O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública para que a Justiça Federal obrigue o município de Gouveia (MG) a fornecer água potável à Comunidade Quilombola de Espinho, em quantidade suficiente para suprir suas demandas diárias de consumo, higiene e utilização doméstica.

Uma investigação conduzida pelo MPF apurou que as cerca de 60 famílias da comunidade sofrem há anos com a falta de água, para uso pessoal e doméstico, fato que as impede, por exemplo, de cultivar hortas e desenvolver quaisquer outras atividades dependentes desse abastecimento. Moradores relataram já ter ficado quatro meses sem água em casa; outros disseram que, para abastecer caixas de reserva residenciais, precisam passar a noite em claro vigiando o abastecimento.

Por isso, inicialmente, de forma paliativa e emergencial, a ação pede que a administração municipal providencie o fornecimento de água por meio de caminhões-pipa, enquanto adota as providências necessárias à implementação da infraestrutura necessária para captação e distribuição de água potável à comunidade.

A Comunidade de Espinho está localizada na área rural de Gouveia, município que faz parte da microrregião de Diamantina, no Vale do Jequitinhonha

Água sem qualquer tratamento – Desde dezembro de 2022, a Prefeitura Municipal de Gouveia vem sendo reiteradamente instada a prestar informações sobre possíveis obras de melhoria na distribuição e qualidade da água na comunidade, mas até o momento não houve atendimento aos pedidos do MPF. Na verdade, a Prefeitura até mesmo negou a existência de problemas na rede de abastecimento da comunidade, afirmando também não possuir recursos para eventual reforma do sistema.

Para verificar a procedência do argumento da inexistência de problemas, o MPF solicitou vistoria técnica pela Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) e o resultado não só contradisse a Prefeitura, como apontou total descaso do município com a situação do fornecimento de água na Comunidade Quilombola.

Segundo os técnicos da Copasa, a água distribuída aos moradores de Espinho é bruta, sem qualquer tratamento para sua potabilidade. O tanque de armazenamento, além de muito pequeno para atender todas as famílias, está em situação precária, sem tampa, o que permite o acesso de animais e de outros contaminantes. A rede de distribuição é composta por canos de ferro antigos, de pequeno diâmetro, com incrustações, o que resulta em baixas pressão e vazão da água e consequente interrupção do fornecimento. Ainda de acordo com o relatório da Copasa, “a Comunidade não possui atendimento adequado em quantidade, qualidade e pressão adequada. Além de intermitências, há constantes faltas de água em algumas residências”.

R$ 1,7 mi gastos em festa – O argumento da falta de recursos também foi contestado pelo MPF. Segundo a ação, considerando-se que, no último mês de junho, o município de Gouveia realizou uma festividade na qual foram gastos R$ 1,7 milhão, torna-se insustentável a alegação de insuficiência orçamentária.

“Na verdade, as alegações da prefeitura revelam uma preocupante falta de compromisso com os deveres constitucionais e com as necessidades prementes da população”, lamenta o procurador da República Frederico Pellucci.

Para ele, “o investimento de mais de um milhão de reais em uma festividade, enquanto a população sofre com a ausência de atendimento às suas necessidades mais básicas, evidencia o descomprometimento do poder público municipal com os princípios da dignidade humana e do bem-estar social e uma negligência inadmissível com relação às suas responsabilidades de assegurar condições mínimas de vida e saúde para seus cidadãos”.

O MPF ressalta que o direito humano de acesso à água – suficiente, potável, consumível, acessível e a preço razoável, para o uso pessoal e doméstico – está ligado ao conceito de dignidade humana, uma vez que o abastecimento adequado de água potável é imprescindível para a sobrevivência da população.

Isso porque o acesso à água potável não é necessário apenas para satisfazer as necessidades de consumo, de preparo de alimentos e de higiene pessoal da população, mas também para a prevenção de diversas enfermidades. Por isso é que as instalações e serviços de água potável devem estar ao alcance de todos, sem discriminação, sobretudo para os segmentos mais vulneráveis e marginalizados da sociedade, como é o caso das comunidades tradicionais, dentre as quais as quilombolas”, afirma a ação.

Citando a Lei 11.445/2007, segundo a qual o abastecimento de água potável é uma das faces do saneamento básico, e o Código de Defesa do Consumidor, o MPF lembra que os serviços públicos, incluindo o abastecimento de água potável, devem ser contínuos, eficientes e seguros. “No caso, a inércia do poder público em resolver essas questões é evidente, uma vez que os problemas relatados pelos moradores persistem há décadas sem qualquer intervenção eficaz, o que nos obrigou ao ajuizamento desta ação, para buscar uma solução definitiva para o problema”, afirma Pellucci.


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