Em meio à polêmica envolvendo a exploração da Serra do Curral, cartão-postal de Belo Horizonte, o governador de Minas, Romeu Zema (Novo), nomeou para a presidência do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha) a prima do diretor executivo e sócio da empresa que quer minerar a serra, a Taquaril Mineração S/A (Tamisa).

A arquiteta Marília Palhares Machado e o advogado Guilherme Augusto Gonçalves Machado são primos de primeiro grau por parte de pai. Marília assumiu a gestão do Iepha em 14 de maio no lugar de Felipe Cardoso Vale Pires, exonerado no mesmo dia.

Dois meses antes, Pires havia encaminhado um ofício ao Ministério Público revelando possível ilegalidade no processo de licenciamento do empreendimento da Tamisa. O governo de Minas informou que Marília foi convidada “por seu currículo, experiência e trajetória em defesa do Patrimônio Histórico”.

Ao tomar posse da presidência do Iepha, ela, automaticamente, assume a secretaria-executiva do Conselho Estadual de Patrimônio Cultural (Conep), que irá decidir sobre o tombamento estadual da Serra do Curral, uma pedra no sapato da Tamisa, uma vez que, aprovado, impediria a exploração minerária na região. Será papel de Marília, em conjunto com o Secretário Estadual de Cultura e Turismo e presidente do conselho, Leônidas Oliveira, colocar na pauta de votação o dossiê que fundamenta o tombamento.

O Iepha ainda está no centro do debate sobre a legalidade da licença concedida ao empreendimento, em 30 de abril, pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam). Em Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Estadual de Minas Gerais (MPMG) solicitando a suspensão do licenciamento, os promotores apontam a falta do estudo de impacto ao patrimônio cultural e da anuência válida expedida pelo Iepha, “razão pela qual a licença ambiental é nula de pleno direito”, observam.

“No caso em análise, apesar dos significativos impactos ao patrimônio cultural, não houve apresentação prévia de Estudo de Impacto ao Patrimônio Cultural (Epic) e nem anuência prévia do Iepha. Dessa forma, o procedimento de licenciamento ambiental padece de flagrante vício de ilegalidade, por ter dispensado indevidamente exigências expressas na legislação estadual”, destacam ainda os promotores na ação apresentada em 05 de maio.

A informação de que o empreendimento da Tamisa não passou pela análise do Instituto e nem recebeu o aval do órgão foi encaminhada ao Ministério Público por meio de ofício, em 22 de março, assinado por Felipe Pires – exonerado dois meses depois da presidência do Iepha. O documento é citado na Ação Civil Pública do MPMG.

O diagnóstico feito por Pires também consta em e-mail encaminhado por ele no dia 23 de março ao Superintendente de Projetos Prioritários (Suppri) da Secretaria de Meio Ambiente, Rodrigo Ribas, ao qual a reportagem teve acesso – a Suppri é onde está tramitando o processo de licenciamento do projeto minerário.

Em resposta, Ribas se contrapôs aos argumentos do então presidente do Iepha e defendeu que o órgão não se manifestasse no processo: “Vimos (sic), portanto, solicitar deste Instituto manifestação acerca do atendimento ao que está devidamente orientado pela AGE (Advocacia Geral do Estado), no sentido de, não havendo impacto, não haver manifestação desse órgão”, escreveu. Ele justifica ainda que o Instituto já teria avaliado o empreendimento.

Conforme Pires escreveu no documento enviado ao Ministério Público, no entanto, a última anuência expedida pelo Iepha é de dezembro de 2018 e se refere à análise do projeto inicial apresentado pela Tamisa em 2014, que foi arquivado a pedido da empresa, em 2019.

O projeto que recebeu o licenciamento do Copam foi apresentado ao governo em 2020. “Isto posto, por se tratar de processo hoje em tramitação, com nova solicitação administrativa de licenciamento ambiental do empreendimento/atividade, conforme dados constantes no Sistema de Licenciamento Ambiental/SLA, é necessária a apresentação de estudos completos acompanhados de toda documentação pertinente à avaliação de impacto ao patrimônio cultural para nova análise por este Instituto”, ressaltou Felipe Pires.

A Semad informou que a troca de e-mails entre Felipe Pires e Rodrigo Ribas é parte do processo de licença ambiental e está registrada publicamente. O órgão diz que a mensagem trata da solicitação de informação sobre o pedido, que foi feito pelo Instituto, do estudo e relatório de impacto ao patrimônio cultural, “tendo em vista duas condições que não haviam sido levadas em conta pelo Iepha”: a de que existe uma orientação jurídica, aprovada pela AGE, de que “a informação de impacto sobre bem cultural acautelado deve ser prestada pelo empreendedor” e de que não existem dados sobre o tombamento definitivo ou provisório na área do empreendimento. “Inexistindo tombamento, impede a solicitação de estudo de impacto sobre bem tombado”, informou a Secretaria à reportagem.

Felipe Pires foi desligado do cargo depois de um ano à frente da gestão do Iepha. Procurado, o governo de Minas negou que a exoneração tenha relação com o imbróglio envolvendo a Serra do Curral. “Ele deixou o cargo a pedido encaminhado há três meses”, diz a nota. “A alternância na presidência do Iepha dará continuidade às boas práticas de gestão e condução transparente dos trabalhos”, acrescenta.

Pires informou, por meio de nota, que sua saída “vinha sendo negociada há alguns dias e por definição da gestão estadual foi concluída no dia 14 de maio de 2022”. “Todo meu trabalho na presidência do Iepha foi realizado de modo técnico, tal como orientado pelo governo, pautado pela legalidade e regularidade dos processos sob minha responsabilidade”, acrescentou.

A Tamisa foi contactada, mas não retornou aos questionamentos da reportagem.

Fonte: Agência Pública


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