Embora todas as estatísticas indiquem os benefícios individuais e coletivos das vacinas, há quem precisa arriscar a própria saúde e se negar a tomar um imunizante contra Covid. A grande maioria delas foi vacinada muitas vezes na infância e não sofreu qualquer reação adversa grave, mas a hesitação acaba aparecendo no momento em que o mundo se vê diante de uma doença tão perigosa.

O que explica essa negação sobre o que a ciência evidencia tão claramente?

Mesmo antes da pandemia, o movimento antivacina já vinha criando problemas à saúde pública brasileira. Segundo pesquisa divulgada pela Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) em 2019, 67% dos entrevistados acreditaram em pelo menos uma declaração imprecisa sobre vacinas e 48% afirmaram se informar sobre imunizantes por redes sociais.

Autora do livro “Corpos inscritos: Vacina e Biopoder (1840-1904)”, a historiadora e professora da UFMG Myriam Bahia Lopes explica que hoje existe um movimento antivacina que age de forma coordenada e vem crescendo em países comandados por políticos de extrema direita.

“Também está relacionado a um movimento neoliberal que visa destruir a proteção oferecia pelo Estado”, explica a pesquisadora. “Existe um processo de radicalização que não pode ser visto como burrice, mas como estratégia política”.

Ela explica que a vacinação contra a varíola – um grande case de sucesso na história da saúde pública, pois a doença acabou sendo erradicada pela imunização coletiva – obteve êxito porque houve uma grande conscientização da importância do fármaco em todo o mundo.

Mas hoje o cenário é diferente. “A grande sacada para a rapidez no desenvolvimento de vacina contra a Covid foi a China ter aberto logo os dados para sequenciamento genético, o que promoveu uma corrida científica no mundo inteiro. Poderíamos ter todo o planeta vacinado, mas isso não acontece por questões políticas”, diz.

Movimento não é único motivo para hesitação

O movimento antivacina vem crescendo de maneira coordenada nos Estados Unidos e Europa desde o final dos anos 1990 e aqui começa a atrapalhar um processo de vacinação historicamente bem-sucedido – tanto que apenas 31% das vacinas infantis para Covid enviadas foram aplicadas pelos municípios mineiros, de acordo com dados da Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG).

Mas só isso não explica a hesitação vacinal no país. De acordo com Tércia Moreira, professora da Escola de Enfermagem da UFMG, no Brasil existe uma grande circulação de informações falsas sobre vacinação contra a Covid, mas esse conteúdo não foi necessariamente produzido e disparado por um movimento organizado.

“Isso está mais ligado a uma falta de orientação governamental clara sobre a importância da vacina”, diz a pesquisadora, acrescentando que a falta de contato das pessoas com doenças controladas por vacinas faz com que muitas não enxerguem a importância da imunização.

Segundo ela, os índices de vacinação já vinham se reduzindo no Brasil desde antes da pandemia por diversos motivos, além da desinformação. “No país existem outros fatores que explicam a queda nos índices de vacinação, como a falta de alguns imunobiológicos em centros de saúde e porque, justamente graças às vacinas, muitas pessoas não tiveram contato com doenças que foram controladas pela vacinação”, explica a professora.

Para Tércia, ficou claro aos cientistas a necessidade de se estabelecer estratégias de comunicação em massa eficientes para sanar as dúvidas levantadas pelas notícias falsas que circulam por redes sociais. E quem está mais próximo do público também pode contribuir.

“Durante a pandemia, os profissionais de saúde ganharam notoriedade, por estarem na linha de frente. É o momento de aproveitarem essa notoriedade para a divulgação de informações com evidências científicas para a sociedade”, completa.

O mais importante é mostrar à população os números que comprovam a eficácia das vacinas. Um deles é que sete em cada dez internados em UTI por causa da Covid, em Minas, não tomou nenhuma dose de vacina.

O processo de negação, na psicanálise

Em qualquer sociedade, sempre vai existir alguém que nega alguma situação aceita pela maioria. A diferença deste momento é que a negação à ciência não parte mais do indivíduo, mas passou a ser um fenômeno coletivo. “A diferença é que a extrema direita transformou isso num método que não é ingênuo. Não é como uma fofoca ou boato, que alguém inventa e monte de gente acredita, mas um método feito para ter lastro social, para ter seguidores e votos”, afirma a psicóloga Rita Amaral.

Segundo ela, Sigmund Freud havia descrito a negação como um mecanismo natural de defesa humana frente à angústia. Mas há grupos que conseguem se aproveitar dessas questões individuais, instrumentalizando emoções, em vez de usar dados científicos. “Eles não mobilizam pela razão, mas pelo afeto”, completa.

Para saber mais

Há bons materiais sobre as origens do movimento antivacina em diversas plataformas digitais. Na HBO Max, o destaque é o documentário “A conspiração antivacina” (2021), que mostra os interesses econômicos que estão por trás da disseminação de fake news. Revela como Andrew Wakefield (o criador do estudo fraudulento que liga a vacina triviral a autismo) e outras pessoas ganham dinheiro disseminando informações falsas.

Outro bom produto é o podcast Ciência Suja, da NAV Reportagens, que explora os interesses por trás do negacionismo científico. A série mostra como a indústria do tabaco construiu estratégias para gerar dúvidas na população sobre a ciência.

Fonte: SBIm