Ângela Carrato – Jornalista. Professora da UFMG. Membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Imprensa (ABI)

 

Belo Horizonte está cada dia mais descaracterizada, apática, com gravíssimos problemas na saúde, no transporte, na segurança e no meio ambiente.

Ao contrário de se aproximar, ela vem, nas últimas eleições, se distanciando da cidade que a maioria quer e, sobretudo, precisa.

Neste domingo, como em todo o país, os eleitores da capital mineira vão às urnas escolher o novo prefeito e os 41 membros da Câmara Municipal. A escolha para o Executivo municipal deve ir para segundo turno, como na maioria esmagadora das capitais brasileiras.

Há pesquisas para todos os gostos e possivelmente para todos os bolsos. Ao contrário do que muitos têm enfatizado, o que me chama a atenção não são candidatos de extrema-direita, com pequenas nuances, aparecerem na liderança. O que me chama a atenção é, na véspera do pleito, em torno de 35% dos eleitores continuarem indefinidos. Vale dizer: ainda não sabem em quem votar.

Tamanha proporção significa que, diferentemente do que os conservadores e reacionários têm dito e, também parcela de uma suposta esquerda parece acreditar, o jogo não está jogado e tudo pode acontecer.

Chama atenção, aliás, o fato de, cada vez mais, pessoas confundirem – propositalmente, por equívoco ou por medo – pesquisa com eleição.

E o medo nunca foi um bom conselheiro.

Pesquisa não é eleição. Seus resultados, na melhor das hipóteses, são a mera fotografia de um dado momento da disputa. Fotografia sujeita a todas as reviravoltas, observando-se que as pesquisas acabam constituindo parte do kit de marketing dos próprios candidatos. Algo do tipo: vote em mim, porque estou na frente.

Eleição não é corrida de cavalos. O fato de supostamente alguns estarem na frente, não significa muita coisa. Mas pode acabar influenciando o voto dos desavisados e dos medrosos.

Diante deste quadro, o mínimo que se pode dizer é que Belo Horizonte teve, em 2024, uma das campanhas eleitorais mais estranhas de que se tem notícia.

A mídia local, sempre conservadora, se dividiu: parte se colocou a favor do candidato apoiado pelo governador Romeu Zema, do Novo, e parte fez campanha para o atual prefeito de Belo Horizonte, Fuad Nonan, do PSD, que disputa a reeleição.

A propaganda eleitoral no rádio e na TV durou apenas 34 dias. Foram vários os debates com a presença da maioria dos candidatos, mas todos acabaram não tendo qualquer eficácia para o esclarecimento dos eleitores.

As emissoras de TV e rádio que os promoveram estavam mais interessadas na audiência e no sensacionalismo que agressões verbais pudessem provocar. Tanto que absurdos e fake news ditas por alguns candidatos ficaram por isso mesmo. Por que essas emissoras não fizeram, em tempo real, a checagem do que estava sendo dito para evitar a propagação de mentiras?

Se em eleições anteriores era no período da campanha eleitoral no rádio e na TV que a maioria dos eleitores se informava, desta vez, mesmo que disfarçadamente, a campanha começou bem antes e não apenas nas redes sociais.

O candidato Mauro Tramonte, do Partido Republicano, aquele ligado à Igreja Universal do Reino de Deus, do bispo-empresário Edir Macedo, está em campanha  desde sempre. Deputado estadual, sua estratégia contou com a participação dos pastores desta igreja, ao lembrarem seu nome nos cultos. Chama atenção também o fato dele ter sido, por mais de uma década, apresentador de um programa policialesco na TV Record, emissora de propriedade de Macedo.

Tramonte tem o esquisito apoio de dois rivais, o governador Zema, e o ex-prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, do PSD. Eles não se falam e nem apareceram juntos uma única vez na campanha.

Não é difícil imaginar como para as pretensões maiores da Igreja Universal, de Zema e de Kalil seja importante a eleição de Tramonte. Através dele, pretendem fincar aqui  trampolins para o plano federal em 2026.

