Professores da rede pública de Minas Gerais e Belo Horizonte estão adoecendo cada vez mais. Os dados mostram que, de janeiro a agosto deste ano, mais de 24 mil profissionais tiveram que se afastar da sala de aula devido a complicações médicas.
Os educadores apontam o desgaste da categoria após o retorno das atividades com o fim do isolamento imposto pela pandemia e cobram apoio dos órgãos públicos.
Na capital mineira, segundo a Secretaria Municipal de Educação (Smed), 11.791 professores tiveram que se afastar, por pelo menos um dia, em 2022. Os transtornos mentais e comportamentais estão entre algumas das causas mais prevalentes.
Já na rede pública estadual, foram 12.767 professores, conforme informou a Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag). As causas não foram apontadas por causa de “sigilo”. “Ficamos um tempo no trabalho online, e, depois que voltamos, tenho notado as pessoas mais estressadas e adoecendo muito. O corpo está respondendo”, diz a professora Maria Laura de Abreu Rosa, de 60 anos.
Os profissionais entrevistados são categóricos ao afirmar que a saúde mental dos educadores está fragilizada, tendo em vista os desafios encontrados em sala de aula com a volta do ensino presencial.
“Recebemos os alunos diferentes. Eles estão sobrecarregados emocionalmente. São casos de depressão, automutilação, pais agressivos por questões econômicas, abusos sexuais. Estamos lidando com conflitos entre alunos e uma violência constante na sala de aula. Nós, professores, nos sentimos desamparados”, destaca uma docente, que opta pelo anonimato.
Lidar com os problemas apresentados pelos alunos tem desencadeado uma série de complicações na saúde dos professores. “Não dá para negar, por mais que tentemos nos blindar, somos afetados demais. As famílias entregam os filhos para as escolas, e os professores têm que fazer malabarismo. Eu acordo com o corpo doendo, como se tivesse carregado uma caixa durante a noite”.
A sobrecarga dos professores é perceptível, conforme aponta a educadora Maria Laura, que só na rede pública de BH trabalha há 18 anos. “Na escola em que trabalho tenho colegas com depressão e síndrome do pânico. Uma delas sequer consegue entrar na sala de aula, pois começa a ter crises. Está quase impossível exercer a docência no mundo de hoje. Aumentou o trabalho, e diminuíram os profissionais”.
Os educadores informam que têm feito a chamada “dobra” quando o colega falta. “Quando um professor adoece, não tem substituto. Trabalhamos no turno que não é nosso. Fazemos a jornada extra, claro que recebemos por isso, mas é desgastante. O que tenho visto é uma falta de estímulo profissional, cansaço, trabalho extenuante, e não vemos perspectivas de melhora. Todo mundo está muito ansioso”, destaca Maria Laura, que precisou ficar afastada do trabalho para tratar um câncer.
A pandemia de Covid-19 trouxe à tona o adoecimento dos profissionais da educação, conforme sugerem as professoras entrevistadas. “Eu atendo alunos de 10 a 82 anos, já que leciono também para jovens e adultos. Estou lidando com todos os problemas que você imaginar”, afirma a professora, que opta pelo sigilo do nome.
“O coronavírus não agravou a nossa situação, só fez aparecer. Durante o trabalho remoto, eu tinha ansiedade por ver meus alunos, que moram em comunidades de ocupação, não terem equipamentos para conseguir estudar. Ficamos mal diante de tudo isso, pois acreditamos que a educação é o caminho. Só que, ao vermos a invisibilidade da nossa profissão, os cortes na educação, percebemos que sequer somos respeitados. Isso agrava a nossa dor”, desabafa Maria Laura.
Entidades pedem cuidado do poder público
O aumento no adoecimento dos educadores é acompanhado pelos sindicatos da categoria. Wanderson Rocha é diretor do Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Rede Pública Municipal de Belo Horizonte (Sind-Rede-BH). Segundo ele, a Smed tem sido alertada sobre a situação dos professores.
“Temos alertado a Secretaria de Educação sobre as condições de trabalho, mas há o encerramento do diálogo deles com a entidade sindical. Nós queremos discutir políticas públicas que possam analisar a motivação do adoecimento, só que estamos aguardando a retomada da conversa”.
Rocha conta que a violência escolar tem aumentado consideravelmente e feito professores pedirem transferência. “A insegurança no trabalho existe, e tem professores angustiados, com estresse psicológico, exaustão e visão negativa do trabalho. Para exemplificar, em Venda Nova, uma professora pediu transferência pela falta de segurança no exercício da profissão. São questões que nos preocupam muito”, opina o sindicalista.
As condições para exercer a profissão de professor têm desestimulado jovens de seguir a carreira, conforme alerta Denise de Paula Romano, coordenadora geral do Sindicato Únicos dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE).
“A dedicação faz com que os professores permaneçam com o compromisso de educar os alunos. De fato, há amor pela profissão. No entanto, as coisas precisam mudar, pois está muito difícil. Temos um apagão na licenciatura, e ninguém quer ser professor. É um quadro assustador e nunca visto no país. Já imaginou não ter oferta de ensino médio porque não há professor formado?”, questiona.