Alex M. S. Aguiar

A Lei 14.026, publicada pela Presidência da República em 15 de julho de 2020, alterou significativamente o cenário da prestação dos serviços de saneamento no país. Ao vedar a prestação por meio dos chamados contratos de programa, aquela Lei pôs fim à forma pela qual as companhias estaduais – como a Copasa em MG – assumiam as concessões em que atuam. Com isso, a Lei 14.026/2020 obriga que os contratos de concessão sejam oriundos de licitação, favorecendo o crescimento da atuação dos prestadores privados e, por outro lado, colocando sob risco a continuidade das empresas públicas estaduais.

A prestação dos serviços de saneamento básico por empresas públicas, notadamente o abastecimento de água e o esgotamento sanitário, tem sido responsabilizada pelo déficit desses serviços no país, que alcança quase 35 milhões de pessoas sem acesso à água potável e mais de 100 milhões sem coleta e tratamento dos esgotos que originam. Essa é uma afirmação que não leva em conta que essas empresas seguem a política administrativa definida por seus donos – os governos estaduais. Mesmo no caso da Copasa, empresa de capital aberto e que tem 49,96% de suas ações nas mãos de acionistas privados, é o governo estadual, seu sócio controlador, que indica seus administradores e define as diretrizes da gestão da empresa. Exemplo disso é a distribuição de dividendos praticada na Copasa durante os três primeiros anos do governo Zema: mesmo com índices de atendimento nos municípios onde atua apontando a necessidade de investimentos, a Copasa de Zema priorizou remunerar seus acionistas em detrimento de investir na melhoria de seus serviços. Só no ano de 2020 distribuiu mais dividendos do que os quatro anos do governo de Pimentel. Naquele ano, inclusive, distribuiu mais dividendos do que apurou de lucro no mesmo exercício. E, sempre bom lembrar, pouco mais da metade desses valores distribuídos vai para o caixa do estado, o acionista majoritário. Para Zema, colocar em dia o salário dos funcionários parece ter mais peso político do que garantir água potável, coleta e tratamento de esgotos à população dos mais de seiscentos municípios onde a Copasa atua.

Em Minas Gerais, mesmo com a Lei 14.026/2020 aprovada, segue firme o discurso de críticas às empresas públicas, em geral emitido pelos asseclas de Zema que compartilham de sua ânsia em privatizar Copasa, Cemig e outras nossas estatais. Citam, de forma unânime e recorrente, o exemplo da privatização da telefonia como exemplo do sucesso da privatização, por vezes mencionando a manifestação do Ministro Paulo Guedes acerca da quantidade de celulares do modelo iPhone® superar a população do país. Seria até compreensível que uma comparação dessa partisse de um cidadão comum – afinal, somos um povo mal-educado e desinformado, mas ouvir essa comparação e esse discurso de ministros e deputados é outra história, não é cabível. Primeiro, um iPhone® custa entre R$3 mil e R$6 mil, ou algo entre 3 e 6 salários-mínimos, portanto simplesmente inacessível a grande parte da população. Segundo, a ampliação do acesso aos serviços de telefonia se baseou em dois aspectos: (i) no avanço da tecnologia sem fio (wireless), desenvolvida com foco principalmente nas redes de dados; e (ii) no incremento da internet no país, fazendo com que hoje as ligações telefônicas sejam predominantemente feitas através das plataformas que utilizam a internet sem fio, seja em casa, no trabalho ou mesmo nos espaços públicos em que os administradores – e não as operadoras telefônicas – disponibilizem as redes sem fio abertas aos cidadãos. Há de se considerar, também, que, diferentemente do abastecimento de água e do esgotamento sanitário, a telefonia não tem a característica de monopólio, nem mesmo de sua infraestrutura, favorecendo a instalação da competitividade entre operadores diversos.

Um bom exemplo para reflexão dos cidadãos comuns acerca da privatização dos serviços públicos é o sistema de transporte público. As empresas privadas de ônibus operam esses serviços sob o regime de concessão, e as condições estão aí para todos verem: ônibus sucateados, em número insuficiente, fazendo com que as viagens sejam sempre lotadas (ótimo para as empresas, mas péssimo para os usuários). Tempo de espera excessivo nos pontos, indicando descumprimento dos quadros de horários, e atrapalhando a vida de todos que precisam daqueles serviços.

No caso do abastecimento de água e da coleta e tratamento dos esgotos, há um histórico das experiências internacionais de privatização no setor que indicam que ao assumirem a operação de sistemas, os privados alavancam seus investimentos por intermédio das receitas apuradas, geradas a partir das tarifas cobradas dos usuários. Nesse caso, é de se esperar aumentos tarifários significantes, o que na situação de nosso país, com empobrecimento da população e aumento do desemprego, equivale excluir as pessoas do acesso à água e ao esgotamento sanitário por incapacidade de pagamento. Nada de surpresa nisso: o lucro, e não a realização de direitos humanos, não é o objetivo de empresas privadas. Mesmo que para isso as pessoas fiquem sem água e sem coleta e tratamento de esgotos, tendo violado o seu direito humano de acesso a esses serviços.