Bruno Engler, deputado estadual pelo PL, está em campanha há quatro anos, mais precisamente desde que perdeu a eleição passada para prefeito em Belo Horizonte. Na época com menos de 30 anos, nascido no Paraná, participava do bonde bolsonarista por convicção, mas também por significativa dose de oportunismo. Repetir como papagaio os absurdos do seu líder, golpista e agora inelegível, não deixa de ter lá vantagens para quem tem compromisso prioritário com os próprios interesses. Some-se a isso que Engler também disputa o eleitorado neopentecostal, como indica sua aproximação de lideranças da Igreja Getsemani.

Será que o catolicismo conservador que, nos anos 1960, marcou a capital mineira com suas marchas em defesa de “Deus, da família e da propriedade” deu lugar a igrejas neopentecostais que mais parecem empresas com suas “teologias da prosperidade”? Só que a tal prosperidade parece beneficiar apenas pastores e dirigentes dessas igrejas.

A depender da pesquisa que se consulte, também aparece embolado nas primeiras colocações o atual prefeito da capital mineira, Fuad Noman.  Economista e muito ligado aos tucanos, ele foi secretário municipal da Fazenda ao longo do primeiro mandato de Kalil, sendo eleito vice-prefeito para o segundo mandato de Kalil, que renunciou para disputar o governo de Minas.  Além de perder, Kalil teve outra desilusão. Assistiu seu vice abandoná-lo.

Já o ex-governador Aécio Neves não pôs os pés em Belo Horizonte nestas eleições, por estar politicamente muito queimado, mas nos bastidores tem atuado como pode a favor de Fuad. É através de uma possível reeleição do prefeito que ele sonha retornar ao primeiro plano da política mineira e nacional.

Praticamente desconhecido da população belorizontina até o início da campanha, Fuad tem tentado caracterizar sua gestão por “obras”. Ele é próximo das mineradoras que destroem a Serra do Curral, dos concessionários do transporte público e das grandes empreiteiras. Quando cobrado em debates, diz que se preocupa com o social e tem ensaiado até uma aproximação com as chamadas “minorias”.

Oportunismo maior, impossível.

No lado oposto do espectro político, no campo progressista, os dois principais nomes  nesta disputa são os de Duda Salabert, do PDT, e de Rogério Correia, do PT. O ideal seria que tivessem caminhado juntos. Conversas nesse sentido chegaram a acontecer, mas Duda descartou participar da aliança encabeçada por Rogério, que incluiu PT,  PSOL,  PC do B,  PV e  Rede.

Duda foi vereadora em Belo Horizonte e está no primeiro mandato como deputada federal. Primeira mulher trans e vegana a disputar a Prefeitura de Belo Horizonte tem  razão quando identifica preconceito contra ela no meio político ou mesmo em parte do eleitorado. Por isso, o melhor caminho teria sido somar forças.

Lamentavelmente, ela preferiu um caminho solo e com enormes doses de personalismo, uma vez que o seu partido não fez alianças, mesmo sendo pequeno e sem tradição em Minas Gerais.

Duda aposta na defesa do meio ambiente e na crítica aos candidatos de extrema-direita, tendo, num dos debates, desconcertado o próprio prefeito, obrigando-o a negar que tenha tido qualquer envolvimento com a ditadura-militar de 1964.  Mas, em ato falho, Fuad chamou o golpe de “revolução”. Detalhe: só os defensores ou apoiadores deste golpe usam tal denominação.

Freud, o pai da psicanálise, teria sorrido com o deslize que o inconsciente pregou em Fuad.

Rogério Correia, dos candidatos progressistas, é o que reúne mais condições para enfrentar a extrema-direita em Belo Horizonte. Se o campo progressista estivesse unido e o colocasse no segundo turno, dificilmente seria derrotado. Além da enorme experiência como vereador, deputado estadual e federal, ele conhece profundamente os problemas e os desafios da capital mineira, conta como apoio de técnicos destacados e  do próprio presidente Lula para executar seu programa de governo.

O que se tem visto, no entanto, é o medo dominar parte do campo progressista, não faltando propostas de voto útil no “menos pior dos candidatos da direita”, por temor da ida para o segundo turno dos extremistas Tramonte e Engler.

Postura mais equivocada é impossível!

Como já disse, o jogo não está jogado. Pesquisa não é eleição. A hora de começar a barrar a extrema-direita em Belo Horizonte é agora. Depois de nada adiantará passar quatro anos se lamentando, dizendo que a política está cada vez pior.

