Por Marco Aurelio Carone

O Novojornal teve acesso ao ofício do ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, enviado, na sexta-feira (10), ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Edson Fachin. O documento demonstra abertamente a intenção dos militares em participar do processo eleitoral de 2022, embora constitucionalmente seja atribuição exclusiva do TSE – Tribunal Superior Eleitoral. O Ministro Edson Fachin ficará no cargo até agosto, quando será substituído por Alexandre Moraes, que presidirá as eleições de 2022. As decisões de Fachin e Moraes poderão levar ou não o Brasil a um retrocesso institucional.

A história da democracia brasileira tem caso semelhante. Em setembro de 1968 o deputado Márcio Moreira Alves proferiu um discurso no Congresso Nacional em que convocava um boicote às comemorações do Dia da Independência do Brasil e solicitava às jovens brasileiras que não namorassem oficiais do Exército.

Discurso de Marcio Moreira Alves

Em função do seu pronunciamento, o Ministro da Justiça Gama e Silva enviou à Câmara de Deputados um pedido de autorização para que o deputado fosse processado, mas, em votação realizada em 12 de dezembro, o pedido do governo foi rejeitado por 216 a 141, com quinze abstenções.

Na manhã seguinte, foi convocado o Conselho de Segurança Nacional e editado o Ato Institucional 5, considerado o mais duro ato institucional editado durante o Regime Militar, que deu ao presidente o poder de fechar o Congresso Nacional e as legislaturas estaduais e municipais, governar por decreto e suspender os direitos políticos dos cidadãos,três ministros do STF são aposentados, Vítor Nunes Leal, Hermes Lima e Evandro Lins e Silvae Gonçalves de Oliveira, Lafayette de Andrada, saíram por discordar das cassações)e Adaucto Lúcio Costa, saiu por discordar da lei de censura prévia. No mesmo ato aumentou-se o número de ministros de 11 para 16.

O ex-ministro Jarbas Passarinho, após o termino do Golpe Militar, em diversas entrevistas informou que o regime sabia que o pedido para processar Marcio Moreira Alves seria negado.

Ministros do STF atingidos pelo AI5 (a partir da esq.): Victor Nunes Leal, Hermes Lima, Evandro Lins e Silva; Gonçalves de Oliveira, Lafayette de Andrada; Adaucto Lúcio Costa. Foto: Reprodução / Seção de Gestão Documental e Memória Institucional / Supremo Tribunal Federal

O ofício do ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, ao TSE, é uma tréplica dos militares a uma resposta negativa dada por técnicos do tribunal a sete recomendações feitas pelo Comando de Defesa Cibernética (ComDCiber), do Exército para o sistema eletrônico de votação. Elas foram apresentadas em março deste ano, mas rejeitadas sob a alegação de que o prazo para mudanças já havia se esgotado.

Ainda assim, o ministro da Defesa insistiu para que as equipes técnicas das Forças Armadas e do TSE discutam as propostas para dirimir “divergências que ainda persistam” sobre elas.

“É plenamente sabido que qualquer sistema eletrônico demanda uma contínua atualização, razão das novidades tecnológicas e da evolução das ameaças. As Forças Armadas buscaram, na CTE, desde o início e de modo colaborativo, contribuir para aumentar o grau de segurança pelo conhecimento e pelo gerenciamento dos riscos existentes. Além disso, a transparência permite à sociedade conhecer e aceitar o nível de segurança do processo eleitoral diante de eventuais riscos. Reitero que as sugestões propostas pelas Forças Armadas precisam ser debatidas pelos técnicos”, afirmou Paulo Sérgio Nogueira no ofício.

A resposta do TSE às Forças Armadas causou incômodo entre os militares por apontar suposto “erro de premissa” em considerações sobre a quantidade de urnas que deveriam passar pelo teste de integridade. No ofício a Fachin, o ministro da Defesa diz que pretendia esclarecer os conceitos apresentados nas sugestões de forma técnica. “Até o momento, não houve a discussão técnica mencionada, não por parte das Forças Armadas, mas pelo TSE ter sinalizado que não pretende aprofundar a discussão”.

