Ângela Carrato – Jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG

Tudo começou em São Paulo, em 2013, quando grupos que, historicamente, defendiam o passe livre nos transportes coletivos foram às ruas contra o aumento de 20 centavos nas passagens de ônibus.

Os protestos se tornaram gigantes e, à frente deles, soube-se depois, estavam ONGs e think tanks estadunidenses ligados à extrema-direita, associados a empresários e políticos conservadores. Era o começo da “guerra híbrida” no país.

De nada adiantou Dilma Rousseff tentar negociar. O que a turma queria era tumultuar. Tanto que nos meses seguintes e ao longo de 2014, ano de Copa do Mundo e de eleições presidenciais, as ruas permaneceram lotadas, com manifestantes vestindo verde e amarelo e exigindo “escolas e hospitais padrão Fifa”.

Ao questionar, de forma golpista, o resultado das eleições, o candidato derrotado, Aécio Neves (PSDB), abriu propositalmente a porta do inferno e anunciou que não deixaria Dilma governar.

Em 2 de dezembro de 2015, o então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, aceitou uma improcedente denúncia de crime de responsabilidade contra a presidenta. O processo acabou marcando o ano seguinte, com o Legislativo protagonizando um dos momentos mais lamentáveis de sua história.

Quem lembra que um tal de Jair Messias Bolsonaro aproveitou a oportunidade para homenagear o torturador Brilhante Ustra, um dos mais ferozes carniceiros da ditadura militar (1964-1985)?

Como ficou provado, Dilma foi deposta, pois não houve crime de responsabilidade.
Seu vice, o golpista Michel Temer (MDB), assumiu o poder e passou a implementar a pauta que interessava à classe dominante brasileira e aos grandes grupos internacionais: acabar com os direitos trabalhistas, destruir a educação pública e entregar o pré-sal às petroleiras estrangeiras. Detalhe: as “senhoras de bem” (ricas e milionárias) não aceitavam a legislação implantada por Dilma, que garantia direitos para as empregadas domésticas.

Um dos objetivos da “guerra híbrida” havia sido alcançado. Derrubar um governo democrático e legitimamente eleito e substituí-lo por um capacho dos interesses das grandes potências.

Temer terminou o mandato como um dos presidentes mais impopulares do planeta. Foi no seu governo que Operação Lava Jato, conduzida por duas obscuras e desconhecidas figuras, Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, realizou um dos trabalhos mais sujos de que se tem notícia, a fim de buscar consolidar a vitória dos interesses antinacionais e antidemocráticos.

No afã de criminalizar Lula, Moro e Dallagnol fizeram de tudo, inclusive destruir as principais empresas de construção civil no país e abalar, entre os mais crédulos, a reputação da maior empresa estatal brasileira, a Petrobras. O resultado foram 4,4 milhões de empregos perdidos e Lula condenado e preso, sem quaisquer provas.

A disseminação do ódio contra Lula, o PT e a esquerda brasileira não teria sido possível sem a atuação da mídia corporativa brasileira.

Nenhum veículo desta mídia, até agora, fez uma reportagem sequer mostrando que Bolsonaro, entre outros terríveis recordes negativos, ostenta 140 pedidos de impeachment, sobre os quais, seus aliados na Câmara dos Deputados criminosamente se assentaram.

Por ironia do destino foi o portal estadunidense The InterceptBR que repôs a verdade dos fatos. Em junho de 2019 deu início à publicação de uma série de reportagens mostrando a troca de mensagens entre os integrantes da Lava Jato, nas quais ficava nítido o que alguns sabiam e muitos suspeitavam: o objetivo era tirar Lula da campanha presidencial.

Naquela altura do campeonato, Lula estava preso e Bolsonaro confortavelmente instalado no Palácio do Planalto, após uma eleição roubada.

Nesses quase quatro anos, Bolsonaro mostrou a que veio. Beijou a bandeira dos Estados Unidos e declarou amor a Trump. Destruiu os programas sociais criados por Lula e ampliados por Dilma, perseguiu professores, pesquisadores, instituições científicas e artistas.

Por negacionismo e negligência é o responsável pela maior parte das quase 700 mil mortes por covi-19.

É o responsável pela maior destruição já registrada na Amazônia e em biomas como o do Pantanal.

É o responsável pela situação de desespero em que vivem os indígenas, cujas terras têm sido griladas por seus apoiadores.

