O atentado a bomba praticado por Francisco Wanderley Luiz na Praça dos Três Poderes, em 13 de novembro, trouxe novos contornos ao debate no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a regulação das redes sociais. O julgamento do Marco Civil da Internet, previsto para a próxima quarta-feira (27), ganhou ainda mais relevância, com ministros indicando que os recentes episódios de violência política reforçam a necessidade de maior responsabilização das plataformas digitais.

Segundo materia da Folha de São Paulo, dos jornalistas, Cézar Feitoza e Ana Pompeu, fontes do STF ouvidas pela imprensa, o ataque evidencia o impacto das redes sociais na radicalização política, apontando para um ambiente que favorece discursos de ódio, notícias falsas e ataques às instituições democráticas. Para os ministros, o atentado oferece legitimidade ao tribunal para agir diante da inércia do Congresso Nacional em avançar na regulamentação do setor, especialmente após o arquivamento do Projeto de Lei das Fake News em abril.

Integrantes do tribunal, como os ministros Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, já demonstraram publicamente que consideram as redes sociais como catalisadoras da radicalização. Moraes afirmou em evento na Assembleia Legislativa de Mato Grosso que a falta de regulação cria um ambiente de impunidade, no qual algoritmos promovem extremismo e desinformação sem transparência.

O foco do julgamento será o artigo 19 do Marco Civil da Internet, que estabelece que plataformas digitais só podem ser responsabilizadas por conteúdos de terceiros caso descumpram decisão judicial de remoção. O STF discutirá se essa regra deve ser flexibilizada, permitindo que as empresas sejam responsabilizadas por não removerem conteúdos criminosos de forma proativa.

Além da ação relatada por Dias Toffoli, que trata diretamente do artigo 19, outros dois casos compõem o julgamento conjunto. O primeiro, sob a relatoria de Luiz Fux, analisa a responsabilidade das plataformas na moderação de conteúdos que ofendam direitos de personalidade ou promovam fake news. O segundo, relatado por Edson Fachin, aborda o bloqueio de aplicativos como o WhatsApp por decisões judiciais, questionando se essa medida viola princípios como liberdade de expressão e proporcionalidade.

O atentado no STF revelou como extremistas utilizam as redes sociais para planejar e disseminar suas ações. Francisco Wanderley Luiz publicou seus planos de ataque no Facebook, alternando mensagens religiosas com conteúdos de teor supremacista e extremista. Para os ministros, o caso é emblemático da necessidade de responsabilizar as big techs pela moderação de conteúdos perigosos.

Ministros do STF, como Gilmar Mendes, destacaram que o julgamento ocorre em um contexto de crescente desordem nas redes sociais. Mendes afirmou que a “consciência crítica da sociedade brasileira ficou anestesiada” diante de tantas investidas contra as instituições democráticas, mencionando o impacto dos ataques de 8 de janeiro de 2023, que também foram organizados via redes sociais.

Barroso reforçou essa visão, apontando que as redes sociais foram ferramentas fundamentais para a mobilização de extremistas nos ataques às sedes dos Três Poderes. O ministro destacou que a violência política é uma continuidade de episódios como as ações de Daniel Silveira e Roberto Jefferson, além dos discursos inflamados compartilhados nas redes.

Caso o STF avance na responsabilização das plataformas, as regras de moderação de conteúdo sofrerão mudanças significativas. As big techs, como Meta e Google, poderão ser obrigadas a adotar medidas proativas para evitar danos causados por conteúdos publicados por usuários. Essa medida é considerada essencial pelos ministros para conter a disseminação de discursos extremistas e notícias falsas.

As gigantes da tecnologia, no entanto, têm resistido às propostas de regulação, argumentando que uma maior responsabilidade sobre os conteúdos publicados por terceiros pode inviabilizar a operação de suas plataformas. O tema tem sido alvo de intensos debates, especialmente após a oposição das big techs contribuir para o arquivamento do PL das Fake News no Congresso.

Além das ações relacionadas ao Marco Civil da Internet, o STF também analisará questões que envolvem a produção de relatórios de monitoramento de servidores públicos opositores ao governo Bolsonaro. O material teria sido produzido pela Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça, listando 579 professores e policiais identificados como antifascistas. O caso, relatado por Cármen Lúcia, discute possíveis violações a direitos fundamentais.

Outro exemplo emblemático que será debatido é a criação de uma comunidade na extinta rede social Orkut intitulada “Eu Odeio a Aliandra”. A ação questiona se provedores de internet podem ser responsabilizados por não removerem conteúdos ofensivos, mesmo após notificações extrajudiciais. Esses casos ilustram a complexidade de equilibrar liberdade de expressão e responsabilidade no ambiente digital.

O julgamento no STF ganhou protagonismo após o Congresso falhar em avançar na regulação das redes sociais. Para os ministros, a ausência de uma legislação atualizada reforça a necessidade de decisões judiciais para enfrentar os desafios impostos pelas novas tecnologias. Alexandre de Moraes defendeu que o tribunal tem a responsabilidade de agir para garantir a normalidade democrática, especialmente em um contexto de ataques às instituições.

O atentado de Francisco Wanderley Luiz e as investigações sobre o plano para assassinar o presidente Lula, o vice Geraldo Alckmin e o ministro Moraes adicionaram urgência ao debate. A corte busca encontrar um equilíbrio entre proteger direitos fundamentais e garantir que as redes sociais não sejam usadas como ferramentas de radicalização.

O julgamento do Marco Civil da Internet será um marco na discussão sobre a responsabilidade das plataformas digitais no Brasil. A partir da decisão do STF, o país pode estabelecer novos parâmetros para o combate à desinformação e à radicalização, impondo às big techs um papel mais ativo na moderação de conteúdos.

Diante dos recentes episódios de violência política e do vácuo legislativo deixado pelo Congresso, o STF assume o protagonismo nesse debate. A decisão não apenas moldará o futuro das redes sociais no Brasil, mas também definirá como o país enfrentará os desafios da era digital, buscando equilíbrio entre liberdade de expressão e proteção à democracia.

 

Foto: Pedro França/Agência Senado