O fato de praticamente todos os demais postulantes terem Rogério Correia como alvo é  indício de como sua candidatura os preocupa. Mais ainda, indica que sua vitória em Belo Horizonte teria importantes significados para a cidade, mas também para muito além dela.

Não se pode perder de vista que esta eleição tem se transformando numa espécie de moldura para os candidatos de extrema-direita e para a própria mídia combaterem o terceiro governo Lula, que vai muito bem, apesar de todas as pressões e amarras que enfrenta.

Some-se a isso que Rogério é o único candidato capaz de montar uma equipe que recupere e retome o chamado momento áureo da capital mineira, os 16 anos em que foi administrada pelo PT.

Esse período, que teve início em 1993, com a vitória de Patrus Ananias, representou um marco para a cidade, que vinha de uma sucessão de gestões ruins e descompromissadas como as de Sérgio Ferrara, do PMDB, ou as dos tucanos Pimenta da Veiga e Eduardo Azeredo. Pimenta tentou fazer da prefeitura escada para o governo de Minas e se deu mal. Azeredo fez o mesmo e conseguiu se eleger. Mas meteu os pés pelas mãos e se transformou num dos piores, na longa lista de péssimos governadores de Minas.

Já Patrus Ananias inovou em todas as áreas e inverteu prioridades. Adotou o orçamento participativo, reforçou o papel das regionais e dos movimentos comunitários, implantou uma forte política social e de combate à pobreza.

Em sua administração, restaurantes populares foram inaugurados, a saúde, a educação e a habitação receberam investimentos adequados e a cultura floresceu, com diversos festivais e editais em apoio às manifestações artísticas.  As mineradoras não seguiram destruindo a Serra do Curral e nem os tubarões do transporte coletivo deram as cartas.

Patrus encerrou o mandato com uma avaliação popular superior a 80%. Não havia reeleição na época. O sucesso de sua gestão possibilitou que seu vice, o médico Célio de Castro, vencesse as eleições. Célio deu continuidade ao trabalho. Foi reeleito, mas teve que renunciar ao mandato por motivo de doença.  Foi um prefeito igualmente amado pela população, que carinhosamente o chamava de “doutor BH”.

Em seu lugar assumiu o vice, Fernando Pimentel, também do PT, que manteve o trabalho, conseguindo um feito até hoje não superado: foi escolhido um dos oito melhores prefeitos em todo o mundo, o único da América do Sul.

Esse processo foi interrompido pela eleição do empresário, ligado aos tucanos, Márcio Lacerda, do PSB. Foi ele quem trouxe de volta para Belo Horizonte a velha política, com a predominância dos interesses das grandes empreiteiras, dos tubarões do transporte coletivo e das mineradoras. Lacerda manipulou de tal forma para ser reeleito, que colocou, em pontos estratégicos da cidade,  equipamentos com placas indicando que no local teria início as obras do metrô.

Desnecessário dizer que o tal metrô nunca saiu do papel. E mesmo o precário trem de superfície existente acabou privatizado, numa manobra tão rápida quanto obscura do governador Zema, do presidente Jair Bolsonaro e que contou com o silêncio do prefeito Kalil.

Situações deste tipo explicam porque Bruno Engler prefere atacar, para não ter que explicar nada do desastre que foi o governo do seu ídolo Bolsonaro. Mas ele continua devendo explicações sobre a proposta de entregar para as igrejas evangélicas o comando da área social em Belo Horizonte, quando se sabe que o estado no Brasil é laico.

Estaria ele querendo começar pela capital mineira um estado fundamentalista no país?

Tramonte igualmente precisa explicar como vai priorizar a educação e o meio ambiente, quando Zema, um dos seus padrinhos, tem feito de tudo para privatizar escolas e é um dos grandes amigos das mineradoras. Sem ter o que dizer, ele também prefere o silêncio.

Por si só, essas seriam situações de sobra para os belorizontinos quererem distância de prefeitos empresários como Lacerda e os que o sucederam, Kalil e Fuad.

A população sabe como não é bom ter prefeitos que pensem apenas em seus próprios interesses.  Razão pela qual chega a ser chocante parte do chamado campo progressista defender voto útil em Fuad para, supostamente, barrar extremistas de direita.

