Ângela Carrato – Jornalista. Professora da UFMG. Integra o Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Imprensa (ABI)
Indelicado, incompetente, mentiroso e medroso. Esses são alguns dos adjetivos que, a partir da semana que passou, incorporam-se definitivamente ao perfil do governador Romeu Zema (Novo). Parte da população mineira já sabia disso, mas os eventos com a presença do presidente Lula em Juiz de Fora, Contagem e Belo Horizonte escancararam de vez esta triste realidade para quem em 2018 votou e em 2022 confirmou o voto nele.
Temendo a comparação de seu governo, que não fez nada de positivo para Minas Gerais, com os primeiros 16 meses da terceira administração de Lula, Zema não recebeu o presidente, como manda a tradição e a educação, e nem compareceu aos eventos com ele. Primeiro mentiu, dizendo que não tinha sido convidado. Quando a assessoria do Palácio do Planalto provou que não era verdade, Zema argumentou que já tinha “assumido outros compromissos”.
A pergunta que fica é: quais compromissos seriam mais importantes do que recepcionar um presidente que vinha anunciar investimentos de R$ 64 bilhões no Estado, nas áreas de infraestrutura, cultura, educação e moradia?
Quem representou Zema nos eventos com Lula foi o vice-governador Mateus Simões (Novo). Foi ele quem ouviu as vaias, dirigidas a Zema, que quase derrubaram o centro de convenções onde se realizava o evento na capital mineira. Vaias que cessaram rapidamente quando o próprio Lula se colocou ao lado de Simões, que tentava discursar, e pediu respeito dos presentes para com o vice-governador: “ele só está aqui porque foi convidado”.
Zema teve os quatro anos do governo Bolsonaro para buscar um equacionamento para a dívida pública de Minas Gerais, que está entre as três maiores da federação. Não fez nada e, pior ainda, sequer pagou os juros. Moral da história: a dívida explodiu e chega hoje aos R$ 171 bilhões, segundo dados da Secretaria da Fazenda, comprometendo aspectos básicos da gestão como o pagamento do funcionalismo e o próprio desenvolvimento de Minas Gerais.
É bom que se diga que Bolsonaro, mesmo tendo o apoio de Zema, não auxiliou em nada na resolução do problema que tanto aflige os mineiros. Ao contrário. Paulo Guedes, seu ministro da Economia, aproveitou-se da situação para tentar empurrar goela abaixo uma renegociação que simplesmente entregava (na realidade doava) para o mercado estatais como Cemig, Copasa e Codemig.
Neste sentido, vale destacar o importante papel que teve a Assembleia Legislativa, ao retardar qualquer desfecho desta negociação. Zema, na época, tinha maioria esmagadora na Casa. Mesmo assim, a diminuta oposição e uns poucos dissidentes foram gigantes e conseguiram que o assunto não avançasse.
Pactuada com a União em 1998, a dívida de Minas foi calculada na época em R$ 14 bilhões. Como se ampliou quase 15 vezes num período tão curto é assunto que deveria merecer uma cuidadosa auditoria. É preciso lembrar que de lá para cá, Minas teve como governadores Itamar Franco, Aécio Neves (dois mandatos), Antônio Anastasia, Alberto Pinto Coelho, Fernando Pimentel e o próprio Zema.
No entanto, Zema se elegeu acusando o petista Fernando Pimentel de ter causado este “rombo”. Uma mentira que agora aparece com nitidez, quando se verifica que Pimentel tentou, de todas as formas, equacionar a dívida e foi impedido pelo então presidente golpista Michel Temer. Foi Temer quem não aceitou qualquer negociação, por mais adequada e legítima que fosse, e obrigou Pimentel, por falta de recursos, a ter que parcelar até o salário do funcionalismo.
Como a maioria das pessoas tem memória curta e não observa os fatos, Pimentel acabou pagando um pato que não era dele. Basta lembrar que na maior parte do tempo entre 1998 e os dias atuais, estiveram no poder em Minas os tucanos, seus aliados e o próprio Zema que, no primeiro mandato, funcionou como uma espécie de regra três dos tucanos.
Dito de outra forma, os tucanos são os responsáveis diretos por essa dívida e Zema por ela ter explodido. Mesmo assim, ele se recusa a conversar com o governo federal e deixa claro a quem serve: aos mesmos interesses que levaram as atuais gestões bolsonaristas do estado de São Paulo e de sua capital a privatizarem a companhia de águas local, a Sabesp. Detalhe: uma única empresa participou do leilão de privatização e pagou um preço infinitamente inferior ao que a empresa vale. Se o nome disso não for ação entre amigos e roubo do patrimônio público, não sei o que é.
