Alvo de questionamentos sobre gestão e procedimentos em geral, a CEMIG, que foi objeto de CPI, em data recente, acumula série de problemas ao longo dos anos, com claro desvio de sua atividade primordial, que dizia respeito a universalizar, no Estado, os serviços de geração e distribuição de energia elétrica, mantendo limite territorial, preservando o seu propósito e oferecendo energia a preços módicos, no sentido de permitir ao Estado desenvolvimento sustentável no seu processo de desenvolvimento.

Em março de 2016, mediante notificação extrajudicial, o advogado Cáio Brandão alertou a Cemig sobre uma série de questões inerentes à gestão da Companhia, várias delas sob o foco de ilegalidade, notificação, esta, que não teve resposta.

O NovoJornal obteve cópia dessa notificação e achou relevante apontar, os argumentos levantados à época, e que ainda se constituem, em grande parte, em relevante fonte de informação para mudanças necessárias e oportunas.

Assim, relevante reafirmar o caráter regional que norteou a criação da Cemig, idealizada para gerar e distribuir energia de qualidade, farta e oferecida às residências, comércio e indústria mediante preços módicos, de forma a assegurar o desenvolvimento do Estado de Minas Gerais.

E o caráter regional da empresa ficou claro nos termos do Decreto 3710/1952, que regulamentou a Lei 828/51, que no seu art. 10, determina: “Art. 10 – O Governo participará, por intermédio da “CEMIG”, de empresas concessionárias de serviços públicos de eletricidade no Estado, desde que estas se disponham a transformar-se em sociedades de economia mista e ceder à “CEMIG” a maioria de ações com direito a voto. Parágrafo único – As empresas referidas neste artigo deverão estar em situação legal regularizada e apresentar situação financeira de solvência.”

MUDANÇA DE ROTA

“contudo, com o passar dos anos, e mediante a alternância de poder, no Estado, acionista majoritário da Companhia, e liberada das amarras de compromisso prioritário com as demandas do Estado de Minas Gerais no campo energético, a CEMIG se transformou: foi dividida em três instituições, mercê de nova legislação federal, passando a existir a holding Companhia Energética de Minas Gerais, CEMIG, a CEMIG Distribuição S.A e a CEMIG Geração e Transmissão S.A.

Os Estatutos dessas três empresas aqui citadas têm em comum, dentre outros também convergentes, o seu artigo primeiro, que mercê das Leis Estaduais 8.655/84, 15.290/2004 e 18.695/2010, derrogou o caráter regional da CEMIG, passando a vigorar com a seguinte redação: “Artigo 1º – A Companhia Energética de Minas Gerais – CEMIG, constituída em 22 de maio de 1952, como sociedade por ações, de economia mista, será regida por este Estatuto e pela legislação aplicável, e destina-se a construir, operar e explorar sistemas de geração, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica e serviços correlatos; a desenvolver atividades nos diferentes campos de energia, em qualquer de suas fontes, com vistas à exploração econômica e comercial; a prestar serviços de consultoria, dentro de sua área de atuação, a empresas no Brasil e no exterior; e a exercer atividades direta ou indiretamente relacionadas ao seu objeto social, incluindo o desenvolvimento e a exploração de sistemas de telecomunicação e de informação.”

“Daí por diante a CEMIG, com o aval dos deputados à Assembleia Legislativa, deixou de priorizar o atendimento regional ao seu Estado, para se transformar em instituição com o seu fim em si mesma, crescendo vertical e horizontalmente em atividade autofágica, porquanto se alimenta dela mesma em detrimento dos usuários que financiam as suas contas, ao tempo em que alimenta, com generosidade, os seus acionistas: “A CEMIG, através do seu estatuto social, assume o compromisso de distribuir dividendo mínimo de 50% do lucro líquido apurado no exercício anterior, afora dividendos extraordinários distribuídos a cada 2 anos, mediante as disponibilidades de caixa.”

