Após o adiamento da votação do Projeto de Lei 2.630/2020 (PL 2.630) — apelidado de “PL das Fake News” — na Câmara dos Deputados, na terça-feira (2), o relator, Orlando Silva (PCdoB-SP) disse que, se os deputados não regularem as redes sociais, o Supremo Tribunal Federal (STF) é quem tomará essa decisão.
Não se trata de uma ameaça vazia. Há duas ações prontas para julgamento que podem influir diretamente no formato da responsabilização civil das plataformas digitais, aspecto central do PL.
Relatados pelos ministros Dias Toffoli e Luiz Fux, respectivamente, os Recursos Extraordinários 1.037.396 e 1.057.258 tratam do modelo de responsabilização civil das plataformas digitais.
O artigo 19 do Marco Civil da Internet estabelece que as plataformas só podem ser responsabilizadas por conteúdos publicados por terceiros após receberem ordem judicial explícita para remoção — ou seja, caso elas sejam notificadas extrajudicialmente sobre conteúdo considerado criminoso ou contrário a suas políticas de uso, elas podem optar por não excluir a publicação, sem risco de serem processadas.
As ações questionam a constitucionalidade desse dispositivo legal.
Caso os ministros julguem esse artigo inconstitucional, as plataformas poderão ser responsabilizadas por conteúdos de terceiros, desde que notificadas — mudança consideravelmente mais radical do que as propostas por Orlando Silva em seu relatório.
Esse, contudo, não é o cenário mais provável: nem mesmo o governo defende a inconstitucionalidade absoluta desta regra.
Entretanto, isso não significa que o julgamento não trará mudanças sobre o tema. As opções dos ministros não se limitam a declarar o artigo constitucional ou inconstitucional.
É possível, por exemplo, uma decisão que considere a regra geral prevista no artigo 19 do Marco Civil constitucional, mas entenda que as plataformas têm o chamado “dever de cuidado” sobre conteúdos considerados particularmente nocivos ou criminosos.
Isso poderia estender o rol de exceções ao artigo 19. Hoje, o próprio Marco Civil estabelece uma exceção para vídeos e fotos pornográficas divulgados sem o consentimento dos participantes — e a jurisprudência vigente entende que isso se aplica, também, a conteúdos envolvendo menores de idade. É possível que outros tipos de conteúdos criminosos entrem nessa lista.
Nenhum ministro antecipou seu voto em relação a essa questão. Contudo, em diversas ocasiões, magistrados têm manifestado apoio a uma legislação mais dura contra as plataformas digitais.
Em março, Fux e Toffoli realizaram uma audiência pública, que durou dois dias, para debater o tema. Outros três ministros estiveram presentes na abertura: Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Morais. Representando quase metade do colegiado, os cinco ministros presentes fizeram críticas à falta de regulação das redes.
Na mesma audiência pública, representantes do governo defenderam que o artigo 19 deve seguir como regra geral, mas que a sentença inclua a questão do dever de cuidado e amplie o rol de exceções para conteúdos criminosos, incluindo incitações ao terrorismo e golpe de estado.
Dois dias após a audiência, o governo apresentou essas medidas como sugestão ao PL 2.630. Entretanto, elas não foram acatadas integralmente por Orlando Silva. O texto do substitutivo prevê o dever de cuidado das plataformas, mas limita as mudanças no regime de responsabilização a conteúdos pagos e a períodos de crise específicos.
Os recursos extraordinários ainda não foram colocados na pauta de julgamentos do STF. Contudo, a expectativa é que isso deva acontecer em breve.
Em maio de 2022, quando presidia a corte, Fux incluiu os processos na agenda — mas optou por retirá-los após críticas no meio jurídico.
As críticas foram centradas, justamente, no fato de que, na época, não havia sido realizada uma audiência pública para discutir o tema.
Os casos, em si, não têm relação alguma com conteúdos criminosos, desinformação ou riscos sistêmicos. Em um deles, de 2010, uma professora de Minas Gerais processou o Google por causa de uma comunidade feita contra ela na plataforma Orkut.
O caso é anterior ao Marco Civil, sancionado em 2014. O outro trata de uma mulher do interior de São Paulo que foi vítima de um perfil falso no Facebook. Contudo, como os dois casos têm repercussão geral, a decisão servirá como baliza para o julgamento de casos semelhantes.
Maurício Moraes