Nos últimos meses, um tsunami de investigações sobre esquemas de venda de sentenças e corrupção abalou seis tribunais estaduais, abrangendo três regiões do Brasil. Esses episódios trouxeram à tona a extensão de práticas ilícitas que têm envolvido magistrados, advogados, lobistas e servidores. Os desdobramentos dessas apurações incluíram o afastamento de 16 desembargadores, sete juízes — dos quais um foi preso e seis estão monitorados por tornozeleiras eletrônicas — e quatro servidores do Superior Tribunal de Justiça (STJ), além de denúncias que agora desafiam a integridade do sistema judiciário brasileiro.
As investigações da Polícia Federal (PF) apontam para esquemas complexos, que vão desde disputas de terras milionárias até decisões judiciais favoráveis a narcotraficantes internacionais. Entre os tribunais investigados estão os do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, São Paulo, Espírito Santo e Maranhão. Além disso, novos desdobramentos da Operação Faroeste, iniciada há alguns anos na Bahia, revelaram possíveis conexões entre esquemas em diferentes estados.
A lista de crimes investigados é extensa, incluindo corrupção, lavagem de dinheiro, fraude processual, falsidade documental, extorsão, peculato, exploração de prestígio e participação em organização criminosa. As apurações também levantaram suspeitas de que servidores do STJ poderiam estar envolvidos. Dois lobistas de sentenças emergem como figuras centrais nas investigações, um deles assassinado em 2023.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o STJ conduzem apurações sobre a atuação de magistrados, enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) avalia se as investigações sobre servidores e magistrados do STJ devem permanecer sob sua jurisdição. O ministro Cristiano Zanin, relator do caso, decidirá se as suspeitas devem ser tratadas no Supremo, de forma a evitar questionamentos sobre a validade jurídica das apurações.
Entre os estados investigados, o Mato Grosso do Sul concentra uma das mais abrangentes operações. Cinco desembargadores foram afastados, além de um conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-MS) e um servidor. A operação, conhecida como *Churrascada*, revelou o uso de termos codificados como “picanha” e “mecânico” para negociar decisões judiciais. Os investigadores coletaram provas por meio de interceptações telefônicas e diálogos encontrados no celular de um dos lobistas, Roberto Zampieri.
Além disso, foi identificada a atuação de Andreson de Oliveira Gonçalves, considerado um lobista-chave no Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul (TJ-MS) e apontado como intermediário em negociações envolvendo até mesmo o STJ. Gonçalves estaria ligado a processos que incluíam disputas de terras e ações criminais, como a de um narcotraficante associado a Fernandinho Beira-Mar. Investigações indicam que o advogado do narcotraficante teria buscado R$ 1 milhão em propinas no Paraguai, mas os magistrados negam qualquer irregularidade.
A Operação Faroeste, iniciada em 2019 pelo STJ, continua a gerar desdobramentos importantes. Originalmente centrada no oeste da Bahia, o caso revelou uma rede de magistrados envolvidos na grilagem de 360 mil hectares de terra. Nos últimos meses, novas investigações, agora batizadas de *Patronos*, ampliaram o foco para Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Um dos nomes destacados na Faroeste foi o do advogado Vanderlei Chilante, acusado de negociar propinas milionárias para favorecer clientes em disputas judiciais. Chilante também foi citado nas investigações sobre o assassinato de Zampieri, que teria envolvido disputas de terras litigiosas. Segundo as autoridades, os esquemas incluem vantagens indevidas de até R$ 35 milhões, com parte dos valores supostamente canalizados para magistrados.
O impacto dessas investigações vai além do afastamento de magistrados. No Mato Grosso do Sul, o uso de tornozeleiras eletrônicas para monitorar desembargadores afastados exemplifica a gravidade do momento. Em São Paulo, Espírito Santo e Maranhão, outras investigações continuam em estágios iniciais, com diligências realizadas em 11 estados e no Distrito Federal.
As suspeitas lançadas sobre servidores do STJ adicionam uma camada de complexidade ao cenário. Quatro funcionários da Corte estão sob investigação, dois deles afastados. Apesar disso, o STJ rejeita veementemente qualquer ligação de seus ministros com os esquemas ilícitos.
Especialistas destacam que as investigações enfrentam desafios estruturais, como o risco de prescrição de crimes e a dificuldade em rastrear transações financeiras ocultas por intermediários. Além disso, a proximidade de alguns suspeitos com altas esferas do poder gera receios de interferência política nos inquéritos.
Por outro lado, as ações coordenadas da PF, CNJ e Ministério Público são vistas como um sinal de que o sistema judicial está empenhado em reverter práticas que comprometem sua credibilidade. O aumento da transparência e a aplicação de medidas punitivas rigorosas são passos essenciais para restaurar a confiança da população na Justiça.
O aprofundamento das investigações sobre corrupção nos tribunais brasileiros marca um momento crítico para o sistema judiciário. A venda de sentenças, que antes parecia limitada a casos isolados, agora emerge como uma prática disseminada em várias regiões do país, afetando diferentes níveis do Judiciário.
Com denúncias envolvendo 16 desembargadores, sete juízes e dezenas de advogados e servidores, o Brasil enfrenta o desafio de combater essas práticas ilícitas de forma contundente. A integridade do sistema judicial, peça-chave da democracia, depende do êxito dessas investigações e da responsabilização de todos os envolvidos.
Enquanto o país aguarda os desdobramentos desses casos, é imperativo que as instituições mantenham a independência e o rigor em suas apurações. Apenas assim será possível reconstruir a confiança na Justiça e reafirmar seu papel fundamental na sociedade.
Foto: Rafa Neddermeyer /Agência Brasi