Marco Aurélio Carone
A maior ação coletiva da história do sistema judiciário inglês começou nesta segunda-feira (21), com advogados representando cerca de 620 mil vítimas do rompimento da barragem de Mariana (MG), enquanto tentam responsabilizar a multinacional BHP. A tragédia, que ocorreu há nove anos, ainda não resultou em responsabilizações criminais. Agora, além de enfrentar as consequências do desastre ambiental, as vítimas também são vítimas de um pesado esquema de poder envolvendo a Vale e a BHP, que parecem usar sua influência para evitar prestar contas à justiça.
NovoJornal, obteve a foto da reunião entre dirigentes da BHP e da Vale, Doutor Mike Henry (CEO da BHP), Doutora Caroline Cox (Diretora Jurídica de Governo e Assuntos Externos da BHP), Doutor Emir Calluf (Vice-Presidente Jurídico para as Américas da BPH), Doutor Alexandre D’ Ambrosio (Vice-Presidente Executivo de Assuntos Corporativos e Institucionais da VALE), Doutor Murilo Muller (Vice-Presidente Executivo de Finanças e Relações com Investidores da VALE), Doutor Beto Vasconcelos (Advogado), com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, que ocorreu em 09/10/2024.
Poucos dias antes da decisão do ministro Flávio Dino, também do STF, que proibiu que municípios contratassem advogados para receberem honorários com base em uma porcentagem dos resultados da ação, caso o escritório inglês que representa as vítimas saísse vitorioso. A imagem levanta sérias preocupações sobre a influência dessas mineradoras nas decisões do judiciário brasileiro, em um momento crítico para a busca de justiça pelas vítimas.
A reunião, questiona o equilíbrio de poder e o compromisso das mineradoras em resolver a tragédia. Consultada pelo NovoJornal sobre a pauta da reunião entre Barroso e os representantes da Vale e da BHP, a assessoria de imprensa do STF declarou que “não temos informações sobre a audiência”. Já a Vale, quando consultada, preferiu não responder.
Apesar da gravidade do desastre, a BHP e Vale, tem mostrado resistência em admitir responsabilidade pelo rompimento da barragem. A BHP argumenta que os processos no Reino Unido são desnecessários, alegando que as questões já estão sendo tratadas no Brasil por meio da Fundação Renova, criada pela Samarco, Vale e BHP. Essa fundação afirma já ter gasto R$ 37 bilhões em ações de remediação e compensação, e a Vale divulgou que o acordo de reparação no Brasil prevê cerca de R$ 170 bilhões para a recuperação das áreas atingidas e para programas compensatórios.
No entanto, o advogado Tom Goodhead, CEO do escritório que defende as vítimas, critica a postura da BHP, afirmando que a mineradora está tentando confundir a opinião pública. “A BHP é como Donald Trump, repetindo incessantemente que as eleições foram roubadas. Eles tentam fazer as pessoas acreditarem que estão resolvendo a situação, mas isso não é verdade,” disse Goodhead. Ele destaca que os processos no Brasil foram movidos por órgãos públicos e não pelas vítimas diretamente, e que os 620 mil clientes da ação na Inglaterra não fazem parte dos acordos estabelecidos no Brasil.
As vítimas do desastre, além de lidarem com as perdas materiais e humanas, enfrentam agora os obstáculos impostos pelo poder das mineradoras. As práticas de influenciar decisões judiciais por meio de reuniões com membros do STF levantam questionamentos sobre a transparência e a imparcialidade do sistema de justiça brasileiro no tratamento desse caso.
O julgamento, que ocorre no Reino Unido, baseia-se no direito ambiental brasileiro e tenta responsabilizar a BHP por suas ações e omissões no desastre de Mariana. Goodhead afirmou que a defesa das vítimas apresentará documentos e e-mails internos da BHP que comprovam que a empresa sabia dos riscos de rompimento da barragem, mas priorizou o lucro em detrimento da segurança.
A BHP resistiu por quatro anos à ideia de que o caso fosse julgado na Inglaterra, provavelmente temendo a tradição da justiça inglesa de responsabilizar grandes empresas por violações ambientais. “A BHP sabe que, se a justiça inglesa julgar o caso, eles serão responsabilizados,” destacou Goodhead. Ele também criticou o valor das compensações pagas até o momento, afirmando que, embora a BHP diga que cerca de 200 mil pessoas já receberam algum tipo de compensação, a maioria recebeu valores insignificantes, como US$ 200 (aproximadamente R$ 1.000). “Isso é imoral,” enfatizou o advogado, observando que as indenizações na Inglaterra podem chegar a 36 bilhões de libras (cerca de R$ 270 bilhões).
Além de enfrentarem as consequências de um desastre ambiental de enormes proporções, as vítimas de Mariana lidam com o poder descomunal das mineradoras envolvidas. A reunião recente entre os representantes da BHP e Vale com o ministro Barroso lança luz sobre a estratégia dessas empresas de influenciarem decisões judiciais para minimizar seus compromissos financeiros e responsabilizações pelo desastre. O fato de a reunião ter ocorrido dias antes da decisão do ministro Dino que impede os municípios de contratarem advogados com base em honorários condicionados ao sucesso da ação britânica gera ainda mais dúvidas sobre a equidade do processo judicial.
Apesar de todos os desafios, o julgamento em Londres é visto como uma oportunidade única de responsabilizar a BHP e garantir que as vítimas finalmente recebam a justiça que lhes é devida. “Quem polui, paga,”, reiterou Goodhead, destacando que a empresa não pode continuar lucrando com a exploração de recursos em Minas Gerais sem assumir as consequências devastadoras de suas operações.
A batalha judicial entre as vítimas do desastre de Mariana e a BHP vai além das salas de audiência. Ela expõe a luta desigual entre as comunidades atingidas e o imenso poder das grandes corporações. A influência das mineradoras no cenário político e judicial brasileiro coloca em risco a busca por justiça e reparação. No entanto, o julgamento no Reino Unido oferece uma nova esperança para que as vítimas, finalmente, vejam a BHP responsabilizada.
A postura da empresa ao tentar minimizar seu papel no desastre, aliada às suas tentativas de influenciar decisões judiciais no Brasil, mostra uma falta de compromisso com a justiça. A decisão final do tribunal inglês, esperada para meados de 2025, será crucial para definir não apenas o futuro da BHP, mas também para reafirmar o princípio de que aqueles que poluem devem pagar por seus crimes, independentemente de seu poder ou influência.