A subserviência de Zema a Bolsonaro e aos tucanos é tamanha, que ele evita o quanto pode entrar nos problemas envolvendo a Cidade Administrativa, cuja sede, uma obra caríssima e desnecessária, construída por Aécio Neves, apresenta, uma década depois de inaugurada, problemas gravíssimos em sua estrutura, obrigando à sua interdição parcial.
Mas se do ponto de vista da gestão econômica, Zema e os tucanos vão passar para a história como tendo destruído Minas Gerais, é na política que Zema ainda tenta se equilibrar.
Depois de reeleito, acreditou que estava cacifado para disputar a presidência da República em 2026. Chegou até a admitir isso. Ao ver suas chances zerarem, dá outro fora monumental ao sugerir-se como possível candidato a vice-presidente. Até hoje nunca se viu um candidato se oferecer para vice, uma vez que o cargo (na realidade expectativa de cargo) envolve afinidades com o titular e muita articulação política.
De quem Zema gostaria de ser vice e quem pensaria em tê-lo como vice?
Um dos últimos espaços que acredita possuir é a eleição para prefeitos municipais este ano. Se Zema conseguisse eleger uma expressiva maioria, poderia continuar sonhado em dar sequência à sua carreira política. O problema é qual candidato ou candidata a prefeito (a) ou mesmo a vereador (a) vai querer seu apoio depois que deu reajuste para seu próprio salário em 300% e reajustou o salário do funcionalismo em míseros 4,62%?
Em Belo Horizonte são 13 os pré-candidatos à Prefeitura. Como em todo o país, aqui também há polarização, com os nomes de extrema-direita e os progressistas liderando as sondagens de opinião. A situação política de Zema é tão ruim, que não se sabe de nenhum candidato buscando o seu apoio, enquanto são vários os que disputam o apoio de Lula.
Neste sentido é interessante observar como a imprensa mineira, que se diz “isenta e imparcial”, já se posiciona. O jornal Estado de Minas, que historicamente (exceção para os governos de Newton Cardoso e Fernando Pimentel) funciona como uma sucursal para os interesses do governante local de plantão, ainda aguarda o posicionamento de Zema, sem deixa de alfinetar Lula ao manchetar, como no sábado (29/6), que a visita confirmou obras e fez acenos para as eleições.
O jornal O Tempo, por sua vez, que vinha se posicionando a favor da candidatura à reeleição do atual prefeito de Belo Horizonte, Fuad Noman (PSD), manchetou que, pela primeira vez, Lula declara apoio ao candidato petista Rogério Correia.
Engana-se quem acreditar que o empresário Vittorio Mediolli mudou de ideia.
Um dos homens mais ricos do Brasil, prefeito reeleito de Betim pelo Podemos e desde 2021 sem partido, ele historicamente tem interferido nas eleições em Minas Gerais, especialmente a de Belo Horizonte e de Betim, cidades que figuram entre as que possuem as maiores arrecadações.
A última coisa que Medioli gostaria é ver o PT no executivo dessas duas cidades, a julgar pelas guerras que moveu contra os petistas no passado. Prova disso é que tem articulado com siglas da extrema-direita para tentar emplacar nomes de sua confiança. Nesse período crucial para alianças e definições de candidaturas, joga com o velho ditado “dividir para imperar”, apostando que, mais uma vez, o campo progressista marchará desunido para as urnas.
O uso descarado de empresas de comunicação a favor de interesses partidários e negócios pessoais não é novidade em Minas Gerais. Se antes o jornal Estado de Minas atuava na política partidária, mesmo sem ter um político em sua direção, o Tempo agora faz política partidária e tem um político, com mandato, no comando.
Medioli também é o dono do tabloide sensacionalista Super e da Rádio Super.
Como faz falta legislação de imprensa no Brasil e uma política para democratizar a mídia!
Para fechar uma semana terrível para Zema e sua turma, a poeta e romancista Adélia Prado é a vencedora do Prêmio Camões, o mais importante da língua portuguesa. A premiação foi anunciada na última quarta-feira em Lisboa e o valor é de 100 mil euros, um dos maiores valores do mundo entre os prêmios literários.
Adélia é aquela pessoa que Zema perguntou se fazia estágio em uma rádio de Divinópolis, quando concedia entrevista à emissora e foi presenteado com um livro da consagrada escritora. Ele nunca admitiu a mancada.
Zema não é apenas indelicado, incompetente, mentiroso e medroso.
É também inculto e prepotente.