“Na ânsia de expandir as suas atividades, a CEMIG, conforme ela mesma divulga no portal que sustenta na Internet, informa que “apoiada no pilar econômico da sustentabilidade, vem consolidando sua participação societária em várias empresas de relevância no setor energético nacional e internacional. Exemplo disso é a participação da CEMIG em uma linha de transmissão no Chile, em parceria com a Empresa LUSA do Chile. Visando desenvolver a capacidade gerencial para operar nos ambientes regulatórios de outros países, a Empresa investiu cerca de US$ 88 milhões para uma participação de 49%.”. Verdade é, que, a CEMIG é sócia da ALUSA no Consórcio Transchile, responsável pela construção da linha de transmissão de energia entre a cidades de Charrua e Temuceo”.

“Sobre esta questão chilena pairam dúvidas acerca da legalidade de tal inversão, porque o art. 1º do seu Estatuto diz, no tocante a atividades no Exterior, que a CEMIG está autorizada “ (….) a prestar serviços de consultoria, dentro de sua área de atuação, a empresas no Brasil e no Exterior (….)”, o que de fato e de direito não é o caso, porque a empresa constituída no Chile, pela CEMIG, está voltada para a execução e exploração de obra de engenharia no segmento de linha de transmissão. Não há, portanto, no presente caso, autorização expressa contida na Lei, porquanto a mesma, que deu origem ao Estatuto da CEMIG e de suas subsidiárias integrais, apenas autoriza, no Exterior, a realização de consultorias”.

“Registre-se, ainda, que tanto a empresa pública, como sociedade de economia mista, tem seu regime jurídico baseado na diretriz fixada pelo art. 173, da Constituição Federal, em sua redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998”. No tocante ao objeto da Sociedade de Economia Mista, a Lei nº 6.404/76, em seu artigo 237, determina, segundo a regra geral contida no § 2º do artigo 2º,4 do mesmo dispositivo legal, que o objeto da sociedade de economia mista deverá ser de modo completo e preciso e que as atividades da sociedade só poderão girar em torno dele, não podendo portanto, a assembleia geral mudar tal objeto, na forma do artigo 136, VI,5 da Lei societária, visto que na realidade, é traçado pela lei que autoriza a constituição da sociedade, transposto, naturalmente, com os devidos detalhes, para o estatuto social da companhia.

No tocante ao objeto da Sociedade de Economia Mista, a Lei nº 6.404/76, em seu artigo 237, determina, segundo a regra geral contida no § 2º do artigo 2º,4 do mesmo dispositivo legal, que o objeto da sociedade de economia mista deverá ser de modo completo e preciso e que as atividades da sociedade só poderão girar em torno dele, não podendo portanto, a assembleia geral mudar tal objeto, na forma do artigo 136, VI,5 da Lei societária, visto que na realidade, é traçado pela lei que autoriza a constituição da sociedade, transposto, naturalmente, com os devidos detalhes, para o estatuto social da companhia.

Malgrado a impossibilidade legal de criação de novas empresas geradas à sombra de empresas de economia mista, a CEMIG optou por apostar na criação de outras empresas pelas duas subsidiárias integrais que fez nascer, estas, sim, paridas mediante autorização legislativa.

Portanto, Empresas de Propósito Específico, criadas pela CEMIG, com prazo determinado, deram origem a outras companhias, de capital fechado, em flagrante “contorno” à norma legal e surgiram mais de duzentas novas empresas originárias da Holding CEMIG e das suas duas subsidiárias integrais. O grupo CEMIG, conforme ela divulga em seu site na Internet, e este número pode ser bem maior, é composto por 218 Sociedades, 18 Consórcios, e 2 FIPs. Os critérios de escolha de parceiros não são divulgados, os cronogramas de desembolso financeiro dos sócios também não são conhecidos, e as sociedades criadas pela CEMIG se alternam com uma empresa sendo sócia de outra, que também é sócia da primeira, que se reveza na segunda e retorna na empresa original, e assim por diante, fazendo com que a CEMIG, venha sendo absorvida pelas beiradas, como uma pizza, e perdendo o controle decisório sobre seu próprio destino.