Será que existem diferenças significativas entre Tramonte, Engler e Fuad para justificar voto útil no primeiro turno?

Além da continuidade de mais do mesmo, sem qualquer compromisso social, alguém acredita que o voto medroso possa trazer qualquer vantagem para o campo progressista? Voto útil no segundo turno é uma postura correta. É a escolha do melhor ou do “menos pior”, dependendo das circunstâncias. Mas voto útil no primeiro turno em Belo Horizonte é um equívoco que pode custar caro.

Pode significar uma desestruturação da esquerda de tal porte, que ela não tenha condição de se reerguer aqui por muitos anos, com graves consequências para a eleição de governador e de presidente da República em 2026.

O PSD, partido de Fuad, está na base da ampla aliança que supostamente dá apoio ao governo Lula. Mas ninguém minimamente informado desconhece que o PSD é  também o partido do astuto e ambicioso Gilberto Kassab, um dos secretários do governador Tarcísio de Freitas.  Há dúvida sobre com quem Fuad ficaria na hora h, se lhe fosse acenado o governo de Minas?

Votar em Fuad significa não apenas manter mais do mesmo e a direita na prefeitura da capital mineira. Significa enfraquecer as forças progressistas para novos e importantes embates que já se desenham.

Por essas e outras, é sempre bom lembrar que o medo é mau conselheiro e que tentativas desastradas de se evitar problemas, costumam levar a maiores e mais graves dificuldades.

Que tal se os sinceros defensores do voto útil, ao invés desta confortável pregação nas redes sociais, fossem para as ruas batalhar e virar votos?

A população de Belo Horizonte não merece ser novamente enganada e nem retrocessos enquanto o Brasil avança.

Ainda dá tempo!

 

 


12 Comentários

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    Adelaide M C Baeta, outubro 6, 2024 01:41 @ 01:41

    Muito boa análise. Parabéns Ângela Carraro! Parece que neste sábado a esquerda resolveu se manifestar a favor do Rogério Corrêa!

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    Eulina Lily, outubro 6, 2024 05:50 @ 05:50

    👏

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    Genoveva, outubro 6, 2024 07:46 @ 07:46

    Sem palavras. Incrível análise.

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    Janio, outubro 6, 2024 08:47 @ 08:47

    Parabéns

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    Cláudia Campos, outubro 6, 2024 11:16 @ 11:16

    Por que só agora tão elucidativa carta?! Estamos em depressão profunda e muitos sequer terão tempo de lê-la! Vou de Rogério e Bella!
    PS: o nome deste jornal dá um pouco de medo nos dias de hoje…

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    Carlos Wolney Soares, outubro 6, 2024 11:25 @ 11:25

    verdadeiro, rico informe, pertinente. Parabe’ns.

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    Heloisa, outubro 6, 2024 11:28 @ 11:28

    Excelente análise, concordo com toda argumentação, pena que não foi divulgado antes, com mais tempo. Parabéns pelo seu trabalho, Angela, seguimos juntas!

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    Maria Lúcia Pinto Habaeb, outubro 6, 2024 12:24 @ 12:24

    Que reflexão Angela, magistral. Pena que não consiga reverter o equívoco em BH prestes a acontecer. Como sou otimista quero acreditar na possibilidade do segundo turno com Rogério, até o final do dia de hoje. Obrigado por sua bela contribuição !

  • JAIRO, outubro 6, 2024 13:49 @ 13:49

    PARABÉNS PELA ANÁLISE.

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    Vera Lucia Soares de Araújo, outubro 6, 2024 16:37 @ 16:37

    Bela análise!!!

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    Maria Teresa Zanatta Coutinho, outubro 6, 2024 16:47 @ 16:47

    Parabéns pela análise Angela Carrato. Gostaria que os Petistas traíras lessem seu comentário.
    Depois do fato consumado nós, da esquerda, é que vamos ficar de plantão para exigir respeito aos direitos da população. A gente não pode relaxar. Dá uma canseira!

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    Helena Haueisen Valle, outubro 7, 2024 01:46 @ 01:46

    Somente conheci essa ótima análise hoje ,-6.10, às 22h.! E o Novo jornal ?

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