Depois, disse que “as Forças Armadas não se sentem devidamente prestigiadas” por atenderem ao convite do TSE para integrar a comissão de transparência, formada no ano passado para ampliar a fiscalização sobre o processo eleitoral.

O ministro da Defesa afirmou no ofício que “o trabalho das Forças Armadas tem o intuito sempre democrático, buscando contribuir para que o País tenha eleições justas, democráticas e transparentes” e que elas elaboraram propostas “plausíveis, em vários níveis, desde o técnico até o de governança”.

Mais à frente, disse que, para assegurar a segurança da votação, não basta “a participação de “observadores visuais”, nacionais e estrangeiros, do processo eleitoral”. Trata-se de uma referência indireta ao esforço de Fachin convidar entidades internacionais para atestar a lisura da votação. O ministro da Defesa sugeriu que eles não teriam capacidade técnica para verificar falhas no sistema eletrônico de votação. “Por se tratar de uma eleição eletrônica, os meios de fiscalização devem se atualizar continuamente, exigindo pessoal especializado em segurança cibernética e de dados”.

“É plenamente sabido que qualquer sistema eletrônico demanda uma contínua atualização, razão das novidades tecnológicas e da evolução das ameaças. As Forças Armadas buscaram, na CTE, desde o início e de modo colaborativo, contribuir para aumentar o grau de segurança pelo conhecimento e pelo gerenciamento dos riscos existentes. Além disso, a transparência permite à sociedade conhecer e aceitar o nível de segurança do processo eleitoral diante de eventuais riscos”, diz outro trecho do ofício.

Em outro trecho, ele destaca que as Forças Armadas trabalham para proteger o processo eleitoral e fortalecer a democracia. “Uma premissa fundamental é que secreto é o exercício do voto, não a sua apuração”, diz.

E encerra o ofício afirmando que “não interessa concluir o pleito eleitoral sob a sombra da desconfiança dos eleitores. Eleições transparentes são questões de soberania nacional e de respeito aos eleitores.”

Em nota, a Secretaria de Comunicação e Multimídia do TSE confirmou o recebimento do ofício do Ministério da Defesa e disse que o tribunal “analisará todo o conteúdo remetido, realçando desde logo que todas as contribuições sempre são bem-vindas e que preza pelo diálogo institucional que prestigie os valores republicanos e a legalidade constitucional”. O tribunal lembra que tem uma nova reunião da Comissão de Transparência Eleitoral convocada desde o mês passado para o dia 20 de junho.

No mesmo comunicado, o TSE informou que o modelo UE 2020 da urna eletrônica “conta com módulo criptográfico com certificação do ICP-Brasil, o que significa que a urna possui características de segurança superiores ao estabelecido pelo Manual de Condutas Técnicas definido pelo Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), o qual define os requisitos mínimos para um dispositivo criptográfico”.

A nota continua: “para tal certificação, conforme regras definidas pelo ITI, a nova urna foi submetida um laboratório credenciado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e, depois, certificada pela entidade NCC Certificações. Em tal avaliação foram verificados os circuitos, códigos-fonte e demais características do dispositivo de segurança da urna. Tudo isso demonstra que o novo modelo é ainda mais seguro do que os anteriores”.

O TSE reforçou que “o software desenvolvido pela Justiça Eleitoral é o mesmo, sendo utilizado em todas as urnas utilizadas na eleição, cujos modelos anteriores foram submetidos a testes públicos de segurança sem nenhum tipo de comprometimento ou ataque bem-sucedido ao sistema”.

O comunicado conclui dizendo que “o TSE tem trabalhado de forma incessante para garantir eleições limpas, justas e seguras, em que o desejo da população, expresso por meio do voto, seja respeitado e cumprido dentro do Estado Democrático de Direito. A Justiça Eleitoral está preparada para conduzir as eleições de 2022 com paz e segurança”.


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