Angela Carrato (De Brasília) – Jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG.
O ministério possível. Assim está sendo definido o primeiro escalão do terceiro governo Luiz Inácio Lula da Silva, cuja composição final foi anunciada faltando apenas três dias para a posse.
Para esta montagem, Lula enfrentou desafios de todo tipo, a começar por conseguir acomodar forças tão diferentes e algumas quase antagônicas que compõem a frente política que garantiu a sua vitória sobre o neofascista Jair Bolsonaro.
Como seria de se esperar, o PT ficou com os ministérios essenciais. Os demais partidos que compõem a frente também foram aquinhoados.
A família Marinho não pode mais reclamar e nem chamar Lula de ingrato, depois que Simone “terceira via” Tebet foi anunciada para a pasta do Planejamento, da mesma forma que aliados de primeira hora como Helder Barbalho e Renam Calheiros tiveram seus filhos igualmente anunciados para o primeiro escalão.
O ex-juiz parcial Sérgio Moro deve ter levado um susto com a capacidade de articulação política de Lula. O partido pelo qual foi eleito senador pelo Paraná, União Brasil, integra o futuro ministério com três pastas, uma delas a das Comunicações.
Moro, que imaginava fazer uma oposição implacável a Lula, já deve ter colocado as barbas de molho.
Por outro lado, a escolha do obscuro deputado federal pelo Maranhão, Juscelino Filho, para as Comunicações intrigou gregos e troianos.
Até onde se sabe, esse Juscelino não é pessoa com ligação com a velha mídia (leia-se os atuais concessionários de emissoras de televisão e rádio).
Mas igualmente não é nome que tenha agradado ao PT e, menos ainda, aos setores que defendem a democratização das comunicações no país.
Lula aposta na própria capacidade de fazer com que a orquestra toque de forma afinada. E a população brasileira também.
Todo este esforço teve como objetivo garantir a governabilidade.
Lula conseguiu que a PEC do Bolsa Familia fosse aprovada e conquistou a maioria dos votos de que precisa para aprovar matérias do interesse do seu governo na Câmara dos Deputados e no Senado.
Conseguiu, igualmente, isolar o PL, partido de Jair Bolsonaro, cujo presidente, Waldemar da Costa Neto, tentou se colocar como força hegemônica no Legislativo.
Sobre Waldemar, o que mais tem sido ouvido em Brasília, é: “perdeu, Mané!”
Se Lula vai começar o seu terceiro mandato com um dos seus três grandes desafios equacionados, o mesmo não pode ser dito dos outros dois: o golpismo militar e o combate da mídia ao PT e a ele próprio.
Ao longo da semana, a equipe de Lula não mediu esforços para colocar fim às manifestações golpistas em frente a quartéis.
O caso mais emblemático é aqui em Brasília, onde o acampamento em frente ao “Forte Apache” parece ter ampliado o número de integrantes.
Num primeiro momento, o Exército mostrou-se de acordo com a desmobilização, mas voltou atrás.
O certo é que em nenhum país manifestações contra o resultado de eleições limpas e democráticas seriam tolerados e aqui elas já duram dois meses.
Some-se a estas manifestações os atos terroristas no dia da diplomação de Lula, que tinham como objetivo instaurar medo, pânico e, no limite, impedirem a própria posse.
Sobre os atos terroristas, o que mais se escuta em Brasília é igualmente “perderam manés”, sendo que no caso ninguém acredita que por trás desses manés não estejam pesos pesados do agronegócio, contrabandistas variados e até setores do mundo das finanças.
Enfrentar esses golpistas – que têm apoio de setores das forças militares – será, de saida, um dos grandes desafios para Lula.
Igualmente desafiante para ele será implementar sua política de colocar os pobres no orçamento e os ricos no imposto de renda sem enfrentar a ira da mídia corporativa.
Por enquanto, em especial com a TV Globo, as coisas parecem nos eixos. Mas uma oposição truculenta já se desenha em veículos como a Folha de S. Paulo.
Na minha avaliação, no entanto, só parecem.
A família Marinho não mudou. Lula também não. Daí, essa paz dificilmente será duradoura. Daí a comunicação pública ser item essencial ao novo governo.
Daí a justa, justíssima, preocupação dos movimentos sociais e dos que lutam pela democratização da mídia, pois as forças que derrubaram Dilma Rousseff e colocaram Lula na prisão, sem qualquer crime, não desapareceram. E elas têm na mídia o mais poderoso instrumento para serem potencializadas.
Tudo isso somado, claro, com as fake news bolsonaristas, que diminuíram, mas também estão a anos luz de desaparecerem.
Prova disso é o que ouvi do taxista quando cheguei em Brasília e me dirigia à casa da amiga que me hospedou.
O taxista, um senhor com aparência de uns 50 anos, me perguntou se vim para a posse.
Ao ouvir a resposta de que “sim, claro”, ele não teve dúvidas.
– Ao invés de posse, Lula deveria voltar para a prisão, afirmou.
Rebati dizendo que ele estava errado e que Lula foi preso injustamente, sem ter cometido qualquer crime.
Diante disso, a argumentação dele foi:
– A senhora se esqueceu de tudo o que a TV Globo mostrou? Agora o Lula comprou a Globo, mas ele roubou e tudo vai voltar a piorar.
Passeio o resto da corrida de taxi calada, mas matutando sobre o tamanho do trabalho que os setores democráticos terão pela frente.
Deixando os problemas de lado, o clima agora é de festa.
A posse de Lula tem um significado imenso. Mais de 75 representações estrangeiras estarão presentes.
O destaque até o momento é para o vice-presidente chinês, Wang Qishan. Outro grande destaque promete ser o povo brasileiro, que ocupará toda a Esplanada dos Ministérios para uma grande festa cívica e um festival cultural que começa às 11h deste domingo e termina só às 4 horas da manhã de segunda-feira.
É preciso, sim, muita festa para comemorar o que parecia impossível.
Bolsonaro termina seu desgoverno mais desacreditado do que nunca.
Ele sabe que responderá a muitos processos e que pode ser preso.
Mas esta é uma tarefa para a Justiça.
Por enquanto, ele pretende passar dois meses nos Estados Unidos, dando tempo ao tempo para ver o que o futuro lhe reserva. Ele vai sozinho. Além da presidência, perdeu também Michele.
Bolsonaro foi derrotado, mas falta agora derrotar os bolsonaristas e tudo que o que significam de ações e posturas antidemocráticas.
A posse de Lula é o começo. É a materialização da esperança e da luta por um Brasil democrático, inclusivo, desenvolvido e soberano.
Luta que não tem data para terminar.
P.S. A ausência do PT mineiro no ministério Lula, sem dúvida foi surpresa. Minas deu vitória para ele no primeiro e no segundo turnos. Vitórias apertadas, é verdade.
As explicações para essa ausência são várias. Este é o ministério possível. É um primeiro ministério e por aí vai. Ok. Tudo isso pode ser verdade.
Mas não deixa de ser verdade que o PT mineiro precisa se repensar. De um partido que já esteve à frente da Prefeitura de Belo Horizonte três vezes e ocupou o governo do Estado é no mínimo inaceitável duas derrotas seguidas para um Zema.
Talvez esse seja o recado que Lula quis deixar.