DAS EMPRESAS DO GRUPO

“Consultas via Internet a aplicativos especializados e perante às diversas Juntas Comerciais de inúmeros estados dão conta, a grosso modo, do intrincado permeio de empresas que se associam entre si, em sociedade com a CEMIG, mas, que, ao final, acabam por ser umas poucas donas umas das outras e mormente se abrigando em fundos de investimentos. Mas, não é esta a questão que por ora está sob enfoque. A presente NOTIFICAÇÃO ficará restrita a umas poucas curiosidades por demais óbvias e a outras veiculadas pela imprensa especializada, como se verá a seguir:

Consta do site da CEMIG, disponibilizado na Internet, que: Destaca-se também a aquisição de 49% da participação societária em três parques eólicos da Energimp S.A. localizados no Ceará, com potência total de 100 MW, além da aquisição da participação acionária em conjunto com um fundo de investimentos de 65,85% na Transmissora Aliança de Energia Elétrica S.A. – Taesa (antiga Terna Participações), holding de transmissão de energia, o que representou um marco para a Empresa. Em função dessa aquisição, a Cemig passou a ser o 1º maior grupo de transmissão de energia elétrica no Brasil, totalizando 15.650 km em linhas de transmissão, o que representa 24% do mercado”.

A notificação é extensa e cobre inúmeros problemas que, a rigor, ainda persistem. Vê-se, por exemplo, nessa questão do investimento da Cemig no Estado do Ceará, que o correto, no entendimento geral, seria a Cemig priorizar o Estado de Minas Gerais e depois, somente depois, uma vez atendido o Estado em sua plenitude, ampliar para outras regiões a sua experiência, capacidade de trabalho e investimentos financeiros. Contudo, resta a pergunta se o usuário mineiro, o pagante que todo mês contribui com parte do seu salário para receber a energia de que necessita, também deve contribuir financeiramente para outros negócios da companhia. Ademais, os negócios da Cemig também implicam em risco de insucesso. Pelo procedimento da Companhia quando há lucro o rendimento vai para os acionistas, e quando há prejuízo faz-se o rateio entre os consumidores.

NÃO EXISTE CONTROLE

A falta de controle sobre a Cemig, pelo legislativo e pelo executivo, é flagrante. O melhor e mais eficaz instrumento de controle, inclusive no tocante à sociedade como um todo e os usuários da Companhia, é a análise do seu Plano de Negócios. É através do Plano de Negócios aprovado pelos acionistas, que se conhece onde, quando e como a Cemig vai investir, e de onde vem o dinheiro necessário. A falta de critério para a formalização de sociedade com terceiros, pessoas jurídicas e físicas, também é evidente, porque não existe critério formal para tais formalizações, ficando, estas, a critério dos gestores da Companhia e mediante decisões de ocasião e de oportunidade.

A CPI, encerrada em data recente, poderia ter colocado a descoberto todos os negócios vigentes da Cemig, mediante a exibição clara e transparente dos tipos de negócios, dos respectivos sócios e dos valores investidos, bem como a origem destes recursos financeiros. No caso de uso, pela Cemig, de valores embutidos nas contas de energia elétrica, pagas pelos usuários, em sendo isto verdadeiro, estes deveriam, no mínimo ser enquadrados como sócios desses empreendimentos e participar não apenas dos prejuízos, mas também dos lucros.

CAPILARIDADE NEBULOSA

Tendo em vista o fato de que a holding CEMIG não divulga o Plano Diretor do Grupo, ou, seja, o seu Plano de Negócios, torna-se difícil entender os “por quês” dos inúmeros investimentos da empresa, que aparentam natureza voluntariosa.

Sobre esta suspeita pairam, por exemplo, dúvidas no tocante à alienação da WAY BRASIL. Se o ingresso da Companhia Energética de Minas Gerais no segmento de TV a Cabo era, por si só, estranho, a saída do mesmo, de forma abrupta, soou pior, senão, vejamos:

Conforme consta de relato explicitado na Ata da Assembleia Geral Extraordinária da Empresa Infovias, realizada em 22 de dezembro de 2005, da qual a Cemig detém 99,94% do capital social, foi colocada para deliberação a possibilidade de alienação da participação acionária da Empresa de Infovias S.A na WAY TV Belo Horizonte S.A. Segundo consta da referida Ata, a CEMIG era detentora de 49,9% das ações com direito a voto e 69,25% do capital social total da WAY TV, sociedade anônima de capital fechado.

