Mais de um ano e meio após a Justiça condenar a União, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o governo de Minas Gerais por violações dos direitos humanos e civis do povo indígena Krenak durante a ditadura militar e determinar que os réus cumpram uma série de obrigações, pouco avançou.
Em setembro de 2021, a pedido do Ministério Público Federal (MPF), a 14ª Vara Federal Cível ordenou:
União, Funai e estado a realizar, em até seis meses, cerimônia para reconhecer as violações de direitos dos povos indígenas seguida de pedido público de desculpas ao povo Krenak, com divulgação nos meios de comunicação e canais oficiais;
a Funai a concluir o processo administrativo de identificação de delimitação da terra indígena Krenak de Sete Salões, considerada sagrada para os indígenas, no prazo de seis meses, e a estabelecer ações de reparação ambiental das terras degradas pertencentes aos Krenak;
Funai e o estado de Minas a implementar, com participação do povo Krenak, ações voltadas ao registro, transmissão e ensino da língua Krenak por meio do Programa de Educação Escolar Indígena;
a União a reunir e disponibilizar na internet, em até seis meses, toda a documentação relativa às violações dos direitos humanos dos povos indígenas, para livre acesso do público.
No entanto, no ano passado, a Funai apresentou um requerimento de concessão de efeito suspensivo à apelação, alegando que o prazo de seis meses determinado na sentença “desconsidera os parcos recursos orçamentários, carência de servidores qualificados e a própria natureza complexa dos trabalhos do processo demarcatório”.
Em outubro de 2022, a Justiça deferiu o pedido da Funai e concedeu efeito suspensivo à apelação, o que significa que a sentença não tem efeitos até que o recurso seja julgado. Na prática, isso impede que o MPF exija o cumprimento das obrigações determinadas judicialmente.
No entanto, para o procurador da República Edmundo Antonio Dias, autor da ação do MPF, a situação judicial não impede que União, Funai e o estado de Minas implementem, desde já, as medidas de reparação ao povo Krenak.
“Ao contrário, sua efetivação voluntária, inclusive mediante demarcação do território sagrado de Sete Salões, sinalizaria que o Estado brasileiro não mais compactua com a impunidade de graves violações aos direitos humanos, como as que foram cometidas pela ditadura militar.
Isso tem um efeito pedagógico importante, que aponta para um caminho de repulsa a regimes autoritários, mediante a implementação de medidas de não-repetição, inclusive de caráter simbólico”, afirmou.
Ainda segundo o procurador, para o povo Krenak, “a satisfação do seu direito à reparação será tanto maior quanto menor for o tempo de cumprimento da sentença”.
“É extremamente importante que os anciãos que vivenciaram esse período de arbítrio ditatorial vejam a reparação ser realizada”, disse Dias.
A reportagem questionou a Funai sobre o andamento das ações, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem. Neste ano, Douglas Krenak, cujo avô foi torturado e morto durante a ditadura militar, foi nomeado coordenador regional da Funai no Espírito Santo e Minas Gerais.
A reportagem também aguarda retorno da União e do governo do estado.