O curto discurso de Jair Bolsonaro no Palácio da Alvorada encerrou as quase 48 horas de silêncio nas quais o presidente se recusou a comentar o resultado do segundo turno, vencido pelo adversário Luiz Inácio Lula da Silva, mas não encerrou o ímpeto golpista dos apoiadores.
Apesar de ele ter mencionado o respeito à Constituição e condenado o cerceamento do direito constitucional de ir e vir, bolsonaristas viram na fala de dois minutos um estímulo ao questionamento do resultado das urnas.
Estes apoiadores também interpretaram a ausência de cumprimentos a Lula ou de uma admissão verbal da derrota como uma “prova” de que Bolsonaro não reconheceu a vitória do petista – embora o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira tenha comunicado que Bolsonaro o autorizou a conduzir a transição de governo na presença de Bolsonaro.
“O presidente mandou bem. Falou muito pouco e não mandou ninguém sair da rua. Não mandou ninguém parar o protesto. Bora pra rua, povo!”, exortou um bolsonarista, junto a várias mensagens de tom similar. “Para bom entendedor, as palavras não ditas bastam”, retrucou outro.
Na busca por uma explicação que confirmasse a narrativa, houve até quem se atentasse à conjugação verbal empregada por Bolsonaro.
“Ele falou que ‘É uma honra ser o líder de milhões de brasileiros’ o presidente não disse “ter sido o líder”, dizia uma mensagem compartilhada em vários grupos bolsonaristas no Telegram. “Presidente não reconheceu a vitória do ladrão, pra cima deles!”, bradou outro apoiador do candidato derrotado em um grupo intitulado “Ucraniza Brasil”.
Embora preponderante, a leitura de um recado oculto bolsonarista foi relativizada por apoiadores temerosos com ações policiais em curso para desobstruir rodovias em todo o Brasil. Mas logo começou a circular um vídeo do bolsonarista Allan dos Santos, foragido da Justiça brasileira nos Estados Unidos, contribuindo ainda mais para a animosidade no submundo bolsonarista.
Em um vídeo curto, o blogueiro reforçou a teoria de que Bolsonaro não reconheceu a vitória de Lula e fez uma convocação “óbvia” para que seus apoiadores continuem se manifestando “de modo pacífico, ordeiro e sem depredação do patrimônio público” para que Lula, “um criminoso narcoditador”, não assuma o poder.
Ainda que Bolsonaro tenha se comprometido com o respeito “às quatro linhas da Constituição” e Ciro Nogueira tenha oficializado as tratativas para a passagem de comando, a reação das redes demonstra que a ambiguidade no pronunciamento do presidente foi bem sucedida em manter sua base radical ativa.
Os militantes que aguardavam por uma diretriz do Presidente da República voltaram a reproduzir as teorias conspiratórias de uma fraude eleitoral que teria dado vitória a Lula, além de uma alegada falta de isonomia da parte da Justiça Eleitoral – novamente acusada por Bolsonaro em seu discurso.
Certos de que as Forças Armadas aguardam uma “mensagem” do povo brasileiro, bolsonaristas começaram a disseminar diretrizes para ampliar as manifestações que travam diversos pontos do país para que oficiais do Exército possam agir – ou, em bom português, dar um golpe. Entre elas, reproduzir o hino nacional nas manifestações e evitar qualquer citação, jingle ou imagem de Bolsonaro.
“Não podemos dar a entender que estamos defendendo um político, mas sim a pátria”, disse um bolsonarista em uma espécie de “sincericídio”.