Alex M. S. Aguiar
O tema Saneamento vem sendo motivo de repetidas investidas da mídia convencional. Entregue ao setor privado por Bolsonaro em 2020, os grupos beneficiados têm se empenhado, através da veiculação de incontáveis matérias em jornais de grande circulação nacional, em criar um clima de possível retrocesso devido à eleição de Lula e, também, às falas de Boulos, indicando possíveis revisões nos decretos que regulamentam a lei da privatização do saneamento.
Saneamento sempre esteve presente nos períodos eleitorais. Entretanto, o destaque atualmente dadona mídia convencional tem um único propósito:pressionar o novo governo eleito, visando manter a política daquele setor trazida por Bolsonaro.
O Ministério das Cidades, casa na qual estará alocado o tema Saneamento, não foi priorizado nas escolhas de Lula. Ao contrário, foi usado para contemplar pretensos aliados, expressando coalizão e tentando sedimentar apoio político. Em contraste, o Saneamento mereceu tratamento prioritário de Lula durante a campanha. Houve fala específica afirmando ser “água tratada responsabilidade do Estado.” Mais além, uma das Diretrizes de Programa da coligação que o elegeu, a de número 74, expressa os compromissos de “garantir o direito à água e ao saneamento, por meio do reconhecimento da responsabilidade das esferas administrativas federal, estaduais e municipais na universalização dos serviços de saneamento básico à população brasileira e garantir a atuação das entidades públicas e das empresas estatais na prestação dos serviços de saneamento básico”.
Se é possível observar a aderência da fala de Lula durante a campanha com as Diretrizes de Programa compromissadas com a população, a aparente pouca prioridade dada ao Saneamento já se mostra, apontando para a eventual manutenção, por mais grotesco que isso seja, de uma política pública trazida por Bolsonaro. Se o legado de Bolsonaro se consolidava na promoção da violência, do arbítrio, e da mentira, corremos o risco de somar a ele a política de saneamento do país.
Não se questiona a existência de diversos problemas associados à gestão pública do saneamento, em particular dos serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitários. Entretanto, essa modalidade de prestação se mostrava presente em mais de 75% dos municípios brasileiros em 2020, quando Bolsonaro promulgou a lei que privatizava o saneamento. Não foram buscados caminhos de correção desses problemas, ao contrário: buscou-se, com a lei privatista de Bolsonaro, impedir que o saneamento fosse prestado por empresas públicas, sejam elas municipais ou estaduais. Não houve qualquer tentativa de corrigir os erros que se prolongavam desde a década de 70, e que impuseram um ritmo de progresso no acesso a esses serviços aquém do que se espera quando se almeja sua universalização à população.
Infelizmente, os problemas da gestão pública foram alvo de uma campanha midiática falaciosa, que impregnou na sociedade conceitos absurdos, como a dita “maior eficiência dos privados” e a salvadora chegada de “recursos dos privados”. Podemos ilustrar o quão falaciosos são tais argumentos que sustentaram a implantação da política de Bolsonaro com dois exemplos recentes:
- Primeiro, no ano de 2020, a Copasa, concessionária estadual presente em mais de 600 municípios mineiros, teve um lucro de R$816 milhões. No mesmo ano, a empresa realizou investimentos em seus serviços de R$480 milhões, ou 58% do seu lucro. Sendo uma empresa de capital aberto, tendo o estado como acionista controlador, distribuiu aos seus acionistas naquele mesmo ano R$1,048 bilhões em dividendos, equivalente a 128% de seu lucro e mais que o dobro do valor que investiu em seus serviços. Logo, o governo mineiro, dono da Copasa e definidor das ações de sua gestão, optou naquele episódio por garantir a remessa dos recursos da empresa, e que são oriundos das tarifas pagas pela população, para o cofre quebrado do governo e para o bolso dos acionistas privados da Companhia, deixando de investir na ampliação e melhoria dos serviços prestados pela Copasa. Essa é uma gestão que afasta a possibilidade de avançar para a universalização dos serviços e enche o bolso dos donos com o dinheiro do saneamento. Essa inversão de prioridades na gestão não resulta da ineficiência da Copasa, e sim da política adotada pelo governo Zema (NOVO) em Minas Gerais. A falta de recursos para investir, portanto, é resultado das escolhas do governo Zema;
- Segundo, em meados de dezembro deste ano de 2022 a empresa controladora do consórcio que venceu o leilão dos serviços de saneamento no estado do Rio de Janeiro assinou um contrato de financiamento com o BNDES de R$19,3 bilhões. Parte desses recursos vão ser utilizados no pagamento da outorga ofertada pela empresa para vencer o leilão. Todo esse dinheiro será recuperado por meio da tarifa cobrada dos usuários dos serviços. Logo, é um empréstimo que será pago não pelo tomador, mas pelas pessoas que usam os serviços de saneamento. Ora, se o recurso do financiamento é do BNDES, e portanto público, e o pagamento desse empréstimo é realizado pela população, onde se encontra o dito “salvador recurso privado?” Na realidade, esse quadro expressa a política de Bolsonaro e seu ministro Guedes: recursos públicos são para financiar o mercado, e não para investimentos públicos.
Os próximos dias trarão as definições que o novo Governo dará para o saneamento no país. Ainda que as eventuais mudanças imediatas possam parecer insuficientes, esperamos de Lula o cumprimento de seus compromissos de campanha expressos na Diretriz de Programa nº 74, e a correção dos malfeitos da política de saneamento imposta por Bolsonaro. É preciso transformar o discurso do saneamento em uma prioridade real.