Alex M. S. Aguiar
Em julho de 2020 Bolsonaro promulgou a Lei 14.026, impondo aos estados e municípios do Brasil a privatização dos serviços de saneamento. Em setembro daquele mesmo ano de 2020 foi realizado o leilão dos serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário de 13 municípios integrantes da Região Metropolitana de Maceió (RMM), em Alagoas. Ao evento seguiu-se uma avalanche de matérias na mídia, a maioria delas enaltecendo o “sucesso” do leilão: enquanto o Edital trazia a referência do BNDES de um lance mínimo de R$15 milhões, a proposta vencedora foi superior a R$2 bilhões, configurando um ágio de mais de 1.300% e um significante montante de recursos aportado ao cofre do estado de Alagoas.
À época, pouquíssima – ou nenhuma – publicidade foi dada ao fato de 3 daqueles 13 municípios tinham seus serviços prestados por autarquias municipais, com bons indicadores de atendimento, e que em nenhum momento manifestaram desejo de adesão à proposta de privatizar seus serviços, sendo engolidos pelas regras metropolitanas ali existentes, passando a integrar o objeto do leilão. Os dados e informações disponibilizados pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS – permitem algumas observações comparativas entre a prestação pública (ano 2020) e a privada (ano 2021) do serviço de abastecimento de água nesse grupo de municípios integrantes da RMM.
Até o ano de 2020, o abastecimento de água na RMM tinha prestação pública. A CASAL, concessionária estadual em Alagoas, estava presente em 10 dos municípios, sendo que em um deles, Pilar, o abastecimento de água também contava com a participação de uma autarquia municipal. Além disso, a base do SNIS do ano de 2020 não conta com informações do município de Barra de Santo Antônio.
Os dados da prestação pública do abastecimento de água neste grupo de municípios no ano de 2020 abrangiam 12 sedes municipais e 20 localidades, estas distribuídas nos municípios atendidos pelas autarquias municipais. Uma das sedes, portanto, não tinha informações constantes da base de dados em 2020 – o município de Barra de Santo Antônio.
Em 2021, já sob a gestão privada, chama atenção o fato de o conjunto atendido dos 13 municípios ter passado a ser constituído apenas das 13 sedes municipais. Assim, a atuação da empresa privada na gestão dos serviços de abastecimento de água não abrangeu aquelas vinte localidades presentes durante a gestão pública.
Ao verificarmos o número de economias ativas atendidas em 2020, último ano de gestão pública, e em 2021, já sob gestão privada, observamos que em dois dos municípios onde o atendimento em 2020 era prestado por empresas públicas municipais houve diminuição do número de economias ativas: em Atalaia, que até 2020 atendia a oito localidades além da sede municipal, deixaram de ser atendidas 1.518 economias; e em Pilar outras 3.089 economias deixaram de constar como atendidas em 2021. Um total de 4.607 economias, que, considerando os índices de habitantes por domicílios rurais nesses municípios1, indica ter sido excluída do atendimento uma população de cerca de 18.300 pessoas. Ressalta-se, ainda, que os dados disponibilizados pelo CECAD – Consulta, Seleção e Extração de Informações do CadÚnico – apontam para os municípios de Atalaia e Pilar contingentes de pessoas em vulnerabilidade financeira (renda per capita familiar inferior a 1/2 salário-mínimo) correspondentes a 57% e 67%, respectivamente, e que não se enquadram nos objetivos de maximização dos lucros das empresas privadas.
O risco da privatização dos serviços de saneamento, notadamente o de abastecimento de água, resultar na exclusão de populações em situação de vulnerabilidade socioeconômica do acesso a esse serviço se materializa nesse primeiro ano de gestão privada na RMM. Esse risco tem sido ocultado na divulgação do modelo privatista trazido por Bolsonaro, e cujo sucesso irreal se observa apenas no aporte de recursos aos cofres de estados endividados mediante o pagamento de outorgas exorbitantes. Pouco se divulga com relação ao fato de que esses recursos serão pagos pela população e, menos ainda, que a maximização dos lucros, objetivo primário dos prestadores privados, certamente impedirá a realização dos direitos humanos de acesso a esses serviços essenciais.
O governo Lula que em breve se inicia tem a chance de corrigir esse absurdo que foi imposto à sociedade brasileira. Se considerar, realmente, a universalização dos serviços de saneamento no país uma prioridade de seu governo, Lula precisará atuar desde já, começando por desfazer as gigantescas bobagens trazidas por Bolsonaro e seus apoiadores financistas que tentam tomar conta do setor de saneamento no país.