E, relata, ainda, a Ata, que, “em 12/09/2005, foi realizada Assembleia Geral Extraordinária da WAY, convocada por solicitação do acionista Brasil Telecomunicações S.A , na qual o seu representante informou que foi procurado por terceiros interessados em adquirir a totalidade das ações da WAY; e, ainda, “que a Brasil Telecomunicações S.A e os Diários Associados Ltda. têm interesse em alienar suas participações acionárias na WAY, uma vez que entendem que o momento vivido atualmente pelo Setor de Telecomunicações torna-se propício para essa venda…”.

Moral da história, a WAY, mediante todos os procedimentos de praxe, foi vendida com lucro, por sugestão dos demais sócios, que enxergavam na operação uma transação de oportunidade e com possibilidade de ganhos substanciais. Verifica-se, portanto, que a proceder dessa forma, vendendo ativos em face do anúncio de ganhos expressivos na linha do horizonte, a CEMIG não apenas se submete aos humores de sócios minoritários, como, também, se transforma em mero balcão de negócios, agindo mediante vislumbres de curto-prazo e com temerária perspectiva de futuro.

À propósito, a transação acima comentada, revelou outras questões relevantes e até, mesmo, graves, conforme constam do Ato de Concentração nº 53500.022515/2006, a saber: “Em 19 de junho de 2006, a Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia (CBLC) protocolizou perante a ANATEL documentação de habilitação para participar de Leilão de Venda para alienação das ações da WAY das duas interessadas, Net Belo Horizonte Ltda. E TNL PCS Participações S.A. O Leilão ocorreu na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) no dia 27 de julho de 2007. Participaram da fase de habilitação duas empresas privadas. No entanto, somente a TNL PCS Participações S.A (leia-se TELEMAR) respondeu ao Edital de Venda e ofereceu proposta para a aquisição das referidas ações.

A outra empresa privada deixou de oferecer qualquer proposta, retirando-se do certame. A vencedora do Leilão foi a TNL PCS Participações S.A. Em 1º de agosto do mesmo ano foi firmado o contrato de Compra e Venda das Ações.” Contudo, restou um problema: conforme consta do processo administrativo CVM nº RJ/2006/7256, as ações de propriedade do Clube de Investimentos dos Empregados da CEMIG, Clic, que foram vendidas junto com a totalidade das ações da WAY, caracterizava ilegalidade, haja vista o fato de não ser permitida a presença de ações de uma sociedade anônima de capital fechado na carteira de um clube de investimentos, conforme o disposto no art. 1 §§ 1 e 2 da Instrução CVM nº 40/84 .

Esclarecimentos à parte, verificou-se que as referidas ações não constavam do patrimônio do Clube, por várias razões, e o problema acabou, como sempre ocorre, resolvido mediante termos de ajustes e outras brandas cominações.

O caso acima, escolhido à dedo, em face de a transação ter ocorrido há mais de 10 anos, não tem o propósito de questionar do mesmo a lisura ou questões afins. Tem, apenas, efeito ilustrativo, para demonstrar a forma como as coisas podem acontecer na CEMIG, quando se trata de fazer ou de desfazer negócios. No presente caso a CEMIG se livrou de uma empresa mediante notícias de bom preço no mercado, vendeu em leilão de apenas um ofertante e ainda pôs à mostra a sua sociedade com Clube de Investimentos de seus próprios empregados, interessados em lucrar, neste balcão, com as compras e as vendas de seu empregador.

Esta questão, antiga, ora abordada, serve para exemplificar o estilo de gestão adotado pela Cemig, que não mudou, continua autocrático e discricionário. O atual governo, quando buscou fora do Estado e mediante indicação de agências de emprego, profissionais para administrar a Cemig, se esqueceu de que na Companhia existe corpo técnico de inegável capacidade, conhecedor do passado, do presente e das demandas futuras da empresa, e que poderia ter sido alçado à posições de mando, fazendo valer o conhecimento, a técnica, a capacidade de gestão e a história de pessoas cuja carreira é transparente e aberta à avaliação da sociedade. Ainda há tempo, governador.


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