O plano de mitigação acústica apresentado, na semana passada, pelos organizadores da Stock Car à Justiça Federal é insuficiente para manter os níveis de emissão sonora nos limites estabelecidos pela legislação municipal em todas as instalações da UFMG mais sensíveis aos impactos da prova, como o Hospital Veterinário, a Estação Ecológica e os biotérios central e de cães.

Essa é a avaliação do Ministério Público Federal (MPF), que ingressou, na última sexta-feira, dia 2 de agosto, com um pedido de tutela de urgência em caráter incidental para suspensão da prova, cuja realização está prevista para o período de 15 a 18 de agosto nas imediações do campus Pampulha.

A ação, assinada pelo procurador da República Leonardo Sampaio de Almeida, foi encaminhada à juíza Adriane Luísa Vieira Trindade, da 1ª Vara Federal Cível de Belo Horizonte. Em despacho proferido no dia 12 de julho, a magistrada exigiu que os organizadores apresentassem uma proposta de mitigação acústica para os impactos da prova. De acordo com a decisão, que acatou parcialmente uma ação civil pública também ajuizada pelo MPF, o documento deveria conter “detalhamento de suficiência técnica” e demonstrar viabilidade de implantação nos pontos de impacto biologicamente sensíveis da UFMG.

No entanto, segundo a nova ação do MPF, a proposta apresentada pela Stock Car é insatisfatória, “considerando a expectativa mais otimista do projeto”. Isso porque, mesmo com o eventual fechamento de janelas, a corrida causará impacto sonoro de 65,8 dB na região do Hospital Veterinário, enquanto o limite legal é de 55 dB por se tratar de uma instalação hospitalar.

A insuficiência da proposta mitigatória se estende a outros ambientes, mesmo se também houver imposição da vedação de janelas. No caso do biotério de cães, o impacto é 77,3 dB, enquanto o máximo permitido é de 70 dB. No biotério central, a emissão alcançará 74,1 dB, e o máximo legal é 70dB.

Discrepância e interferência indevida

A “expectativa mais otimista” a que se refere a ação do MPF alude à discrepância verificada entre a projeção de emissão sonora feita pela Stock Car – 85 decibéis – para a prova realizada em Cascavel (PR) e a média efetivamente apurada – 108 dB – a uma distância de 20 a 45 metros da pista.

Em sua petição, o MPF sublinha, ainda, que a imposição de medidas adicionais à UFMG para reforçar a mitigação, como vedação de portas e janelas, além de apresentar eficiência limitada, pode configurar uma interferência indevida em ambientes como o biotério. “A estrutura dos biotérios é especificamente projetada para a ambientação adequada e rigorosa de animais utilizados em trabalhos científicos. As alterações ambientais, portanto, possuem potencial de interferência direta tanto na dignidade animal quanto na confiabilidade e padronização dos trabalhos resultantes. As condições ambientais, inclusive, podem ser a própria variável de análise dos trabalhos científicos”, justifica o procurador Leonardo Sampaio.

O procurador argumenta ainda que a criação de animais para experimentos científicos é regulada por comitês de ética e parametrizada por agências de fomento para garantir a padronização dos estudos, “de modo que os organizadores da corrida não podem livremente determinar a alteração de tais condições”. E acrescenta: “Considerando que os requeridos [os organizadores da prova] não apresentaram qualquer anuência da UFMG quanto ao fechamento das portas e janelas de todas as suas unidades biologicamente sensíveis durante os dias de realização da corrida, não se pode considerar a expectativa de mitigação referente a tal medida, pois extrapola o alcance dos organizadores do evento.”

Benefícios da suspensão

Na avaliação de Leonardo Sampaio, a suspensão da corrida “tem o condão de evitar que discussão judicial ainda mais gravosa se inicie, na medida em que, sendo verificada a infração ambiental, poderá ser inaugurado litígio acerca dos danos ambientais, danos morais coletivos, danos materiais, omissão dolosa do Município de Belo Horizonte e impedimento das etapas seguintes da competição”.

Embora reconheça eventual prejuízo financeiro com o impedimento da corrida, “até então limitado à esfera privada dos poluidores”, o MPF avalia que a realização da competição em desconformidade com a legislação causará danos patrimoniais e ambientais de grande monta para todas as partes envolvidas.

Pedido reiterado

O pedido de tutela de urgência foi reiterado nesta terça-feira, dia 6, pela Advocacia Geral da União (AGU). Na petição, o procurador federal Rafael Pinheiro Dantas destaca que o parâmetro mencionado na proposta da Stock Car (70 decibéis) para o Hospital Veterinário é muito superior aos 55 decibéis preconizados pela legislação municipal para unidades de saúde, categoria em que o complexo da UFMG se enquadra.

Na conclusão do pedido, o procurador sustenta que, diante da inconsistência da proposta mitigatória apresentada pelos organizadores da prova, não há outro caminho senão a suspensão da corrida. “Considerando ainda o poder geral de cautela e a necessidade de se tornar efetiva qualquer medida liminar a ser imposta nos autos, tendo em vista a iminência de realização da primeira etapa do evento, faz-se impreterível agora suspender a realização da corrida programada para os dias 14 a 18 de agosto do presente ano no entorno da Universidade.”

Foco desviado

A oposição da UFMG à realização da corrida Stock Car no entorno do campus Pampulha e a incursão na Justiça para preservar seu patrimônio científico e ambiental têm gerado ataques e tentativas de desviar o foco da questão central, que é a inadequação do local escolhido para a prova.

A investida mais recente ocorreu na semana passada, quando a Universidade recebeu, de um veículo de comunicação, um pedido de esclarecimento sobre o parecer da Secretaria Municipal de Meio Ambiente que autoriza a construção de um edifício no Parque Tecnológico de Belo Horizonte (BH-TEC), instituição juridicamente independente que, além da própria UFMG, tem como sócios o governo de Minas Gerais e a própria Prefeitura de Belo Horizonte.

Em nota, a UFMG comentou o assunto:

“A Universidade Federal de Minas Gerais recebe com estranheza o pedido de esclarecimento sobre o parecer da Secretaria Municipal de Meio Ambiente para construção a ser realizada no Parque Tecnológico BH-TEC. Primeiro, pela temporalidade, já que, mais uma vez, a questão surge no momento em que a UFMG reitera judicialmente o pedido de cancelamento da corrida Stock Car no entorno do campus Pampulha, por não ter sido apresentada, até o momento, ação concreta para mitigação dos impactos. Segundo, pela forma, já que a Universidade toma conhecimento, mais uma vez, e é instada a se posicionar sobre o assunto na imprensa, antes mesmo de qualquer acionamento nas instâncias legais devidas. E por fim, mas talvez o mais relevante, pela inadequação, uma vez que a UFMG não responde pela associação Parque Tecnológico de Belo Horizonte (BH-TEC), que é uma figura jurídica distinta e que tem como sócios não apenas a Universidade, mas também o Governo do Estado de Minas Gerais, a Prefeitura de Belo Horizonte, a Fiemg e o Sebrae MG.”


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