto entregou o dinheiro solicitado para a execução da operação. Segundo Cid, o general explicou que os recursos haviam sido arrecadados junto ao setor do agronegócio. O montante foi entregue dentro de uma caixa de vinho, conforme relatado pelo militar.

A investigação da Polícia Federal aponta que o dinheiro seria usado para ações golpistas, incluindo a ida de manifestantes a Brasília e um plano para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, eleito em 2022, e do vice-presidente Geraldo Alckmin. Conversas obtidas pela PF indicam que o major das Forças Especiais do Exército Rafael Martins de Oliveira discutiu com Mauro Cid o pagamento de R$ 100 mil para financiar tais atividades.

As apurações mostram que o valor foi acertado em um encontro realizado na casa de Braga Netto em Brasília, no dia 12 de novembro de 2022, logo após o segundo turno das eleições. Nesse contexto, a PF considera o general como o “principal elo de financiamento” do plano. Um documento apresentado pela Polícia Federal destaca que as ações para capturar o ministro Alexandre de Moraes eram parte de um esquema articulado, com Braga Netto desempenhando papel central.

A PF também revelou mudanças nos depoimentos de Mauro Cid, que anteriormente negava ter conhecimento de financiamentos à trama golpista. Em uma nova oitiva realizada em 21 de novembro, o militar descreveu em detalhes a articulação envolvendo o dinheiro arrecadado e os planos apresentados na reunião com Braga Netto.

No cumprimento do mandado de prisão contra Braga Netto, a PF apreendeu dois celulares em sua residência. Em nota, a corporação informou que também cumpriu dois mandados de busca e apreensão e uma medida cautelar diversa da prisão, com o objetivo de evitar interferências na investigação. O general nega as acusações e insiste que nunca houve planos de golpe ou assassinato, afirmando que sempre agiu dentro da legalidade.

A conclusão da investigação aponta ainda que Braga Netto tentou obter informações sobre o acordo de colaboração premiada firmado por Mauro Cid. Segundo a PF, essa tentativa ocorreu por meio dos pais do militar, que teriam buscado contatos com o general e outras figuras-chave do caso. Mensagens obtidas pela polícia mostram que os pais de Cid teriam ligado para Braga Netto e Augusto Heleno, afirmando que as delações eram falsas.

Uma busca na sede do Partido Liberal (PL) encontrou um documento que funcionava como uma espécie de “perguntas e respostas” relacionadas ao acordo de delação de Mauro Cid. O material foi descoberto na mesa do coronel Flávio Peregrino, assessor de Braga Netto à época e ocupante de um cargo no partido.

O relatório da PF sugere que as perguntas, possivelmente elaboradas por pessoas próximas a Braga Netto, visavam esclarecer detalhes da delação de Mauro Cid. As respostas, escritas em vermelho, foram atribuídas ao próprio Cid e incluíam questões sobre o conteúdo das reuniões relatadas no acordo.

Em um dos trechos do documento, uma pergunta sobre “o que foi delatado” em relação às reuniões teve como resposta que “nada” foi dito, porque Mauro Cid “não entrava nas reuniões”. A PF classifica o contexto do material como grave, pois demonstra que o grupo criminoso buscava ativamente acessar informações sigilosas do acordo de colaboração.

As revelações fornecidas por Mauro Cid e os documentos apreendidos aumentaram as evidências contra Braga Netto, consolidando sua posição como figura central no esquema investigado. O relatório da PF, com quase mil páginas, também cita o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros 35 indivíduos indiciados por tentativa de golpe de Estado, organização criminosa e outros crimes.

No entanto, a defesa de Braga Netto mantém a negativa sobre qualquer envolvimento do general no caso. Em pronunciamentos anteriores, seus advogados afirmaram que ele agiu sempre de forma ética e legal, sem nunca compactuar com ideias golpistas ou ilegais.

O depoimento de Mauro Cid e os desdobramentos das investigações da Polícia Federal revelam uma trama complexa que envolveu militares, figuras políticas e o financiamento por setores privados, como o agronegócio. As acusações contra Braga Netto colocam em evidência as articulações de bastidores que buscavam interromper o curso democrático no Brasil após as eleições de 2022.

Enquanto as apurações continuam, o caso marca um momento crítico na história democrática do país, com a prisão de um general de quatro estrelas e a revelação de um esquema envolvendo altas patentes militares e políticos de destaque. Resta saber como as novas evidências irão influenciar os rumos do julgamento e a responsabilização dos envolvidos.

 

Foto: Lula Marques/ Agência Brasil