Reportagem de Renata Agostini, publicada neste domingo (24/11) no jornal “O Globo”, revela um detalhado panorama dos últimos 61 dias de Jair Bolsonaro na Presidência, após sua derrota eleitoral em outubro de 2022. Baseada em mais de mil páginas de relatórios da Polícia Federal (PF) e no depoimento de 28 pessoas próximas ao ex-presidente, a matéria reconstrói os bastidores de uma trama golpista que incluiu planos de prisão de autoridades, manipulação de informações e até assassinatos.

30 de outubro de 2022: a derrota no Alvorada

Na noite do segundo turno das eleições, enquanto a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva era anunciada, Bolsonaro assistia aos resultados na biblioteca do Palácio da Alvorada. “Sai todo mundo”, ordenou ele, permanecendo sozinho enquanto a televisão confirmava o desfecho eleitoral. Pouco antes, seu filho, o senador Flávio Bolsonaro, havia admitido a derrota em voz baixa. A reclusão do presidente nos dias seguintes marcou o início de uma série de movimentos conspiratórios para reverter o resultado.

31 de outubro a 2 de novembro: primeiras reuniões estratégicas

Dois dias após a derrota, o então ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, foi abordado por Flávio Bolsonaro com um pedido urgente: convencer o pai a aceitar a transição de governo. Simultaneamente, Bolsonaro recebeu comandantes das Forças Armadas e ministros para discutir possíveis questionamentos ao resultado eleitoral. A reunião incluiu um debate sobre o artigo 142 da Constituição, que Bolsonaro considerava uma brecha para uma intervenção militar. No entanto, tanto o advogado-geral da União quanto os líderes militares refutaram essa interpretação.

No dia 2 de novembro, pressionado, Bolsonaro fez sua primeira declaração pública sobre o resultado, afirmando que continuaria cumprindo a Constituição. Na mesma noite, em um encontro com ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), aparentou aceitar a derrota. Mas essa postura logo mudaria.

5 a 9 de novembro: articulações nos bastidores

Em reuniões reservadas no Alvorada, Bolsonaro passou a intensificar as críticas contra Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ele também discutiu com aliados a possibilidade de auditorias no processo eleitoral, enquanto apoiadores radicais iniciavam manifestações em frente a quartéis pelo país.

Em 9 de novembro, o Ministério da Defesa entregou ao TSE um relatório que não identificou fraudes no sistema de votação. A conclusão irritou Bolsonaro, que solicitou ajustes no tom oficial para manter a narrativa de desconfiança.

Nesse mesmo dia, um plano conhecido como “Punhal Verde e Amarelo” começou a ser delineado. Ele previa ações extremas, como a prisão e eliminação de Alexandre de Moraes, do presidente eleito Lula e do vice Geraldo Alckmin. O ajudante de ordens Mauro Cid foi peça-chave na execução das primeiras etapas, buscando recursos e detalhando estratégias com militares próximos.

15 a 24 de novembro: apoio insuficiente e planos golpistas

O dia 15 de novembro marcou uma escalada na crise. Milhares de bolsonaristas foram às ruas, clamando por intervenção militar. À noite, Cid recebeu mensagens de um aliado sobre avanços nos planos para “neutralizar” Moraes. No dia 19, Bolsonaro discutiu uma minuta de intervenção no TSE com Filipe Martins e outros assessores, mas o texto enfrentou resistência dentro das Forças Armadas.

Na semana seguinte, os comandantes das Forças voltaram ao Alvorada, mas a adesão ao plano golpista permanecia limitada. Entre eles, apenas o almirante Almir Garnier Santos indicou disposição para apoiar as medidas propostas por Bolsonaro.

9 a 12 de dezembro: diplomação de Lula e tensões em Brasília

Após semanas de silêncio, Bolsonaro voltou a se manifestar em 9 de dezembro, falando em um “momento crucial”. Nos dias seguintes, começou a interagir com apoiadores reunidos no Alvorada, incentivando indiretamente a resistência ao resultado eleitoral. No dia 12, a diplomação de Lula e Alckmin ocorreu sob forte tensão, seguida por atos de vandalismo em Brasília promovidos por bolsonaristas radicais.

Enquanto isso, aliados próximos de Bolsonaro seguiam pressionando pela adesão das Forças Armadas ao plano golpista. A operação “Copa 2022”, que incluía a execução de autoridades, quase foi colocada em prática em 15 de dezembro, mas foi abortada de última hora devido a mudanças no calendário de julgamentos no STF.

16 a 24 de dezembro: isolamento e tentativa de desmobilização

Após o fracasso da operação, novos documentos golpistas foram redigidos, incluindo a proposta de criação de um “Gabinete Institucional de Gestão da Crise”. No entanto, Bolsonaro continuava sem apoio suficiente dentro das Forças Armadas para avançar com suas ideias.

Em um jantar com o ministro Dias Toffoli, Bolsonaro foi aconselhado a desmobilizar os acampamentos em frente aos quartéis, mas recusou. Dias depois, em 24 de dezembro, um explosivo foi encontrado na via de acesso ao aeroporto de Brasília, elevando ainda mais a tensão na capital.

30 de dezembro de 2022: a partida para os EUA

Na manhã do penúltimo dia de seu mandato, Bolsonaro realizou uma transmissão ao vivo em tom melancólico, afirmando que “foi difícil ficar dois meses calado”. Às 14h02, embarcou em um avião da Força Aérea Brasileira com destino a Orlando, nos Estados Unidos, deixando o Brasil em meio ao caos político.

8 de janeiro de 2023: ataques às sedes dos Três Poderes

De longe, Bolsonaro acompanhou os desdobramentos do dia 8 de janeiro, quando apoiadores invadiram e depredaram o Palácio do Planalto, o STF e o Congresso Nacional. A rápida reação das autoridades resultou na prisão de centenas de envolvidos, marcando um ponto de inflexão na resposta institucional à tentativa de golpe.

21 de novembro de 2024: conclusão das investigações

Em 21 de novembro de 2024, a Polícia Federal concluiu que Bolsonaro foi o principal arquiteto da trama golpista. A investigação identificou 37 indiciados, incluindo 24 militares, por crimes que vão desde conspiração até tentativas de assassinato. O relatório, mantido sob sigilo, detalha o papel de cada envolvido e representa um marco no esforço para responsabilizar os responsáveis por ameaças à democracia brasileira.

Lições de um período sombrio

Os 61 dias que se seguiram à derrota de Jair Bolsonaro foram marcados por tentativas sistemáticas de minar as instituições democráticas. Apesar das pressões e planos golpistas, a resistência das Forças Armadas e a rápida reação das instituições garantiram a continuidade democrática no Brasil. A conclusão das investigações reforça a importância de vigilância constante para evitar que episódios semelhantes ameacem a estabilidade política do país no futuro.

Foto: Força Aérea


1 Comentário

  • ricardo josé martins, novembro 25, 2024 09:26 @ 09:26

    Adorei

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