A misoginia, a homofobia e o racismo que marcam Bolsonaro, seus familiares e apoiadores são responsáveis diretos pelo absurdo aumento no número de mortes de mulheres, integrantes da comunidade LGBTQIA+ e por situações de racismo explícito.

Com Bolsonaro, o Brasil voltou ao Mapa da Fome da ONU – 33 milhões de pessoas passam fome e outro tanto come ossos e sobras recolhidas do lixo -, mesmo o agronegócio sendo o carro-chefe da economia nacional. Até nesse aspecto, retrocedemos à República Velha.

A maioria da população está desempregada ou subempregada e o número de armas em mãos das milícias e de grupos criminosos ligados ao bolsonarismo explodiu.

A Petrobras virou vaca leiteira dos oligarcas nacionais e internacionais, pagando a eles os maiores dividendos que se tem notícia. Os preços da gasolina e do diesel explodiram e só recuaram artificialmente na campanha eleitoral. Em novembro, devem explodir novamente.

Sem recursos, o plano de investimentos em pesquisa e inovação da Petrobras virou pó. E o engenheiro virou motorista de uber.

Em meados de 2021, a fome era recorde e a reprovação ao governo de Bolsonaro atingia níveis estratosféricos. Ele não queria pagar auxílio emergencial e o benefício só saiu, porque a oposição conseguiu o apoio da maioria no Congresso Nacional.

A partir daí, Bolsonaro, que não trabalha, afronta os poderes constituídos e espalha mentiras, passou a se valer abertamente do apoio de pastores e bispos neopentecostais inescrupulosos e de verbas públicas para tentar comprar a reeleição.

Ele meteu a mão no dinheiro público para bancar o chamado Orçamento Secreto, eufemismo para a mais descarada corrupção através do apoio a parlamentares com vistas à sua reeleição.

Bolsonaro passou também a distribuir dinheiro público a rodo entre os empobrecidos por ele, a título de auxílios. Se as instituições no Brasil estivessem funcionando, era para o Judiciário ter impedido esse derrame de dinheiro durante o processo eleitoral, com nítido objetivo de comprar votos.

Um ou outro veículo da mídia corporativa chegou a esboçar alguma crítica, mas também se calou porque passou a receber mais verbas oficiais.

Para fugir ao debate econômico, Bolsonaro tem investido na pauta moralista e na “guerra religiosa”, levando o Brasil de volta à Idade Média e ao extremismo das teocracias.
Assim chegamos à semana que nos separa do segundo turno da eleição.

Com o país destruído e as instituições ameaçadas – o Congresso Nacional foi aparelhado e o próximo será o STF – Bolsonaro dissemina o ódio e a mentira e tenta desmobilizar grandes contingentes da população para que não votem. Descaradamente, ele sonha com um Brasil autoritário e em ser uma espécie de Mussolini tropical.

Os muito ricos e a elite internacional têm toda razão em apoiar a sua reeleição. Tanto que já arrecadou R$ 64 milhões em doações, contra R$ 1,4 milhão dado a Lula.

Parte da classe média vira-lata moralista e alienada apoia Bolsonaro com camisetas verdes e amarelas e bandeirinhas do Brasil nos seus carros financiados em 72 prestações.

Os mais pobres resistem, mesmo dependendo, nos dias atuais, dos auxílios para comer.

Apesar de Bolsonaro ser o governo mais corrupto da história da República, corrupto no sentido estrito e também no mais amplo da palavra, pois envolve a destruição de todas as instituições e da própria democracia, os “indignados” de 2013 sumiram.

Será que estão satisfeitos com as “escolas e hospitais padrão Fifa” que agora temos?
Será que estão satisfeitos com o Brasil à beira do caos social e pária mundial?
Será que nem desconfiam que vivem em uma realidade paralela criada pela mídia, pelos pastores e pelas fake news?

O “saco de bondades” de Bolsonaro tem data para terminar: dezembro. O plano dele para 2023, revelado sem querer pelo ministro da Economia Paulo Guedes, é arrochar e acabar com as aposentadorias, desvinculando-as do reajuste do salário mínimo. É privatizar a Petrobras e toda e qualquer empresa estatal, sem falar na cobrança de mensalidades nas universidades públicas e nos atendimentos pelo SUS, como quer a extrema-direita.

Apesar da absurda desigualdade de condições, Lula, desde o início, lidera a disputa e tem tudo para vencer.

Para sorte do Brasil.