No dia 15 de março de 2015, um marco na política brasileira se consolidou com as manifestações que levaram milhares às ruas em protesto contra Dilma Rousseff (PT). Esse movimento, articulado nos bastidores pelo então deputado Aécio Neves (PSDB), foi um dos impulsos decisivos para o impeachment da petista. Exatos cinco anos depois, no mesmo dia, bolsonaristas voltaram a ocupar as ruas, agora em apoio ao governo de Jair Bolsonaro (PL), intensificando ataques ao STF e ao Congresso Nacional.
Especialistas e políticos de diferentes matizes ideológicos veem nesses episódios pontos de inflexão na história recente do Brasil. Ambos os movimentos, ainda que distintos em contexto e objetivos, carregavam uma retórica comum, incluindo críticas ferozes ao Supremo Tribunal Federal e apelos à intervenção militar.
“Houve várias manifestações da direita contra o Supremo, até mesmo durante o governo de Jair Bolsonaro, que causaram enorme mal-estar entre os Poderes. O STF e o Congresso vêm, desde o governo Dilma, sofrendo ataques”, afirma Marcos Antônio Teixeira, cientista político e professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas).
Os protestos de 15 de março de 2015 alcançaram todas as capitais do país, com a população vestindo verde e amarelo e denunciando corrupção, inflação alta e desemprego crescente. Em São Paulo, a maior manifestação aconteceu na Avenida Paulista, reunindo cerca de 210 mil pessoas, mesmo sob chuva.
Aécio Neves, que havia sido derrotado por Dilma no segundo turno das eleições de 2014, aproveitou a insatisfação popular e articulou a desestabilização do governo petista. Em reuniões com lideranças do PSDB e aliados do MDB, Neves incentivou a mobilização e deu suporte aos discursos que pavimentaram o caminho para o impedimento da presidente.
“Os protestos foram consequência das más decisões do governo na economia”, justificou Aécio. Ele também comparou os movimentos que aconteceram nos governos Dilma e Bolsonaro, defendendo sua legitimidade, mas criticando a polarização política. “Durante essa década, o centro político foi escanteado. Essa polarização está atrasando o Brasil.”
No entanto, o processo de impeachment não se limitou às ruas. A articulação de Aécio junto a Eduardo Cunha (MDB), então presidente da Câmara dos Deputados, foi decisiva para que o pedido de impedimento prosperasse. A crise política se agravou quando o governo perdeu apoio do centrão e viu seus aliados abandonarem o barco.
O deputado Rui Falcão (PT), que presidia o partido em 2015, acredita que o impeachment de Dilma foi uma ruptura democrática com impactos profundos na institucionalidade do país. “A derrubada do governo deixou a brecha para a população acreditar que se pode derrubar as instituições a qualquer momento”, afirmou.
Falcão relata que, na época, sugeriu a Dilma que fizesse um chamado popular para resistir ao impeachment, mas o governo optou por uma abordagem institucional, que se mostrou insuficiente. “Eu assisti à base deixando o governo. Um dia, eu estava no Planalto com um assessor quando um ministro passou por nós de cabeça baixa. Meu assessor disse: ‘Ali vem um traidor’.”
Cinco anos depois dos protestos contra Dilma, a cena se repetia. No dia 15 de março de 2020, bolsonaristas tomaram as ruas, agora para defender o então presidente. O alvo principal das críticas era o STF, acusado por manifestantes de impedir Bolsonaro de governar. O Congresso também foi atacado, sendo tratado como um obstáculo às pautas do Executivo.
A pandemia de Covid-19 já avançava no Brasil, e o governo havia decretado estado de calamidade dias antes, em 11 de março. Ainda assim, os protestos ocorreram, e muitos líderes bolsonaristas minimizaram a gravidade da doença. Em palanques improvisados, oradores chamavam o coronavírus de “mentira” e criticavam as medidas de contenção.
Bolsonaro participou indiretamente das manifestações, incentivando sua realização, mas negando que o objetivo fosse atacar as instituições. “Não é contra nada, é um movimento a favor do Brasil”, disse na ocasião.
A vereadora Janaína Paschoal (PP), conhecida por ser coautora do pedido de impeachment de Dilma, observa que Bolsonaro soube se apropriar da onda antipetista para construir sua base de apoio. “Ele surfou a onda do impeachment e da Lava Jato e, de maneira muito hábil, inverteu a realidade, dizendo que os atores desses importantes movimentos teriam surfado na onda dele”, afirmou.
A pesquisadora Luiza Foltran avalia que Bolsonaro inovou ao transformar manifestações populares em um instrumento direto de poder. “Ele inaugura um novo tipo de manifestação, aquelas que vêm do povo, ao mesmo tempo que respondem ao chamado de um governo. Ele usou esses mecanismos para reforçar suas posições nas disputas com o Congresso e o STF. Foi a inauguração de uma nova forma de fazer política.”
A consolidação das mobilizações de direita nos últimos dez anos teve impacto direto na polarização do país. As manifestações de 2015 e 2020 demonstraram o potencial de mobilização da direita, que se fortaleceu ao longo da década, culminando na eleição de Bolsonaro em 2018.
Para Rui Falcão, a origem desse fenômeno remonta ao governo Dilma. “O ovo da serpente foi implantado muito antes, quando Dilma se recusou a realizar pedidos antiéticos da classe política”, disse o deputado.
No próximo domingo (16), apoiadores de Bolsonaro realizarão um ato em Copacabana, no Rio de Janeiro, em defesa da anistia aos envolvidos nos ataques de 8 de janeiro de 2023. A pesquisadora e analista política Júlia Almeida vê esse evento como uma continuação da estratégia da direita de manter sua base ativa.
“Manter sua base mobilizada foi fundamental para a manutenção do seu capital político. É nisso que Bolsonaro aposta agora, com sua versão própria para o indiciamento por tentativa de golpe”, analisa Almeida.
Os últimos dez anos foram marcados por protestos que alteraram a estrutura política brasileira. Se, em 2015, Aécio Neves articulou o impeachment de Dilma e abriu caminho para a ascensão da direita, em 2020 Bolsonaro consolidou essa base, transformando manifestações em ferramentas diretas de governabilidade. Agora, o ex-presidente tenta manter vivo esse capital político diante de investigações que podem comprometer sua trajetória futura.
Foto: Alexssandro Loyola