O acordo alinhavado entre PT e PSD para a composição de chapa nas eleições em Minas Gerais tende a ser benéfico para todas as partes envolvidas, mas não é, claro, garantia de transferência de votos em massa entre o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ex-prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil. O histórico das eleições em Minas mostra isso. Contudo, avaliando o desempenho dos dois nas várias regiões do Estado, é possível sim dizer que eles podem se complementar.

Uma análise rápida dos resultados da última pesquisa DataTempo para presidente e para governador de Minas Gerais, indica onde Kalil pode ganhar votos de Lula se a conexão entre os dois for bem estabelecida.

No Noroeste do Estado, por exemplo, enquanto o petista alcança 71,05% das intenções de voto, o ainda desconhecido ex-prefeito chega a apenas 7,89%. No Norte de Minas, Lula tem 56,69% e Kalil só alcança 13,38%. No Jequitinhonha, enquanto o ex-presidente obtém hoje 51,39%, o pré-candidato ao governo pontua com 16,67%. No Vale do Mucuri, são 57% para Lula e 17,5% para Kalil.

Mesmo onde o petista não vai tão bem assim, como no Triângulo mineiro, onde tem 36,74% e só empata com Bolsonaro, ele vai bem melhor que o ex-prefeito, que chega a apenas 8,37%. O potencial de transferência do petista para o pessedista é enorme. A mesma pesquisa DataTempo indica que32% dos eleitores sugerem que podem mudar seus votos com um apoio de Lula a Kalli.

Embora em menor grau, Kalil também pode ter votos a entregar para Lula. Na região metropolitana, maior contingente de eleitores em Minas Gerais, mesmo bem atrás de Zema e vendo Lula em primeiro na disputa nacional, o ex-prefeito tem hoje mais votos que o petista. Kalil aparece com 43,91%, enquanto Lula registra 42,56%.

Como também há eleitores de outros candidatos votando no ex-presidente, há aí um potencial ainda de eleitores do ex-prefeito que podem ser convencidos pelo petista. E, fora a questão matemática, tem a busca do PT de mostrar Lula como um candidato mais ao centro, o que é beneficiado pela aliança.

Isso, porém, não é garantia de sucesso. O histórico das eleições em Minas indica que, embora para vencer no Brasil seja necessário vencer a disputa presidencial no Estado, não há correlação clara entre a corrida nacional e a estadual. Mesmo quando o candidato apoiado pelo presidente eleito também ganhou, o cenário mostrou-se bem distinto entre os mineiros.

Em 1994, por exemplo, Fernando Henrique Cardoso (PSDB) ganhou as eleições no primeiro turno, quando Eduardo Azeredo, do mesmo partido, tomou um passeio na disputa com Hélio Costa na primeira etapa da disputa. Só no segundo turno, quando FHC já tinha o cargo garantido, é que Azeredo registrou uma virada histórica que virou case de campanhas pelo dado curioso de que Costa teve menos votos no segundo turno do que no primeiro.

Em 1998, apesar de nova vitória de Fernando Henrique Cardoso no primeiro turno, Azeredo perdeu para Itamar Franco (deve-se descontar o fato de FHC ser também identificado a Itamar, de quem foi ministro). Quatro anos depois, a eleição nacional consagrou Lula no segundo turno, mas em Minas quem ganhou foi Aécio Neves (PSDB), e no primeiro turno, com 17 pontos de vantagem sobre Nilmário Miranda (PT).

Em 2006, de novo deu Lula no segundo turno em eleição disputada, enquanto Aécio venceu o PT de novo no Estado com 77% dos votos no primeiro. Por fim, em 2010 novamente o resultado mostrou grande diferença, com Dilma vencendo no segundo turno para presidente e Antonio Anastasia (PSDB) sendo eleito no primeiro turno com 62% dos votos em Minas.

O cenário só se tornou mais parecido nos pleitos nacional e local em 2014, quando Dilma foi reeleita e Fernando Pimentel (PT) ganhou no Estado. Ainda assim, a então presidente penou em uma disputa feroz com Aécio no segundo turno, decidida por margem estreita, enquanto Pimentel venceu com tranquilidade ainda na primeira etapa da eleição estadual.

Em 2018, Romeu Zema (Novo), como se sabe, contou com a vinculação forte a Bolsonaro na reta final de campanha para ser eleito no segundo turno. Sua vantagem, porém, foi bem maior do que a do atual presidente da República.

Os dados históricos indicam, portanto, que o Luzema, tal como o Lulécio ou o Dilmasia no passado, é possível. É preciso, porém, traçar uma diferença básica. Em 2022, estaremos diante de uma eleição nacional muito mais polarizada e radicalizada.

O embate nacional tende a ganhar mais peso do que nunca, numa evolução do que vimos em 2014 e 2018, justamente os dois anos em que houve coincidência nas eleições estadual e federal. Para Zema, sustentar votos de lulistas tende a ser bem mais difícil do que foi para seus antecessores no Estado. Principalmente se houver vinculação dele com Bolsonaro.

Aliás, o acordo de Lula com Kalil força Bolsonaro a tomar uma decisão. Se agora seu adversário tem um palanque sólido em Minas, ele terá que garantir também um apoio formal de Zema ou encampar pra valer a candidatura de Carlos Viana. A segunda hipótese pressiona ainda mais o governador. Cheio de votos lulistas hoje no bolso, o governador não quer essa vinculação no primeiro turno. Mas essa atitude pode ter como consequência o fortalecimento de Viana, que prejudicaria profundamente o governador. Não é posição confortável.

Acordo positivo na chapa

Sobre as consequências do acordo para os demais envolvidos na chapa do PSD, ele não é ruim para ninguém. Alexandre Silveira, claro, aumenta bastante suas chances no Senado com a saída de Reginaldo Lopes (PT).

O petista, por sua vez, teria tarefa difícil para enfrentar a capilaridade do atual senador e que tem o apoio de Rodrigo Pacheco e, em consequência, de dezenas de prefeitos no interior. Além do mais, Reginaldo já se fortaleceu muito com a vinculação a Lula.

Sua eleição para a Câmara fica muito facilitada e cargos de ministro ou secretário em eventuais governos de Kalil e de Lula seriam naturais. Mesmo para Agostinho Patrus, que abriu mão da vaga de vice na chapa para permitir a composição. Ele também não ficaria na chuva.

A possibilidade de ir para o Tribunal de Contas do Estado (TCE) parece interessante para quem, antes de mergulhar no processo eleitoral, falava da hipótese de não buscar mais um novo cargo eletivo. No fim, por mais difícil que o acordo tenha parecido, hoje tornou-se algo bastante natural quando se olha o processo mais detidamente.