Criada pela oposição, a CPI do MST nasceu como uma maneira de fustigar o Palácio do Planalto. Mas, até agora, serviu apenas para gerar queixas de deputados ruralistas ao relator, Ricardo Salles (PL-SP), a quem acusam de ser centralizador e de agir com estrelismo. Ele rebate dizendo ter “cumprido seu papel”.
O que aconteceu
As queixas contra Salles já se acumulavam quando o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, prestou depoimento na CPI do MST, no último dia 10. A sessão começou às 9h de uma quinta-feira, dia em que muitos deputados voltam para suas bases nos estados.
Salles falou de maneira ininterrupta até as 11h30, esgotando as perguntas mais pertinentes. Ele é o primeiro a questionar o depoente porque é o relator da comissão.
Ele acabou de falar e foi para o aeroporto para viajar de volta para São Paulo. A atitude não agradou aos parlamentares da oposição, que se sentiram ludibriados.
Em seguida, foi anunciado que Teixeira só ficaria na sessão até as 13h, em virtude de outros compromissos naquela tarde. Deputados reclamaram de participar de uma oitiva em que não puderam fazer nenhuma pergunta.
A irritação com Salles aumentou porque os parlamentares sabem que há diversos voos diretos entre Brasília e São Paulo, enquanto moradores de estados mais distantes dependem de conexões e perdem bem mais tempo.
Os deputados da oposição esperavam que Salles combinasse de fazer algumas perguntas e deixasse as demais para os aliados. Desta maneira, poderiam mostrar serviço para suas bases. Mas a expectativa foi frustrada.
Na semana passada, um deputado do PL ironizou a forma de condução dos depoimentos pelo relator. Ele disse que ia se inscrever para falar, mas que ia voltar só depois de duas horas e que talvez esse intervalo fosse suficiente para que Salles largasse o microfone.
Ele ainda afirmou que “não sobrariam migalhas” relevantes para perguntar porque o relator não aceita dividir os holofotes.
O deputado Ricardo Salles afirmou que considera “natural” que o relator faça a maior parte das perguntas, já que cabe a ele a redação do relatório final do inquérito. Segundo ele, o cargo tem prerrogativas e responsabilidades.
“Tem gente que queria falar, que queria que eu deixasse de fazer as perguntas, mas não posso abrir mão do meu papel de relator”, disse Ricardo Salles, relator da CPI do MST.
Ele afirmou que não se considera “queimado” com os colegas. Salles diz que cumpriu as exigências do cargo e reuniu informações para embasar seu relatório.
Ignorado em reunião com Lira
Já para os governistas, Salles produz um relatório “viciado” e nem finge ter isenção.
O comportamento ficou evidente ao aprovar a convocatória do ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT), para depor.
A medida mudou os rumos da CPI. O depoimento foi cancelado pelo presidente da Câmara, Arhur Lira (PP-AL), e a composição da comissão acabou sendo alterada.
Partidos do centrão trocaram seus integrantes, com deputados de oposição dando lugar para pessoas mais alinhadas com o Planalto. Depois desta mudança, Salles declarou que tinham “amputado as pernas” da CPI.
Foi feita uma reunião para tentar reverter a maioria governista, quando ficou demonstrado o isolamento de Salles. Ele não recebeu convite para o encontro com Lira. Participou apenas o presidente da comissão, o deputado federal Zucco (Republicanos-RS).
É consenso entre os integrantes da CPI que Salles tinha planos de usar a relatoria para se viabilizar como candidato a prefeito de São Paulo. Ele tinha até uma narrativa para alfinetar um provável futuro adversário.
Ele diria que o MST era o invasor do campo, enquanto o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) seria o invasor da propriedade privada nas cidades. O grupo é ligado a Guilherme Boulos (PSOL), principal pré-candidato da esquerda.
O esforço de promoção pessoal e a não abertura para que outros deputados fizessem perguntas é considerado resultado da ambição eleitoral.
Teve ainda uma consequência ruim para os bolsonaristas. A situação foi responsável por impulsionar uma parlamentar da esquerda. Em vários momentos, Salles se envolveu em embates com Sâmia Bomfim (PSOL-SP), ofuscando os demais.
Salles desistiu de concorrer à Prefeitura de São Paulo em junho, quando o PL anunciou que apoia a tentativa de reeleição de Ricardo Nunes (MDB).
Esgotando as verbas de propaganda
Salles gastou R$ 37,6 mil de sua cota parlamentar em três meses com recortes de vídeos de sua participação na CPI do MST para as redes sociais.
Os valores são referentes aos meses de março a junho e correspondem a 60% de sua cota parlamentar de divulgação do próprio mandato. Depois desse período, não houve mais gasto específico para redes sociais.
Salles justificou os valores com “serviços contínuos sobre as atividades parlamentares em geral”.
Nos meses com mais atividades na CPI isso fica evidente no trabalho desenvolvido. Não é algo só voltado à CPI, mas a inclui evidentemente.
A cota parlamentar é um montante de recursos públicos destinados para pagar as despesas dos deputados com divulgação parlamentar, passagens aéreas, gasolina, alimentação, escritório de apoio ao mandato no estado e aluguel de carro.
Os deputados têm até três meses para apresentar os recibos e pedir reembolso. O valor mensal não utilizado fica acumulado ao longo do ano, por isso em alguns meses o valor gasto pode ser maior do que a média mensal.
Por ter sido eleito por São Paulo, Salles tem direito a R$ 42,8 mil ao mês.