Por José Eduardo Cardozo

Apesar dos avanços da psicologia cognitiva, ainda hoje os nossos concursos públicos ignoram a possibilidade de se avaliar a inteligência emocional dos que desejam ocupar cargos públicos. A aprovação em provas de conhecimentos é tida como critério meritocrático suficiente para a escolha dos mais aptos a exercerem funções públicas, independentemente de saberem lidar ou não com as suas emoções.

Tenho hoje a convicção de que se os concursos públicos para a magistratura avaliassem o nível de inteligência emocional dos seus candidatos, Sergio Moro nunca teria sido juiz. Algo, porém, me tranquiliza. Mandatos eletivos não são outorgados por concursos de provas ou de provas e títulos, nem pela avaliação que os candidatos fazem de si próprios. As urnas eleitorais —embora possam ocorrer equívocos— costumam ser mais eficientes nessas avaliações. Soberbos, arrogantes e ególatras, a menos que sejam bons atores, raramente conseguem ter empatia com os eleitores.

Por isso, vendo as manifestações recentes em que assume publicamente a sua ambição política, avalio que o ex-juiz dificilmente vencerá a próxima eleição presidencial. Moro largou a toga, mas não perdeu a arrogância. E sequer revela talento para escondê-la.

Em um artigo recente, Moro resolveu ensinar jornalistas a entrevistarem o ex-presidente Lula (PT). Como aquele que tudo sabe, afirmou que esses profissionais estariam sendo “bem generosos” com o seu oponente e que seriam despreparados por não fazerem a “lição de casa” de estudar para as suas entrevistas.

Como se fosse um professor de jornalismo, sugeriu perguntas a serem feitas pelos profissionais da imprensa para aquele que prendeu e afastou da eleição presidencial, abrindo o caminho para a vitória de Jair Bolsonaro. Também não economizou autoelogios, sugerindo que —pasme-se— teria sido um exemplo de “bom juiz”. Mas e quanto às suas decisões anuladas pela nossa Suprema Corte? Erradas, claro. Magistrados que desfazem as suas decisões incorrem, para ele, em crime de “lesa-divindade”. Aliás, aqueles que criticam a Operação Lava Jato pelos abusos cometidos seriam sempre defensores de “bandidos”.

No Brasil, o país das vassourinhas que varrem bandalheiras e dos caçadores de marajás, super-heróis autoritários que combatem a corrupção, atingindo adversários e poupando aliados, não são novidades. O “novo” em Moro está no fato dele ter agido assim vestindo uma toga. E hoje, com a mesma arrogância e desfaçatez de quando dizia que era um juiz imparcial e não tinha um projeto político, ao mesmo tempo em que violava garantias constitucionais, decretava prisões cautelares abusivas para obter delações premiadas e condenava réus sem provas, quer ensinar jornalistas a fazerem perguntas que já foram respondidas e provadas nos autos do processo judicial em que suas condenações foram anuladas.

Não quero ensinar a nenhum jornalista a sua profissão. Mas, como cidadão, gostaria de ouvir de Sergio Moro, sem tergiversações, respostas que, até hoje, não encontro em nenhum processo judicial. Pergunto então a ele:

1 – As mensagens divulgadas pelo site The Intercept Brasil são falsas ou verdadeiras?;

2 – Se foi um bom e imparcial juiz por que divulgou, ilicitamente e de modo descontextualizado, um diálogo mantido entre a ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) e o ex-presidente Lula, indevidamente interceptado? Se não errou ao assim decidir por que então pediu publicamente “desculpas” ao STF?;

3 – Uma das dez medidas contra a corrupção propostas pelos membros da Lava Jato defendia a possibilidade de utilização de provas ilícitas para condenações sancionatórias. Considerando que se essas medidas tivessem sido aprovadas, as mensagens ilicitamente obtidas por um hacker poderiam ser utilizadas para condená-lo, ainda afirmaria que os garantistas que defenderam a não aprovação dessa medida estavam apenas defendendo “bandidos”?

4 – A que título e de que forma desempenhou atividades na consultoria Alvarez & Marsal? Que valores recebeu, inclusive em decorrência da rescisão contratual? Por que não os apresenta ao Tribunal de Contas da União, já que sempre disse que o melhor desinfetante é a “luz do sol”? Como justifica não existir conflito ético pelo fato de ter prestado serviços para uma empresa que percebeu elevados pagamentos de companhias investigadas pela Lava Jato?

Fonte: Folha de São Paulo