Após ser tornado réu por unanimidade no Supremo Tribunal Federal (STF), o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) reagiu nesta quarta-feira (27) às acusações da Procuradoria-Geral da República (PGR) que o apontam como articulador de uma tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. Em um discurso de 50 minutos, Bolsonaro classificou a denúncia como “grave e infundada”, atribuiu a acusação à “criatividade de alguns” e negou qualquer intenção de subverter o resultado do pleito presidencial.

Ao falar com a imprensa, o ex-presidente voltou a questionar o sistema eleitoral brasileiro, defendeu o voto impresso e fez duras críticas ao relator do caso no STF, ministro Alexandre de Moraes. “Vivemos um momento de intranquilidade por causa da criatividade de alguns”, afirmou Bolsonaro, referindo-se ao Judiciário. “Discutir hipóteses constitucionais não é crime”, acrescentou, em defesa de suas declarações e condutas após as eleições.

Quando questionado diretamente se havia, de fato, discutido meios para retomar o poder, Bolsonaro evitou responder. Em vez disso, citou o atual ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, como prova de que não planejava golpe algum. Segundo ele, o “quebra-quebra” ocorrido em Brasília no dia 8 de janeiro de 2023 não pode ser classificado como tentativa de golpe, uma vez que “as manifestações pacíficas sempre serão bem-vindas”, disse. “Mas os nossos métodos, da direita, não são os mesmos da esquerda, como invasão de propriedade.”

Bolsonaro acompanhou o julgamento da Primeira Turma do STF no gabinete de seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Após o fim da sessão, desceu ao salão do Senado para conversar com a imprensa, cercado por aliados políticos, como os senadores Damares Alves (Republicanos-DF), Marcos Pontes (PL-SP) e o deputado federal Coronel Zucco (PL-RS), líder da oposição na Câmara.

O ex-presidente afirmou ainda que participou ativamente do processo de transição de governo ao final de 2022, inclusive facilitando conversas entre José Múcio e os então comandantes das Forças Armadas. “Tive um encontro com Múcio no início de dezembro. Ele me pediu apoio para a indicação dos comandantes militares. No dia seguinte, tudo foi atendido. Isso não é comportamento de quem trama um golpe”, justificou.

Segundo Bolsonaro, uma conspiração para tomar o poder exigiria envolvimento de setores fundamentais, o que não ocorreu. “A gestação de um golpe pressupõe a mobilização de parlamento, empresários, setores da economia e da sociedade. Nada disso aconteceu. O ministro Alexandre de Moraes está convencido da existência de um documento sobre estado de defesa. Mas esse tipo de medida exige consulta a conselhos e reuniões ministeriais. Nada disso foi feito”, declarou.

Visivelmente irritado, Bolsonaro voltou a atacar Moraes, sugerindo que o ministro tenta “esconder” algo, em referência à sua atuação como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ele também criticou a decisão da Corte eleitoral que o tornou inelegível por oito anos, após reunião com embaixadores em que atacou o sistema eleitoral. “Se reunir com missões diplomáticas é atribuição privativa do presidente da República”, argumentou. “O TSE interferiu nas eleições. Jogou pesado contra mim e a favor do Lula”, acusou.

Sobre os ataques do dia 8 de janeiro, Bolsonaro reiterou que estava nos Estados Unidos na ocasião e negou qualquer vínculo com os atos. “Uma das acusações é de destruição de patrimônio. Só se for por telepatia. Os militares estavam de férias. Os comandantes jamais embarcariam numa aventura”, declarou.

Enquanto Bolsonaro falava em Brasília, seu filho Eduardo Bolsonaro (PL-SP), atualmente licenciado do mandato, seguia nos Estados Unidos. Eduardo tem liderado nos últimos meses uma campanha contra Alexandre de Moraes em solo americano, sugerindo que houve interferência da agência USAID, dos EUA, nas eleições brasileiras de 2022 — uma narrativa que circula em canais bolsonaristas nas redes sociais.

O STF aceitou a denúncia da PGR contra Bolsonaro e outros sete aliados por suposta tentativa de golpe de Estado. A decisão foi unânime: cinco votos a zero na Primeira Turma, formada pelos ministros Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Cristiano Zanin, Cármen Lúcia e Luiz Fux. O julgamento, concluído na tarde desta quarta-feira, marca o início da ação penal, que seguirá agora para a fase de instrução, com coleta de provas e depoimentos.

Bolsonaro havia cogitado comparecer pessoalmente ao Supremo, mas recuou diante da expectativa de que Moraes proferisse um voto duro. Optou, então, por acompanhar a sessão de forma reservada no gabinete do filho.

O advogado Celso Vilardi, responsável pela defesa do ex-presidente no STF, sustentou que a denúncia da PGR se baseia exclusivamente na delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência. Vilardi afirmou que não há provas materiais que vinculem Bolsonaro aos atos do 8 de janeiro ou a qualquer planejamento golpista.

“O ex-presidente é o mais investigado da história do Brasil. E até agora não se achou absolutamente nada”, declarou o advogado, que teve cerca de 15 minutos para apresentar a defesa.

Segundo Vilardi, a denúncia cita apenas a minuta de um decreto sobre estado de sítio, que não foi assinada nem executada. Ele também rejeitou que pronunciamentos públicos do ex-presidente possam ser classificados como atos com potencial golpista. “Não houve grave ameaça. A acusação é baseada em falas e transmissões ao vivo, sem qualquer ação concreta que configure tentativa de golpe”, argumentou.

Vilardi concluiu sua fala dizendo que não há como caracterizar a suposta execução de um golpe sem atos violentos ou coação. “Falar em crime baseado apenas em declarações é distorcer os tipos penais. Não havia violência, nem ameaça real. Portanto, não há crime.”

Apesar da defesa enfática, Bolsonaro enfrentará agora a tramitação de uma ação penal no Supremo, com potencial para desdobramentos políticos e jurídicos de longo alcance.

Foto: Lula Marques/Agência Brasil


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